sábado, 18 de junho de 2011

A HUMANIDADE, ENTRE A ESPERANÇA E PERPLEXIDADE

O

 lar familiar como “jardim” de delícia da vida, a escola do amor afetivo-efetivo está se esvaziando a cada dia e com maior rapidez, juntamente com os templos, as sinagogas, as igrejas e mesquitas, que não são outra coisa senão os espaços humanos e teológicos do encontro sacramental de vida da humanidade sociocultural com a Divindade trinitária e espiritual. Para onde foram as pessoas? Umas delas se encontram isoladas nas praias, outras vagando nas montanhas perambulando pelas matas adentro, e ainda outras, sentadas nos bares tomando cervejas e mais outras se disfarçando assistir filmes nos cinemas. Mas por que estão se isolando e fechando, se afastando mutuamente e cada um por seu canto, disfarçando de todo o jeito? Onde está a maioria delas? Para onde foram? Onde podemos encontrá-las? Por que, para que e como foram até lá? Assim, são as perguntas e mais perguntas ecoadas no ar, umas atrás das outras e quase nada de respostas satisfatórias. Alguma coisa, contudo, está certa: essas pessoas estão, simplesmente, querendo se distanciar de uma realidade insânia e muito incômoda para refrescar a cabeça e abaixar o ânimo, pois o “clima” da convivência não está muito amigável, está quente demais, está fervendo a ponto de se explodir.
Em todos os lugares em cima mencionados onde algumas pessoas se encontram, porém, ainda não são comparáveis com outros dois lugares, espalhados pelo mundo afora, e que estão super lotados de homens e mulheres, desde as criancinhas até os velhinhos, são eles: os hospitais e penitenciárias. Nessas duas megas “oficinas” humanas que se encontra com as pessoas tentando buscar ou, obrigadas a buscar os concertos necessários de suas vidas. Elas são vítimas de diversos tipos de crimes, como por exemplo: ato de insalubridade mental, de analfabetismo moral, de cegueira ética política, religiosa e familar, de imprudência, intolerância, incompreensão e rixas, etc. Anota-se que, por incrível que pareça, dentre desses dois lugares há uma pequena padaria, três salões de academia para o restabelecimento da forma física, e sete drogarias e farmácias, de maior e menor porte, respectivamente. Aliás, esses quatro últimos itens estão disputando com unhas e dentes o espaço em cada esquina, tanto nas grandes capitais quanto nas pequenas cidades e nos meios rurais.
O mundo está se transformando, a cada dia, em mega hospital para poder acomodar todos os feridos físicos e psicológicos tanto quanto morais e espirituais, e, em mega penitenciária para abrigar os violadores das ordens: política, social, econômica, cultural/religiosa e afetiva/familiar. Está pairando sobre o mundo um cheiro forte de ar do desespero. É isso mesmo, o ar do desespero. É o desespero que leva as pessoas a ficaram doentes, a perder do controle emocional, do raciocínio, da tolerância, do equilíbrio, da compreensão, do bom-senso, da gentileza, da humildade, da solidariedade e espalharam os crimes contra as vidas, da própria, dos outros e dos demais.
O desespero é uma força maligna em potencial capaz de deturpar a esperança, deprimir a confiança, falsificar a autoestima, amedrontar a coragem de perseverança, fragilizar a vontade de aprender a conviver e correlacionar com o diferente. O outro diferente não mais visto, tratado e crido como alguém que me completa, que me proporciona a felicidade, que me soma as forças para meu caminhar, que me indica a direção certa a seguir, que me auxilia nas minhas dificuldades e me consola nos meus dias de dores... . Mas por que de tanto desespero?
A força do desespero, se não for superada, é capaz de arrastar toda a humanidade à cova da morte. Se a animalidade do ser humano não for adestrada adequadamente e dominada, ser transformada em potência de salvação, é capaz de destruir a vida neste planeta Terra. Se a política e a religião não são praticadas de maneira justa, humanizante, saudável e libertadora para garantir a voz e a vez de cada indivíduo, os direitos iguais de todos e liberdade de cada cidadão, perderão sua qualidade funcional como instituição criadora e/ou provedora, defensora, salvadora e/ou protetora, geradora, coordenadora, condutora e animadora da convivência solidária de toda a humanidade. Tanto a política quanto a religião deveriam exercer o seu papel de modo mais justo, coerente, saudável, e para isso, deve se modificar adaptando-se constantemente os seus paradigmas com os contextos atuais. Modificar suas mentalidades cada vez mais humana, justa e solidária.
Perante a realidade em que estamos vivendo: a globalização excludente da economia, o espírito de consumismo desenfreado, o individualismo egocêntrico, de um lado e de outro, o coletivismo paternalista e infantilista, o neo-imperialismo político e cultural/religioso opressivos, o cristianismo é interpelado constantemente a buscar nas suas fontes as possíveis possibilidades de saídas. E uma delas é, sem dúvida, o projeto de vida e ação de Jesus de Nazaré, o Cristo-Irmão misericordioso: a fraternidade crística! Esse desejo crístico do Divino-Criador na vida e ação de Jesus Cristo não só continua sendo atual, mas também é eficaz para ser implantada nas nossas vidas hoje, no aqui e agora, pois é uma atração salvífica por isso é capaz de transformação, da morte em vida.
                                           Por: Lukas Betekeneng

domingo, 12 de junho de 2011

PENTECOSTES: A FORÇA DO ESPÍRITO DE DEUS QUE FAZ NASCER A COMUNIDADE-IGREJA UNIVERSAL

(Gn 11,1-9; Ex 19; At 2,1-13; Rm 8,22-27; Jo 7,37-39)
P
entecostes é um dos cinco pilares da fé cristã na economia da salvação de Deus para com a humanidade: a Criação do mundo, a Encarnação do Verbo, a Ressurreição do corpo – de Jesus, o Pentecostes (a descida do Espírito Santo) e a Parusia (a segunda vinda ou, o retorno definitivo de Jesus Cristo). O termo é de origem grega antiga (πεντηκοστή) que quer dizer o “quinquagésimo” – dia (Tb 2,1; 2Mc 12,32). Os cristãos celebram a descida do Espírito Santo cinquenta dias depois do domingo da páscoa (ou seja, quarenta dias após a ressurreição e dez dias depois da ascensão do Senhor).
Para entender o relato de Pentecostes, como já tinha dito em meus outros textos anteriores, é necessário procurar entender os textos paralelos do AT. Pois os autores do NT não estão inventando os textos diferentes, mas estão fazendo, contudo, a leitura da realidade atual à luz dos textos do AT, dando, desta forma o novo sentido, uma nova força de compreensão dos fatos, até de certo modo, bem profético para adequar a compreensão da realidade do passado dentro do quadro atual e sugerir as novas visões que apontam para o futuro, e que começa a ser vivido no “já” do hoje, no aqui e agora, rumo ao “ainda-não” de um amnhã diferente, cheio de confiança e de espectativas.
Um rápido olhar histórico. A festa (pentecostes) é uma celebração judaica do calendário pastoril e agrícola da Aliança Mosaica (Ex 23,14-17; 34,18-23), e que possui nomes bem diversificados: a) Hag hakasir = celebração da colheita – de grãos como trigo e cevada (Ex 23,16); b) Hag shabu’ot = a festa ou a celebração das semanas (sete semanas); começa com a colheita de cevada e termina na colheita do trigo (Ex 34,22; Nm 28,26; Dt 16,10); c) Yom habikurim = celebração das primícias dos frutos; é uma festa de entrega ou oferta espontânea – a Deus – dos primeiros frutos colhidos da terra como uva, tâmara e figo (Nm 28,26). Com a dominação da Grécia na Palestina (desde 331 a.C) o nome hag hakasir e hag shabo’ut foram substituídos pelo termo grego, pentekostes, e que permanece até os dias de hoje.
As características da festa. A celebração era muito solene e alegre (Dt 16,11); era a festa de “todos” (ecumênica?): aberta para todos os produtores com seus familiares e amigos junto com suas mulheres e seus filhos (Dt 16,11); era a celebração exclusivamente dedicada a Deus (Dt 16,10), como ato de agradecimento e louvor; o dia da celebração era considerado sagrado (o dia do Senhor), portanto, feriado (Lv 23,21). Para o povo hebreu essas festas são uma celebração da vida, pois acreditam que a palavra do Senhor Jevá estava, desde o princípio, na origem da vida, das “sementes” dos “frutos” da “árvore” do “alimento da vida”. Era uma festa de agradecimento a Deus pelo dom da terra (Dt 15,12).
Recolhendo os elementos simbólicos apresentados. É bom lembrar, antes de tudo, que em toda a Bíblia está cheio de elementos simbólicos. Assim, como o próprio mundo oriental em seu todo ainda é um mundo totalmente diferente, ainda está marcado pelo simbolismo, muito enigmático por isso cheio do mistério, da mística e do místico. Para viver essa realidade exige maior dinamismo interior. Os sábios orientais têm sua visão muito inclusiva em relação ao mundo vivido, isto é, diferenciam umas realidade das outras (mundana e espiritual), mas não as separam excluindo-as. Mesmo porque, o mundo material é visto e crido como parte visível do mundo espiritual invisível, e a realidade divina e espiritual é a essência, a dimensão transcendental da realidade elementar.
O autor lucano dos Atos apresenta séries de elementos e linguagens simbólicos: comunidades todas reunidadas no mesmo lugar (2,1); o vendaval vindo do céu (2,2); línguas de fogo que parte e se repousa em cada um (2,3); falar em outras línguas (2,4); unidade-universalidade (2,5); a abertura maior da compreensão da realidade por causa do domínio de comunicação (2,6). De entre esses simbolismos, há duas palavras marcantes que nos chamam a atenção, e que sevem como baliza do pensamento do autor: “todos ou todas” , isto é, a coletividade (2,1. 5) e “cada um”, a particularidade (2,3). Ou seja, a comunidade e individualidade são realidades inseparáveis, feito moeda de ouro, todos os lados têm valor. A comunidade é constituida pelo indivíduo e este é o elemento real nuclear para a formação e edificação da unidade comunial. Esse jogo de equilíbrio entre a individualidade e a coletividade é a marca própria desse autor.
O pano de fundo do texto lucano de At 2,1-13 é, sem dúvida, uma releitura que o autor faz como antítese do relato sobre torre de Babel (Gn 11,1-9). E também é uma alusão, principalmente, ao relato sobre o dom da lei mosiaca do monte Sinai (Ex 19), quando os hebreus, que não eram povo, mas agora se tornaram um povo entre os povos. Javé, com o dom da Lei, constitui os hebreus um povo para si, povo santo e sacerdotal.
 Observa-se a semelhança e a diferença entre a realidade na torre de Babel e Sinai com a do Penteconstes: a torre, simboliza o poder da tirania, da arrogância, da opressão e do autoritarismo, enquanto que o Pentecostes revela a liberdade, a unidade, a respeitabilidade, a simplicidade e o equilíbrio entre o coletivo e o indivíduo. Na torre de Babel há confusão, isto é, a incapacidade da intercomunicação social, há bloqueio na via de relações e interações no interior das pessoas, não há interpenetração mútua entre o indivíduo; o real (indivíduo), na torre é negado e manipulado em favor do abstrato (o coletivo). Na torre de Babel não há unidade, há somente o ajuntamento de pessoas, mas não há coletividade, há estrutura porém sem a base da comunitariedade que se constitui na individualidade. No Pentecostes, pelo contrário, todos reunidos no mesmo lugar, e cada um comprende o conteúdo da mensagem em sua própria língua, pois há domínio das outras línguas e culturas (isto é, a inculturação) pelos evangelizadores, há liberdade e abertura interior, há respeito mútuo, há equilíbrio entre o indivíduo e o coletivo.
No monte Sinai, a lei foi escrita pelo dedo de Deus na tábua de pedra depois ser entrega para o povo de Israel reunido na espera por esse dom da instrução divina, ao passo que no Pentecostes, o dom do Espirito é infundido no coração, na razão e na vontade, isto é, de dentro de cada um que estão reunido. Por isso há liberdade e não a obrigatoriedade imposta do lado de fora. É a atração e/ou sedução do interior, que ven de dentro da sensibilidade, da racionalidade e da vontade do ser humano. É sinal de maturidade, de equilíbrio e de responsabilidade. O mesmo e o único Espírito de Deus é dado a todos, infundido em cada pessoa, homem e mulher, crianças e adultos sem discriminação nem exceção. Assim, todos, perante Deus, são iguais de fato e de direito.
Refletindo sobre as mensagens. Quando deus está prestes a fazer qualquer coisa de importante no mundo, antes manda sinais para chamar a atenção do povo, porque Deus sabe que somos um ser muito distrativo, esquecente e negligente. Assim acontece com o Pentecostes, Deus mandou o sinal do céu antes de realizar o seu plano de abrir os corações do seu povo para poder escutar a sua voz e assimilar sua mensagem, para, enfim, se unir e fazer nascer a comunidade-Igreja da fraternidade universal, guiado pela luz do Espírito do Ressuscitado. A força do Espírito de Deus reúne a todos de diversos lugares, de línguas diferentes, de diferentes gerações e de culturas diversificadas fazendo-os uma unidade na diversidade. O relato sobre a torre de Babel revela que Deus não quer a unicidade uniformal, fechada, todo mundo fala da mesma língua, vive da mesma maneira, veste do mesmo jeito, age da mesma forma e cria o mundo como uma única aldeia para todos sob um único poder central que manda, vigia e determina em tudo. Deus não permite o império do espírito de arrogância das autoridades tirânicas que querem dominar os indivíduos sob qualquer custo para seu bel prazer e desfaz os seus planos, confundindo suas linguagens e dificultando o acesso de suas comunicações. A metodologia de Deus é própria, usando toda a realidade tão elementar para revelar o mais espiritual. Assim, Deus se serviu da experiência humana de vida e amor para manifestar a sua vontade salvífica, para se revelar sua essência.
Como está indo a nossa unidade cristã? E a Igreja romana? A nossa Diocese e paróquia? A nossa unidade comunitária e congregacional? A nossa unidade afetiva/familiar? E, por fim, a nossa unidade política interna e externa? Parece que ainda temos muito medo da liberdade, medo da individualidade, da diversidade e, então se esconde a trás da coletividade, manipula a comunitariedade para o bel-prazer da autoridade centralizadora e autoritária sob o pretexto da religião e/ou cultura política e muitas outras bandeiras ideológicas e utópicas. Mesmo que auxiliado com a religião e a política o ser humano não conseguiu domar até hoje o ímpeto de sua própria animalidade para implantar a paz e harmonia, promover o diálogo e a concórdia, praticar a justiça e o direito no espaço da convivência social no mundo, imagina sem elas.
Para que a utopia crística da fraternidade do Nazareno possa ser realizada, os cristãos todos foram chamados para se reabastecer, bebendo na sua própria fonte salutar e inesgotável de vida espiritual, que está instalada dentro do seu próprio coração. Também toda a humanidade de fé é convidada para o mesmo objetivo, por isso diz: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (Jo 7,37; Is 55,1). O convite já está dado, e a decisão é sua, é minha, é nossa. Precisamos tirar do nosso peito o coração de pedra e, no seu lugar Deus vai colocar o de carne. É necessário reeducarmos a cada dia a nossa racionalidade, nossa sensibilidade, nossa vontade e nosso desejo para podermos conviver e correlacionar melhor com as diferenças de modo mais humano, mais saudável, mais fraterno, mais compreensivo e mais tolerante. O efeito do Pentecostes para os cristãos em particular e a humanidade em geral é a união, a comunhão, a relação e a comunicação, é o respeito, a tolerância, o cuidado, a paciência, é o abraço cordial e o beijo fraterno, é o eterno enamoramento apaixonado pela vida virtuosa.
                                   _________&&&_________
                                     Por: Lukas Betekeneng

terça-feira, 7 de junho de 2011

A ascensão do Senhor, a ascensão de toda a humanidade

(Mc 16,19; Lc 24,50-51; At 1, 6-11; Ef 4, 7-13)
O
 que significa, para nossa vida hoje, essa expressão: “Jesus foi elevado ao céu” ou, normalmente chamamos de ascensão do Senhor (At 1,9)? Qual a diferença entre a assunção de Maria[1] e a ascensão de Jesus? O que devemos resgatar, preservar e elevar sempre para a glória de Deus, em nossas vidas cotidianas (psico-sociopolítico, econômico, cultual, religioso e familiar), e o que devemos deixar de lado ou jogar para o chão? É possível viver a vida do discipulado crístico (ou, a espiritualidade de vida cristã) sem a cruz de Jesus?
A ressurreição de Jesus – da morte para a vida – e sua ascensão do mundo para o céu significa que depois que a vida de Deus em Jesus Cristo – através das mãos criminosas dos homens perversos – foi desprezada, violentada impiedosamente, sacrificada de maneira brutal até a morte cruel na cruz, a partir de agora e em diante é assumida por Deus. O mundo não tem mais poder sobre ela. O aguilhão da morte não conseguiu sepultar a força da Vida no esquecimento dos discípulos e seguidores. O mundo odioso quer que a carne humana corporal sofra e morra, mas Deus-amor quer o contrário, que a vida humana espiritual encarnada seja viva em plena alegria, se rejubila no amor reconciliador e se glorifica eternamente no festim celeste. Assim, a atitude de Deus diante da mentalidade do homem: tudo aquilo que o ser humano, na sua voracidade animálica desvaloriza, despreza, viola, destrói, joga e enterra no chão, o Deus, no seu amor sem medida faz ressuscitar, resgata, exalta, recupera e eleva para o alto céu. É a vitória da vida sobre a morte, o triunfo do amor sobre o ódio.
Por isso a ascensão – assim como a ressurreição – é o ato profético de Deus em nossa vida: uma denúncia e um anúncio. A denúncia contra a atitude depreciada e destrutiva do homem e o anúncio de sua con-versão – conversão – para a retomada da consciência humana salvífica. Pois toda a prática de violência contra a criação de Deus, sobretudo, contra a vida do ser humano criado à sua própria imagem e semelhança é, na verdade demonstra a incapacidade e a ignorância, a cegueira da consciência do próprio homem em relação com o seu Deus, é a violência contra o próprio Deus (cf. Mt 25,31-46). A encarnação do Verbo no mundo da humanidade é, sem dúvida, um convite claro de Deus para o ser humano se reconhecer como o humano e aprender a ser, viver e agir cada vez mais como o humano na sua integridade; e a elevação ao céu é a confirmação dessa verdade de fé. Se todo ser humano consiga demonstrar – através do seu ser, viver e agir sinalizador ou revelador – como o caminho privilegiado do encontro salvífico com Deus-Amor-da-vida, como a verdade visível do Deus-Criador invisível e como a vida do Espírito trinitário de Deus em carne corporal no mundo ele será, no fim dos tempos, arrebatado[2], em Cristo para a glória de Deus  Pai (Mc 16,19), assim como foi o Jesus de Nazaré, também com toda a humanidade, antes e depois dele. A declaração de Jesus como “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14,6) que se imprime nos seus atos salvíficos, deveria ser também a de todos os cristãos. A vida, ou, melhor dizer, a maneira de viver e agir dos cristãos deve revelar o brilho do rosto amoroso de Deus do Jesus Cristo. Na encarnação do Verbo, o Deus desceu (se esvaziou) até o nadir da vida humana para que no seu esvaziamento o ser humano possa ser elevado, em Cristo, com Cristo e através de Cristo à plenitude da vida, na glória de Deus Pai-maternal e Mãe-paternal e Filial (cf 2Cor 8,9; Ef 4,10).
A assunção de Maria é um dogma mariológico com o fundo cristológico. A diferença entre a assunção e a ascensão consiste neste sentido: Maria foi elevada ao céu pela força salvífica de Cristo, enquanto salvador de Deus para toda a humanidade, ao passo que a subida de Jesus ao céu é pela força salvífica do Pai nele. Ou seja, a elevação da Mãe-Geradora de Jesus é auxiliada pela força da obra redentora do Filho-Salvador e a ascensão de Jesus-Filho-Revelador do amor trinitário é direta, pela força amorosa do Pai-Criador. Isso é a questão da experiência da vida de fé e não da ciência positiva e nem da mera especulação política. Por não ser baseada na ciência laboratorial, isso não quer dizer que a experiência da fé na ressurreição e na glorificação é negativa ou irreal. A fé – na ressurreição e na glorificação – daquele povo do Oriente Antigo (na região da Ásia Menor, Palestina e tudo o mais) não é de maneira nenhuma um fenômeno anormal e paranormal. A fé é fruto da experiência real da vida e do amor de Deus na vida do povo, no dia a dia.
O Cristo e a cruz são inseparáveis. Isto é, não há o cristianismo sem a cruz de Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus misericordioso. A cruz é a conseqüência da busca de vida crística e não a meta a ser projetada e realizada. Ninguém vive procurando ou inventando a cruz para ser carregada, ela é o caminho inevitável e, portanto, necessário a ser seguido, é a escada para se subir cada vez mais alto e não para permanecer nela, é o prelúdio do amor salvífico. Não se constrói a paz com guerras, nunca se promove a reconciliação com chantagens e humilhação. Nada pode se restabelecer uma vida destruindo as demais. Os cristãos devem, pelo contrário, viver com afinco a vida de Cristo, revelando o Deus-amor em vista da construção do reino da fraternidade, plena e eterna baseada no amor trinitário incondicional, na justiça social, no direito de todos, na paz profunda e na liberdade corresponsável dos filhos e filhas de Deus. O mundo novo só será possível na medida em que cada um consiga domar sua própria animalidade, consiga tirar do peito a coração de pedra e implantar, em seu lugar, o coração de carne.
Com a luz do amor de Cristo, os cristãos devem reeducar sua racionalidade, sua sensibilidade e sua vontade para poder viver e testemunhar a Boa-Nova de Deus. Assim, ser cristão não é mérito, mas a responsabilidade. Viver como e em Cristo significa, de um lado, procurar resgatar e elevar para o alto tudo aquilo que representa a vida e o amor de Deus para com toda a humanidade, e que no decorrer da história foi desvalorizado e negado, traído e sepultado no chão da ignorância da consciência e do analfabetismo da fé e amor solidário: a união, a paz, a justiça, o direito, o perdão, a reconciliação, a solidariedade, a serenidade, a tolerância, o respeito e a liberdade que não são outra coisa senão o penhor do Reino. E por outro, amputar e enterrar todo o comportamento destrutivo, arrogante, desunido, exclusivismo, corrupto, vingativo, injusto, impaciente e intolerante. Tudo isso é o desafio monumental, não só para os cristãos, mas também para toda a humanidade de fé. É difícil, mas não significa impossível. “Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24,13). Deve se lembrar que os cristãos são chamados para amar e não para odiar, para unir, perdoar e reconciliar e não para dispersar, vingar e excluir; são chamados e enviados para promover a justiça, o direito, a liberdade e a paz e não para praticar e espalhar o terror da injustiça, negar o direito e liberdade, nem para divulgar as violências, nem simbólica nem real, nem psicológica e nem física, nem doméstica e nem sociocultural; nem política institucional nem religiosa e muito menos a violência afetiva-familiar e/ou gênero masculino e feminino. Pois toda a prática de violência é o ato próprio do primitivo, do ignorante, do miserável da racionalidade e sensibilidade humana, é o ato próprio dos animais selvagens.

                                      _______&&&_______
                                        Por: Lukas Betekeneng


[1] Definição dogmática da Igreja sobre Maria, Mãe de Jesus Cristo pelo papa Pio XII, em 1º de novembro de 1959. Desde o século V a Igreja romana celebra esse acontecimento, no dia 15 de agosto. Mesmo que o documento é marial, contudo é profundamente cristológico. Ou seja, a elevação de Maria ao céu é por causa de seu filho Jesus Cristo, acolhido e crido como o Salvador da humanidade.
[2] A crença no arrebatamento não é novidade do judaísmo (cf.2Rs 1,3-16). Os evangelistas quando falam da elevação de Jesus ao céu estão fazendo releitura dessa crença. Assim para os judeus, todos os grandes profetas de Israel foram arrebatados ao céu. E Jesus é, segundo o NT, o Profeta por excelência (Profeta exemplar) e Sábio dos sábios.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A CATOLICIDADE DA MISSÃO EVANGELIZADORA DA EKKLESIA

(Mt 28,16-20)
D
esde o relato sobre o túmulo vazio, a atenção da comunidade mateana se voltou, agora, para o encontro da comunidade dos discípulos com o Cristo da fé golgótica, na Galileia, sobre o monte[1]. Deve se lembrar que o Evangelho de Mateus é, diferentemente o de Lucas[2], de caráter altamente institucional; e assim, o monte como elemento de destaque, simboliza a estrutura da convivência comunitária na comunidade de Mateus, no sentido de governabilidade. Sobre o monte, Jesus tinha ensinado a nova maneira de ser, de agir e de viver o discipulado (cf. 5,1-2). Agora, de volta no monte para comissionar os discípulos pelo mundo afora cuja missão para pregar a Boa-Nova de Deus (28,19-20), isto é, transmitir todos os ditos e atos de Jesus de Nazaré, crido como o Enviado de Deus na terra. Jesus de Mateus é, portanto, institucional, o Senhor da montanha.
Ao ver o Senhor prostraram-se em ato de respeito e adoração (28,17); contudo, a fé devotiva (o fidelizar) dos discípulos se mistura com o crer[3] duvidoso e incertezas (o credere). Percebe-se que mais que o motivo tradicional da crença imatura e duvidosa dos discípulos perante o fato do Cristo da fé, deve-se ver a situação da espiritualidade da comunidade-Igreja mateana em face de busca de uma melhor compreensão da realidade: que relação existe entre o Jesus de Nazaré (Jesus histórico) e o Cristo do Gólgota (Cristo da fé)? Basta desenvolver a crença no meio das dúvidas e adorar e experimentar a presença do Ressuscitado nos fenômenos carismáticos, ou se requer uma fidelidade total e uma confiança inquebrantável em relação a seu ser pessoa?
Há três grandes temas importantes neste trecho: 1) a autoridade universal de Jesus Cristo concedida pelo Pai (tema cristólogico); 2) a partilha universal da vida de fé do discipulado crístico (tema missiológico). A entrada dos novos membros na comunidade-Igreja será sinalizada pelo ato trinitário do batismo cristão (sacramento inclusivo para todos os membros, diferente do sinal sacramental exclusivo da circuncisão judaica). Assim, Mateus fecha sua obra reafirmando o significado da palavra isaiana do título cristológico do messias anunciado no início do trabalho: Emanuel (Is 7,14), que quer dizer, Deus está conosco (1,23): “Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (28,20); 3) essa promessa da presença permanente presume um “tempo da Ekklesia, ou Igreja (tema eclesiológico) entre a Encarnação do Verbo e a plenificação do Reino de Deus da fraternidade universal, quando Deus se torna tudo em todos (cf. 1Cor, 15,28). A tal fraternidade deve ser vivida já no aqui e agora, e não espera somente para a vida no além. Assim, como diz Karl Rahner, a Igreja já está na meta e rumo à meta.
O alvo público de Mateus é os judeus. Aí que está o desafio. A partir de agora, os discípulos têm de anunciar a Boa-Nova para além fronteiras culturais. E para isso, não bastam a docilidade da vida de fé, a coragem e a boa vontade, é preciso de maturidade, de responsabilidade, de metodologia, de abertura para a inculturação, de respeito das diferenças, etc. Isto significa que a evangelização deve ser feita a partir da cultura do povo evangelizado para que o próprio povo descobre a presença salvífica de Cristo na sua própria realidade social e cultural, e não a do evangelizador, como aconteceu na Igreja durante a sua caminhada histórica.
Concluindo: a Igreja de Cristo é toda missionária. A missão evangelizadora da Igreja é tarefa e a responsabilidade de todos os batizados. Jesus de Nazaré, o Cristo-Irmão misericordioso é o fundamento da Ekklesia. Seus ditos e atos são sinais sacramentais para toda a vida da Igreja. Contudo, o ser humano-imagem-e- semelhança do Criador é o Sacramento dos sacramentos de Deus no mundo. A Igreja, como realidade humana-terrena-cultural, tem seus erros, mas como ter presença permanente do Espírito do Ressuscitado, ela é corrigida e purificada continuamente, cada vez que cai. Por isso ela é santa que tem possibilidade de pecar e, ao mesmo tempo, pecadora redimida e santificada sem cessar. A Igreja de Cristo é edificada no mistério da Trindade, isto é, no Deus comunidade, unidade, relacionalidade e comunicabilidade.
                                __________&&&__________
Por: Lukas Betekeneng


[1] O monte é o símbolo abraâmico do El-Shadai – Senhor da altura (cf. Gn 17,1; 28,3). Monte, na crença de Abraão, simboliza a superioridade, o lugar do Sagrado, o “trioni” da divindade da fé peregrinante de um Abraão: onipotente, onipresente e onisciente.
[2] O Evangelho de Lucas ressalta a importância do equilíbrio social entre os diferentes, para isso a planície é o lugar simbólico de seu evangelho. Jesus de Lucas é, portanto, social, Senhor da planície.
[3] A fé (o fiel e o seu fidelizar) não é a mesma que a crença (o crente e o seu credere ou crer). O crer vem da palavra credere, supõe a maior ou menor incerteza enquanto que a fé – podemos criar um neologismo fidelizar – é a entrega arriscada, a con-fiança absoluta, uma crença inabalável, uma adesão total e sem reserva.