quarta-feira, 7 de maio de 2014

A IGREJA-SINAL

(Lc 21,27)
Como de costume, ao longo da história da humanidade, a situação de maior crise (thlipsis) – ética e moral política, econômica, social/familiar e cultural/religiosa – sempre foi lida e crida como uma seta apontada para a chegada do irromper do “último” dia. É o sinal da primavera do novo amanhecer (o kairós), o momento de regeneração, de renascimento, de crescimento e amadurecimento humano; há algo de diferente (qualitativamente), de especial (o novo homem e nova mulher, novo céu e nova terra) surgirá. Nesse momento de crise, a situação é de incerteza, de desconfiança, de maior dificuldade, de grande sofrimento, os sentimentos de medo e de esperança se misturam, a desorientação e confusão predominam a vida, é um tempo, completamente, de caos (o chronos). Algumas pessoas, tanto era como em nossos dias, sempre aproveitam essa situação para seu bel-prazer, apresentando camufladamente, cada um/uma como messias (o enviado ou ungido de Deus), o profeta, como libertador e salvador da pátria. Por isso, é necessário, nessa situação de pânico, viver a vida em contínua oração, em vigilância e cuidado redobrados para não cair na armadilha dos falsos profetas (falsos políticos e governos, tanto estatais quanto religiosos) com seus discursos e promessas – políticas e religiosas – mirabolantes (21, 34-36. Cf também Mt 24,25. 26 e Mc 13, 5. 6). Assim, toda essa situação de caos serviu de base (o chão da realidade) para ambientar a literatura “apocalíptica”[1]. O teor da linguagem apocalíptica (como também profética) pregada nesse discurso lucano (Lc 21) nos revela a gravidade da situação e, ao mesmo tempo, a amplitude do sonho de transformação, da presença do “novo” (21,27), sonho de mudança da realidade.
Como todos e quaisquer acontecimentos na vida, ou, se não todos, pelo menos na sua grande maioria, é fruto das mãos dos homens e mulheres, esse desastre nos revela, principalmente, a origem do problema: além da grave inflação (soberba) existencial dos homens, a crise profunda de identidade humana enquanto humano, criado à imagem e semelhança do Criador; mostra, além disso, a incompetência (ou a negação) no fiel cumprimento de sua missão como cooperador de Deus na contínua criação e recriação do mundo (Gn 1, 26). Revela, igualmente, o descrédito do líder enquanto pessoa e a má qualidade de sua liderança. Ou seja, a ação de liderança revela a qualidade (boa ou má) do líder, pois tudo aquilo que se expõe ao mundo foi tirado do tesouro de seu interior (cf. Lc 6,45). A Igreja enquanto comunidade de fé do povo de Deus, reunido em uma casa de oração e na mesma mesa do repartir do pão (e com toda a humanidade-imagem e semelhança) é capacitada para ser sinal vivo da presença salvífica de Deus.  Ela é “com-voca-da” e/ou “pro-voca-da” para ser sinal de mudança, de transformação, sinal de justiça e de direito, sinal de liberdade-responsabilidade, sinal de comunhão real e ativa, sinal do diálogo e de mútua cooperação, sinal de paz e solidariedade, sinal de respeito, de perdão, de reconciliação e libertação. Mas essa Igreja só pode ser digna de ser sinal de Deus do Jesus Cristo no mundo da humanidade se ela está bem alinhada (seu viver, seus ditos e atos) com as inspirações evangélicas do mestre Nazareno (cf. Mt 10,24.25). Ou ela se liberta e libertar os outros ou seguir seu caminho costumeiro: se sucumbir ao poder, à posse, ao prazer e prestígio. Ser sinal de Deus significa soltar as correntes, abrir as vias, alargar os trilhos e construir as pontes e não levantar os muros, apertar algemas, dissolver a comunhão, fechar os caminhos, negar o direito, manipular ou inventar a verdade da Boa nova, impedir a liberdade e desfazer a união. Mas o que, afinal, significa o “fim” nesse discurso de Jesus lucano? Como se comportar diante da crise? Qual é a ideia base que está por trás desse discurso?

A. A Igreja de Cristo é chamada para ser leitor (intérprete) dos sinais dos tempos
A Igreja não é um mundo a parte. Ela também não é a melhor instituição (a mais santa, mais justa e mais perfeita) das demais. Como todas as instituições humanas e, portanto, culturais e mundanas, a Igreja também tem suas luzes e sombras, erros e acertos, potências e limitações, perspectivas e desafios[2]. A Igreja é também uma ovelha e/ou moeda perdida e achada, é um filho perdido e reencontrado (Lc 15,1-32). Esse autorreconhecimento de suas próprias realidades é, sem dúvida, um sinal de equilíbrio, de maturidade e de humildade. É bom lembrar, uma vez por todas, da pedagogia divina que mostra que a glória e o triunfo do amor de Deus sempre foram revelados em contexto de contraste, paradoxal: nas fraquezas, nos desprezos e derrotas (cf. Lc 14,11). É na luz da cruz que o Filho de Deus nos faz ver o brilho da humanidade imagem e semelhança do Criador. O próprio Jesus tem declarado veementemente de que ele não vem para chamar os que se denominam como “fortes”, “perfeitos”, “santos” e “justos” diante dos homens (cf. Lc 16,15), mas, pelo contrário, os “pecadores” (Mc 2,17), isso não significa, contudo, a exclusão dos primeiros, apesar de suas mentalidades opressoras e arrogantes. Pois todos aqueles que o procuram de coração e ir ao seu encontro, declarou Jesus, que ele não os rejeitará (Jo 9,37). Ele também se mostrou abertamente como amigo íntimo e defensor dos que foram considerados pecadores e pecadoras, por isso mesmo foram discriminados e excluídos, pelas lideranças religiosas e políticas. Ele acolheu a todos na mesma mesa de comunhão como irmãos do mesmo Pai celeste sem discriminação. A partir exatamente dessa realidade dual (“casta meretrix” = santa e pecadora)[3] da Igreja, e por isso mesmo, que ela foi chamada para ser instrumento (testemunha) de Deus para a vida de toda a criação, de modo particular a da humanidade-imagem e semelhança e filho no Filho primogênito.
Pelo sacramento batismal os cristãos se fazem o seguidor de Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso. Seguir Jesus Cristo significa, entre outros, ser, viver, pensar e sentir, querer e fazer com ele, nele e como ele, para a glória de Deus Pai e para a felicidade dos homes na face da terra. Ou seja, dar a continuidade do seu verdadeiro projeto evangélico de proporcionar uma transformação do mundo cada vez mais irmão e mais solidário onde reina a paz verdadeira, a caridade libertadora, a liberdade-corresponsabilidade, o mútuo respeito, a justiça social e o direito para todos os filhos do Pai celeste, que não são outra coisa senão o penhor da plenitude do reino de Deus da fraternidade. Para isso, tornar-se o “alter Christus” (o outro Cristo) é o caminho a ser seguido. Como Jesus Cristo é a voz de Deus na humanidade, assim também a Igreja é a voz de Cristo ecoando no mundo da vida.
Os cristãos acreditam piamente de que Jesus de Nazaré é a verdadeira revelação (ou encarnação) de Deus no mundo. Essa convicção baseia-se na confissão de fé de São Pedro (Mt 16,16)[4]. Em outras palavras, todos os que foram batizados em nome de Deus triuno fazem a confissão de Pedro a sua fé no caminho do discipulado de Jesus Cristo. Foi com base nessa fé e no testemunho de vida e obras dos discípulos e apóstolos que se fundou e se multiplicou paulatinamente a comunidade-Igreja dos seguidores. Seguir a Jesus não é andar atrás dele passivamente, como gato seguir seu dono, mas de modo ativo e “creativo”, de olhos atentos a todos os fenômenos, de estar sempre em prontidão para ler e interpretar os sinais dos tempos, à luz da Boa Nova de Deus, em prol do bem da vida.
Como seu mestre, a Igreja também é provocada para ser leitor (intérprete) de Deus no mundo: ser olhos e ouvidos, ser boca, pensamento e sentimento de Jesus Cristo para anunciar a Boa Nova da graça de Deus, como ele, pelo mundo afora. Ela é continuamente interpelada (cf. Mt 16,3) para ficar sempre em vigilância e oração, atento aos sinais dos tempos, lendo-os criticamente, julgando-os à luz da Palavra de Deus e, enfim, agindo pastoralmente anunciando ao mundo - não apenas com o discurso homilético e/ou catequético/espiritual, mas também, e principalmente com a ação renovadora - o caminho da transformação. Ela (a Igreja enquanto indivíduo e, principalmente, o coletivo dos fieis) deve estar sempre em prontidão para ler (e interpretar) com atenção os acontecimentos (os sinais) que impedem a convivência fraterna: tudo aquilo que escraviza a vida, que agride a liberdade humana, que denigre a dignidade das pessoas, que manipula a justiça e nega o direito dos indivíduos, tanto isso praticado dentro da própria comunidade de fé quanto fora dela mesma. Dessa maneira, a Igreja torna-se, não apenas o leitor passivo dos sinais, mas também fazer-se o real porta-voz e fazedora viva e ativa da presença crística de Deus-amor (1Jo 4,8) libertador e salvador. Seu ser, suas vidas, seus ditos e atos devem ser, dessa forma, o sinal evangélico da mudança, do novo nascimento, da “re-nova-ação”- da renovação a exemplo do mestre Nazareno. A leitura crítica e serena dos sinais dos tempos somente é possível graças ao esplendor da luz do amor do Ressuscitado que brilha no íntimo dos fieis, como atesta o salmista: «Muitos dizem: “quem nos fará ver o bem?” Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face» (Sl 4,7). O viver, o falar e o agir da Igreja (dos cristãos todos) devem imprimir a luminosa face compassiva e misericordiosa de Deus de Jesus Cristo.
A Igreja (o indivíduo tanto quanto o coletivo) tem essa missão de fazer resplandecer, no mundo da humanidade, toda beleza da luz da face de Deus no rosto desfigurado de Jesus Cristo, a “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15), o “resplendor de sua glória” (Hb 1,3), “cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). Essa imagem do rosto desfigurado de Deus de Jesus Cristo está estampada nos rostos de todos os sofredores: os injustiçados, os excluídos, os explorados, os manipulados, os negados e oprimidos, os abandonados, os discriminados e agredidos do nosso tempo; são eles, o nosso próximo, independentemente das crenças e filosofias religiosas, gêneros e gerações, nações e culturas, “raças” e cores, ideologias políticas, profissões e posições socioeconômicas, são todos os nossos irmãos e irmãs que convivem conosco no mesmo lar, que encostamos da mesma mesa de comunhão para partilhar o mesmo pão em oração, que encontramos no dia a dia de nossas vidas. Nessas situações os sinais da presença de Deus se intensificam. Os cristãos em especial e toda a humanidade em geral são pro-voca-dos (Lc 12,54-59) para investigar em cada momento essas situações desumanas, ler criticamente e interpretá-las à luz da Boa Nova e, por fim, fazer transparecer a presença de Deus-Amor resgatador ( o El), o Deus da justiça, do direito e da paz, o Deus libertador e salvador da vida de toda criatura, de modo particular a da humanidade-imagem, semelhança e filho no Filho[5]. Assim, como afirma São Paulo: “... vós todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus...” (Gl 3,26)[6]. Reconhecemos, portanto, que esse chamado não é prestígio nem tarefa específica e, portanto, exclusiva nem dos bispos e nem dos padres e religiosos/religiosas (os celibatários), mas é a responsabilidade profética e missionária de todos os batizados, homens e mulheres de todas as raças, gêneros, culturas e gerações juntamente com todos aqueles e aquelas de boa vontade (todos os que se chamam de Ser Humano).
B. A Igreja de Cristo é interpelada para ser porta-voz do “novo”
Deus necessita realmente do ser humano (cf. Is 6,8. Mt 9,37.38) tanto como o ser humano depende totalmente de Deus (cf. Sl 22,1. Dt 33,27. Mt 27,46). Essa primeira parte da afirmação pode soar um pouco estranho nos ouvidos de algumas pessoas. Mesmo porque, durante nossa formação espiritual, religiosa e catequética nas escolas, nas comunidades consagradas de formação inicial, ou, até mesmo nos seminários e nas universidades de filosofia e teologia, tanto quanto, nos discursos homiléticos nas igrejas e nos encontros de formação pastoral, raramente ouvimos esse tipo de afirmação que diz que “Deus precisa do ser humano”. Acostumamos, sim, a ouvir – e sempre cremos e repetimos constantemente – e radicalizamos – de forma automática, isto é, sem o acompanhamento do pensamento crítico saudável e construtivo – é a ideia que fala que “Deus nunca necessita nem do ser humano, nem de nada e nem de ninguém, pois é aquele que “tudo sabe”, “tudo pode” e “tudo domina[7]. E pior ainda quando diz que Deus criou o ser humano porque quer, ou seja, sem as outras intenções. Esse tipo de pensamento nega totalmente o objetivo do Criador e o conteúdo real da teologia da Criação (cf. Gn 1,26-28). Esse tipo de concepção de Deus tira, consequentemente, o ser humano de seu valor e sua responsabilidade missionária (seu papel de co-labor-a-dor, de parceria). Nega, igualmente,  a intenção original de Deus no princípio da criação do ser humano à sua imagem e semelhança e o adotou como filho no Filho (Gn 1,26-28. Gl 3,26).
O que quer dizer: “ser porta-voz” de Deus? Por que Deus precisa de nós seres humanos limitados como porta-voz do Ilimitado? Todas essas questões e outras mais nos fazem sentido. Ser porta-voz de Deus significa ser seus “olhos” e “ouvidos” para com o próximo, ser suas “mãos” e seus “pés” para fazer novas todas as coisas na face da terra e ser sua “boca” para anunciar a Boa Nova pelo mundo afora. Ou seja, escutar sua Palavra-vida atentamente, assimilar com agudez a sua mensagem nova e renovadora e agir conforme a sua vontade (Jo 4,34; 8,29. 47). Isso não significa substituir Deus (ou, ser Deus) em interações na humanidade, é, pelo contrário, ser instrumento na mão do verdadeiro e principal “ator” divino (Fl 2,13. Jo 5,19)[8]. Ser profeta ou porta-voz é ecoar a profecia de Deus no mundo marcado pela violência, pela injustiça, pelo poder feudal manipulador, autoritário e colonizador dentro e fora da Igreja. Isto é, decodificar os “ruídos” de Deus e ecoá-los ate chegar nos ouvidos e nos corações do mundo, denunciando o pecado e anunciando a graça. Isso não é fácil, uma vez que a voz de Deus não é clara; por isso é preciso de muita oração e contemplação, reflexão e diálogo.
Jesus de Nazaré foi – e será sempre – o verdadeiro Filho amado, o servo escolhido, o fiel Porta-voz do Pai que desceu do céu para denunciar e anunciar a chegada do Reino de Deus da fraternidade (Mt 3,17. 12,18-21). Para chegar a este ponto de consideração, Jesus tem de trilhar o caminho (passar pelo processo) de aprendizagem, de crescimento e amadurecimento, de ser humilde no reconhecimento de suas próprias limitações e reconhecer, igualmente, a manifestação da verdade de Deus nos outros (cf. Mc 7,24-30. Lc 2,52. Fl 2,6). Para Jesus, só Deus é bom (Mc 10,18) e o ser humano tem de aprender a cada dia para ser bom como Deus (cf. Mt 5,48). Foi essa atitude de bondade extrema que faz com que os discípulos o chamaram de o “Cristo de Deus” (Lc 9,20).
A Igreja cristã (os batizados e as batizadas) é chamada para trilhar esse mesmo caminho: ficar atentos aos sinais dos tempos em estado de contínua oração e contemplação, se alimentar e fortalecer sem parar da Palavra-Vida de Deus, interpretar com crítica e comunicar ao mundo a verdade divina de forma clara e convincente. A Igreja, neste papel de porta-voz (profeta), não é o personagem que advinha o futuro, mas é aquele que anuncia e clama, que reclama e brada “em nome de Deus”. Ela não pode nem deve silenciar toda a prática que não está conforme o Evangelho, tanto dentro dela mesma quanto fora. Como Jesus, assim também a Igreja deve ser uma “verdadeira fonte de água fresca”[9] descendo da altura e que corre no meio da praça do povo de Deus, espalhando o frescor da graça da salvação. Os cristãos, antigamente, são aqueles que recebem, de olhos vendados e de boca calada, o dogma, a doutrina, são quem acreditavam com espírito de docilidade infantil as verdades da hierarquia. Mas agora, percebe-se que, os cristãos são os seguidores de Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão-libertador que luta pela libertação de todo o povo, são os que buscam sem cessar a verdadeira fonte, a água salutar de vida nova no Evangelho. Os cristãos, hoje em dia, se tornam mais maduros, mais críticos e mais responsável no seguimento do discipulado e não apenas receptores cegos e dóceis da ideologia dogmática e doutrinária de uma igreja, fortemente, hierarquizada, exclusiva e excludente, feudal e centralizadora, expansionista e discriminatória. A teologia – e toda a formação espiritual e religiosa – antigamente foi feita, não para alimentar a fome e sede do amor do povo de Deus para o seu crescimento e amadurecimento mais saudável, mas para proteger e elogiar a glória do poder, da posse, do prestígio e do prazer da autoridade hierárquica. Todos aqueles e aquelas que falam diferente do poder central da Igreja institucional são obrigados a calar a boca, serão intimidados/as, serão excluídos, perseguidos, banidos e jogados na fogueira, e suas obras são todos confiscadas. Graças ao Papa João XXIII que, através do Concílio Vaticano II (1962 – 1965), recuperou (ou, incentivou a todos para a recuperação) o direito e liberdade dos batizados, na Igreja e no mundo. A Igreja de Cristo pós-Vat. II recuperou, enfim, sua imagem, reencontrou sua teologia, os povos reencontraram seus direitos, sua dignidade, sua liberdade e sua responsabilidade. E, em nossos dias, o novo Papa (Francisco) vem refortalecendo essas inspirações bíblicas originais em relação ao direito, á liberdade, á dignidade e á responsabilidade de todos os batizados como penhor da plenitude do Reino esperado de Deus, na vida da Igreja e no mundo.

C. A Igreja de Cristo é comissionada (enviada) para ser exemplo de mudança
“Ninguém, depois de acender uma candeia, a cobre com um vaso ou a põe debaixo de uma cama; pelo contrário coloca-a sobre um velador, a fim de que os que entram, vejam a luz” (Lc 8,16-17).
“Como a árvore é reconhecida pelo fruto que produz, assim, também uma pessoa é reconhecida pelas obras realizadas. Pois nunca se colhem figos de espinheiro e nem se vindimam uvas de sarças” (Lc 6,43. 44).
A Igreja como comunidade dos fiéis reunidos em Cristo e com Cristo, e que crer em um único Deus que trabalha sem parar para a vida do seu povo (Jo 5,17), a sua grandeza não consiste no que ela pensa e fala no topo do púlpito do poder, da posse, do prazer e prestígio para o mundo inteiro, com eloquência, mas, pelo contrário, no que ela escuta de Deus e põe em prática no dia a dia, no vale de aridez da vida humana (Lc 8, 19-21. 4,18-19). Todas as obras da Igreja é um exercício humanitário de cidadania, orientada pela luz da Palavra de Deus. Ou seja, a Igreja procura descobrir a vontade de Deus e realizá-la com responsabilidade em prol do bem-estar de vida e da salvação da humanidade inteira. A humanidade não necessita das explicações retóricas, mas de exemplificações práticas de vida cristica.
É por esse objetivo que ela foi pro-voca-da (Lc 6,20-26) e comissionada para dar o exemplo, para fazer diferente, não como fazem os tiranos do mundo, mas como Deus quer: servindo o povo de Deus, fazendo-o para ser protagonista de sua salvação, e não servindo-se do povo, manipulando-o como objeto de caridade para seu bel prazer, para arrancar os elogios dos pobres como benfeitor (cf. Mt 23,1-12. Mc 10,45). Ela foi chamada, não para agir repetindo os feitos tradicionais dos antepassados que não representa a justiça, o direito e a liberdade, mas a nova ação que imprime a chegada do Reino celeste hoje, neste lugar, no aqui e agora da vida (Lc 19,9), onde Deus é tudo em todos (1Cor 15,28). O Jesus de Lucas supõe que a comunidade-Igreja não só seja aberta, mas é também que a comunicação e a participação deve ser real e ativa. Uma vez que a mensagem-vida de Deus foi dada não para um grupo privado, uma classe seletiva ou um sectário farisaico, mas foi um anúncio público, isto é, para toda a humanidade (Lc 8,17). Esse anúncio da mensagem de Deus não é um direito e/ou merecimento conquistado, mas uma tarefa missionária de toda humanidade, uma responsabilidade, tanto para quem escuta quanto para aquele e/ou aquela que se dispõe a anunciar.
A ação da Igreja enquanto instituição tanto como povo peregrino de Deus não pode ser como um ato para a própria glorificação (Jo 8,54), mas deve, sim, revelar com eficácia o sinal da presença ativa e do agir salvífico do Pai celeste, a origem e o destino da vida de toda a criação (Mt 5,16). Para Jesus de Lucas, há uma relação íntima entre a árvore e os frutos, o homem e o seu depósito interior, o coração (Lc 6,43-45). Ou seja, a ação humana e eclesial é o termômetro de verificação da qualidade originária e originada da mentalidade, do comportamento ou caráter, de toda a estrutura psicoemocional e moral cultural e religiosa da pessoa. A ação da Igreja de Cristo não deve nem iludir e nem traficar – direta ou indiretamente, consciente ou inconsciente – o próximo para um engano de felicidade e salvação de vida fácil, dependente, frio feito refém da caridade colonial e paternalista, mas, pelo contrário, deve ajudá-lo a se reerguer e tornar-se protagonista libertando-o, dessa forma, de toda a escravidão, conscientizando e resgatando-o do seu valor corrompido e sua dignidade ferida como filho de Deus libertado, pois foi para a nossa liberdade que Cristo vem para nos libertar (cf. Gl 5,1).
Como conclusão, dizemos que toda a criação de Deus é sinal de sua presença viva e ativa. E o ser humano como sua criação por excelência (criado à sua imagem e semelhança) é capacitado – com a força da racionalidade, da sensibilidade e vontade de ser e viver – e comissionado para ler e interpretar a manifestação do “desejo” do Criador, no meio dos sinais da morte potencial, e pô-lo em prática. Também é “pro-vocado” - provocado (interpelado) e enviado para exemplificar na sua vida concreta do dia a dia a convivência solidária, dialogal e tolerante do amor fraterno segundo o plano de Deus, anunciado e vivido pelo Jesus de Nazaré junto aos seus, o Cristo irmão compassivo e misericordioso, durante sua passagem pelo mundo.
Neste discurso do “fim” o autor da comunidade lucana tenta projetar sua visão sobre os acontecimentos da história, em etapas e graus sucessivos, na qual Deus realiza o plano da salvação da humanidade (dos fiéis). Esse plano salvífico de Pai foi inaugurado pelo Filho (Jesus de Nazaré) através de sua vida, paixão e morte na cruz. Assim, a continuação da vida (a redenção) passa, necessariamente, pela dor, paixão e morte. A reflexão sobre o fim da história de Jerusalém[10] é projetada e/ou personificada pelo fim trágico da história da vida de Jesus de Nazaré. Jesus e sua cruz (sua vida, paixão, morte e redenção) são, portanto, a personificação de um povo e seu sofrimento e sua vitória final. A salvação e redenção definitiva da vida dos fiéis (o “novíssimo” ou a vida escatológica) na tradição lucana do Evangelho são uma visão teológica unificada, as formas pedagógicas para resgatar o valor e sentido da fé da Criação e Encarnação de Deus na humanidade. O fim desse discurso lucano mostra uma visão do fim diferente, não triunfalista, no qual a história é negada e engolida, mas é um convite à atenção, à “metanoia” (mudança do caráter e/ou da mentalidade), à reflexão no presente.
A ideia base nesse discurso escatológico é para dizer que o mundo (a vida) é sempre recriado a partir do caos, portanto, não terá fim. O bem da vida sempre prevalece sobre o mal e se confirma como vitoriosa diante da morte. Em Deus, a vida não terá fim, nada se perde, tudo cresce e tudo se transforma. A crise não é o obstáculo, muito pelo contrário, é o momento oportuno (Kairós) para o crescimento e amadurecimento da vida e da fé.
Dentro da situação de crises, assim como Jesus, também os cristãos são convocados à resistência evangélica, à perseverança unânime na graça de Deus, à confiança e esperança escatológica, à assiduidade ao ensinamento dos valores da vida, ao testemunho libertador e salvífico: “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, ao repartir do pão e às orações” (At 2,42. Cf., também Mt 24,13). É nessa situação que a Igreja - enquanto indivíduo e/ou coletivo - é provocada (chamada), interpelada e comissionada para ser sinal da presença viva e ativa: ser olhos, ouvidos e boca, ser mãos e pés de Deus no mundo: “Quem hei de enviar? Quem irá por nós?” (Is 6,8) Pois “a colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos” (Lc 10,2).
_____&&&_____






[1]. O termo “apocalipse” é do grego (apokálypsis) que significa a “revelação”. É uma junção de duas palavras: do “apo”, ‘tirado de’ e ”kalumna”, ‘véu’. Na terminologia bíblica - judaica e cristã - a palavra “apocalipsi” significa a “revelação divina”. Deus teria revelado, ao povo, as coisas novas que até então permaneciam secretas a um profeta escolhido e ungido por Ele. Há dois livros de apocalipse na Sagrada Escritura: o de Profeta Daniel (no AT) e de João (no NT).
[2]. Como comunidade humana limitada onde se reúne homens e mulheres e que sempre está propensa ao mal, a Igreja de Cristo não é uma instituição totalmente santa ou totalmente pecadora, mas é “santa-pecadora” (casta-meretriz) ou, meretriz santificada.
[3]. A santidade e pecaminosidade são realidades de vida humana integral. Abstraindo, uma ou todas, essas realidades, a humanidade não será mais humanidade. Essa consciência foi imprimida pelo Santo Ambrósio de Milão (340-397), dizendo que “a Igreja (o povo de Deus) existe de duas formas: aquele ou aquela que não conhece pecado ou como aquele ou aquela que deixa de pecar. A Igreja é, originalmente, santa, mas ela pertence os pecadores pois, como comunidade humana, sua própria vida sempre se inclina ao pecado. Para esse assunto, ler o livro de Álvero Barreiro, intitulado “Igreja, povo santo e pecador”. São Paulo, Loyola, 2001.
[4]. Essa confissão colocada na boca de Pedro é, também, a verdadeira confissão de fé das primeiras comunidades cristãs onde São Pedro, provavelmente fundou, viveu e trabalhou. A confissão de fé petrina se baseia, sem sombra de dúvida, na maneira de ser, de viver, de pensar e sentir, de falar e agir de Jesus de Nazaré. Esse modo diferenciado de Jesus que faz com que os discípulos e seguidores os chamaram de “o Enviado de Deus” ou até mesmo, o “Deus” encarnado. Essa confissão de Pedro serve, portanto, de referência na vida da Igreja desde as primeiras comunidades até hoje e pelos séculos afora.
[5]. A Igreja imprimiu a consciência de sua responsabilidade batismal, vocacional e missionária através de sua Constituição Pastoral (um dos seus documentos conciliares do Vaticano II) “Gaudium et Spes” (Gs, 4): “É de responsabilidade da Igreja de observar e examinar minuciosamente os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira atualizada e adaptada a cada contexto e geração, às interrogações eternas sobre o significado da vida presente e futuro e de suas relações recíprocas. Para isso, é necessário conhecer e entender o mundo em que vivemos juntamente com suas esperanças,  aspirações e seu índole muitas das vezes dramáticos”.
[6]. Essa foi a razão com que Dom Elder Câmera chama todos os pobres, sofredores, e humilhados e explorados – política e religiosamente – como “irmãos de sangue”. Para Dom Elder, por causa de sangue de Jesus de Nazaré nos faz irmãos uns para com os outros.
[7]. Essa ideia (ou conceitos) de Deus “tudo sabe”, “tudo pode” e “tudo domina” é um conceito abraâmico (conforme a experiência de Abraão no deserto) baseado na experiência cultural do povo nômade (no Primeiro Testamento), no deserto do Antigo Oriente.
[8]. Madre Teresa de Calcutá tinha dito uma vez que ela é o instrumento feito caneta na mão do Escritor divino no mundo dos pobres escrevendo a história do amor de Deus para com a humanidade.
[9]. O Cardeal Ottaviani, prefeito do santo ofício, diz que a Igreja pré-Vaticano II tinha de ser ou, se considera a si mesmo, e assim, ela agia, como “um baluarte diante do mundo contemporâneo”. O Papa João XXIII, o porta-voz que grita no deserto da Igreja, fez uma “virada copernicana” de cento e oitenta graus, sugerindo para a Igreja não se vê como um baluarte, mas como uma “verdadeira fonte de água fresca no meio da praça do povo”.
[10] O anúncio dos sinais premonitórios (21,7-11. 20-24) da destruição do Templo e da cidade de Jerusalém, em 70 d.C. pelo exército romano, e da salvação definitiva (escatologia) da humanidade (dos fiéis da comunidade lucana) com os mesmos sinais premonitórios (21,25-33). Essa descrição do fim do Templo e de Jerusalém no relato escatológico da tradição lucana do Evangelho, inspira-se em parte no clichê literário dos profetas, e em parte no relato histórico da queda da cidade e do Templo que eram centros sociopolítico, econômico e cultural/religioso dos judeus.

L. Betekeneng

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

DIREITOS HUMANOS

A ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou, hoje, 12/11-2012, a entrada da Venezuela - e Brasil - no CDH (Conselho de Direitos Humanos), juntamente com os demais países: Argentina, México, Uruguai, Alemanha, Coreia do Sul, Costa do Marfim, Emirados Árabes Unidos, Estônia, Etiópia, Gabão, Irlanda, Japão, Cazaquistão, Quênia, Montenegro, Paquistão, Serra Leoa e Estados Unidos. O processo, segundo informa o jornal, foi realizado de modo democrático. O que me estranhou foi as reações negativas de algumas organizações como HRF (Human Rights Fundation) e UN Watch. A razão da crítica foi, segundo informa, por causa do descumprimento dos requisitos pelo governo de Hugo Chaves como aquele que deveria promover a proteção dos direitos universais do homem. Apesar de tudo, parabéns para Venezuela!
No meu ver, nenhum governo neste planeta que não abusa os direitos humanos. Todos os governos cometeram e ainda cometendo, consciente ou inconsciente, de maior ou menor grau, os direitos humanos em nome das ideologias quaisquer. A minha pergunta é essa: essas organizações protestam ou criticam, da mesma forma, quando o premio Nobel da Paz foi dado para a União Europeia, um continente que promove mais guerras camufladas de bandeira da paz, da liberdade, do direito? Um continente que mais mata o ser humano do que as outras nações quaisquer ao longo da história da humanidade?
A Venezuela e o Hugo Chaves estão dentro de cada um de nós. Se a premiação do Nobel foi como uma ação política pedagógica para chamar a atenção e conscientizar os governos dessas nações em relação ao problema real do que por causa de seu merecimento, parece-me que a escolha da Venezuela para integrar no CDH também foi uma ação política pedagógica e não pelo merecimento. Assim, nenhum país é melhor do que outro em relação aos direitos humanos, à democracia e à liberdade, etc., portanto, não existe nenhum país neste planeta que realmente tem mais merecimento do que os demais países. Na minha modéstia opinião, em vez de agir autoritariamente, a ONU está tentando promover um outro caminho político, mais pedagógico, de promover a paz e os direitos universais para a vida humana e a do planeta. Em vez de criar confronto desnecessário contra qualquer governo de qualquer nação e que provoca tensões e atritos políticos entre as nações, a entrada da Venezuela no Conselho de Direitos Humanos é uma chamada a responsabilidade e não foi por causa do seu crédito político nem o merecimento do seu líder.
Espero que os governos das nações aprendam mais a governar com o espírito mais humano, promovem mais a paz pela paz, sociabilizam cada vez mais os direitos humanos de modo mais justo e equilibrado.
_________&&&________
L. Betekeneng

sábado, 13 de outubro de 2012

QUESTÃO POLÍTICA

O Prêmio Nobel da Paz

“Não jogar ouro nem pérola na cara do porco”
Assim, um ditado popular bem antigo, porém sempre atual, no mundo oriental. A mensagem desse ditado é bem simples: o porco como todo porco não entende o que é ouro ou pérola nem o seu valor para a vida, como entende um ser racional, sentimental e vontade, humana e saudavelmente falando. Mas o que é isso tem a ver com a política? Ontem a noite (12/10-2012) assisti a notícia do jornal nacional da rede Globo de televisão, falando sobre o prêmio Nobel de paz concedido para a União Europeia. Para mim foi uma piada política, uma ironia sem tamanha. mas não só isso, foi uma clara demonstração de descrédito da política mundial em relação com o que é VERDADE política a ser preservada e o que é MENTIRA do sujeito político cavalgando a instituição qualquer para a autopromoção, premiando a quem quiser e como quiser. Se essa instituição, que concedeu o prêmio, fosse mais séria não teria feito o que fez. Mesmo que a atitude tenha a outra boa intenção por trás, o ato feito não traz o VERDADEIRO VALOR político da mesma atitude política, pois não corresponde com a realidade. A pergunta minha é essa: que tipo da PAZ que a política européia tem feito realmente para o resto do mundo em nome da PAZ? Qual continente que mais íncita e mais promove a matança humana e continua matando a vida dos inocentes no mundo até hoje? Os soldados de quais continentes que estão matando os inocentes em diversos cantos do mundo espalhando terror na vida das populações, camuflando-se com bandeira da paz, do direito, da justiça e da liberdade?
É bom lembrar que as personagens políticas tiranas e autoritárias que, infelizmente, ainda estão no poder em diversos continentes no mundo atual são, no passado, representantes da mentalidade política ocidental do expansionismo e colonizante.  Assim, o prêmio de Nobel dado a essa instituição, na minha modesta opinião, foi como “jogar ouro e/ou pérola na cara do porco”. Foi uma sutileza ironia política com uma certa  esperança de ver mais para frente se essa instituição consiga tomar consciência de que não há nenhuma necessidade de construir a PAZ, A JUSTIÇA. A LIBERDADE E O DIREITO pela violência das guerras. Nesse ponto de vista, o prêmio de Nobel concedido foi compreensível, mas sem crédito da VERDADE POLÍTICA que o mundo espera. Não pode e nem ninguém tem direito de transformar uma instituição política séria, que deveria ter o papel de se desempenhar sempre para promover e sociabilizar a VERDADE HUMANA de VIDA para o mundo mais humano, mais justo, mais solidário onda reina a Paz verdadeira, a JUSTIÇA solidária, o DIREITO sagrado humanizado e humano divinizado de todos para todos, em palco de palhaço para apresentar piada política apenas para provocar gargalhada silenciosa feito tampa da vergonha moral.
(L. Betekeneng)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

LÍDER E LIDERANÇA

“Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos” (Mc 9,35)!
Para você, os que estão governando no momento são realmente verdadeiros servidores ou simples chefes e gerentes camuflados de líder? Qual é a diferença entre chefe ou gerente e líder? Qual deveria ser a atitude de um verdadeiro líder, na opinião de Jesus de Nazaré?
O líder não é o mesmo que chefe ou gerente. O líder é aquele que demonstra a atitude de humildade feito o verdadeiro servo. O líder transformador deve ter capacidade de “EAT” (Exemplificador, Animador e Torcedor ou sustentador). O verdadeiro líder inspira a confiança e possibilita a “creatividade” na fidelidade dos membros. O contrário, imprime o medo e corrói talentos favorecendo a infidelidade. O líder maduro não teme pela novidade, pois poupa sua confiança na providência de Deus. Ele não determina e manda de cima, mas sempre dialoga com todos. A palavra final não é dele, mas o resultado do diálogo com todos, e o líder apenas certifica a voz da equipe. O líder convida e estimula a equipe e não comanda. Ele não é o mais importante do grupo, é um do grupo. Seu ofício é ser co-ordenador. Todos têm o seu papel indispensável na equipe. Qual tipo de líder você é? Como você está liderando você mesmo em relação com os outros e os demais? (L. Betekeneng)

segunda-feira, 30 de julho de 2012

CARIDADE CRISTÃ: COMPARTILHAR O BEM É COMPARTILHAR SOBREVIDA

(Jo 6,1-15)
O relato da multiplicação dos pães é uma releitura do Primeiro Testamento, do segundo livro dos Reis (2Rs 4,42-44). Esse relato do compartilhamento dos pães com os próximos foi uma literatura comum das primeiras comunidades cristãs como forma de recordar e resgatar o modo de vida sociocultural dos antepassados. Ao fazer essa releitura, o autor sacro quer dizer para os seus leitores que Jesus de Nazaré é o novo-Eliseu.
Ou seja, o profeta Eliseu foi o modelo básico (protótipo) do líder Jesus no tempo de renovação; assim, o ato de Jesus revela a continuidade da ação de caridade para resolver a necessidade imediata (dar de comer aos famintos). É bom lembrar que, conforme a tradição judaica, todo o líder de Israel tem sua responsabilidade de dar a atenção especial para com os necessitados: os órfãos e viúvas, os famintos e sedentos, os abandonados e estrangeiros. Esse ato é visto como a prática de justiça. Tanto é importante essa tradição que faz com que todos os quatros evangelistas relataram essa prática (Mc 6,32-44; Mt 14,13-21; Lc 9,10-17).
Esse relato de milagre da multiplicação dos pães pode ser comparado com o milagre de alimentação na Primeira Aliança de modo especial o milagre de maná no deserto quando o povo passava fome (cf. Nm 11,22; Ex 16,16ss). Os pães de Jesus são os pães escatológicos que servem, não só para cinco mil pessoas, mas para toda a humanidade. A prática de compartilhamento dos alimentos é, portanto, a vivência da justiça como garantia da paz e harmonia no mundo. O número 12 é símbolo, primeiramente, das doze tribos de Israel e, segundo representa a totalidade da humanidade, símbolo da perfeição, da plenitude. Assim, toda a humanidade é chamada à responsabilidade, à partilha de bens da vida.
Seguir Jesus não é o mérito, mas uma responsabilidade: ser, viver e agir como Cris foi, viveu e fez. Os bens do mundo são dádiva de Deus para toda a humanidade, portanto deve ser compartilhada para com todos e não para ser acumulado pelos poucos. A fome do mundo é denúncia do egoísmo, da ganância, do espírito consumista desenfreado.
Como está sendo a vida cristã? E os líderes cristãos, estão seguindo o ensinamento de Jesus na prática de compartilhar os bens? Dizemos que falta alimentos no mundo; o que falta é a partilha. Esse é o desafio para toda a humanidade em geral e os cristãos em especial.
A caridade cristã não só para resolver a necessidade imediata (assistencial e promocional), mas também do longo prazo, a caridade libertadora, isto é, fazer o próximo o protagonista de sua salvação, uma caridade que desenvolve a capacidade do próximo como sujeito ativo que produz a vida, o digno cooperador de Deus na contínua construção do mundo, transformando-o um pedaço do céu para todos onde reina a paz duradoura, a alegria no Espírito Santo e a justiça verdadeira para com todos. A caridade assistencial e promocional só criar o sujeito passivo, improdutivo, cria a mentalidade viciosa e mendicante.
_______&&&_______
Lukas Betekeneng

domingo, 24 de junho de 2012

VOCAÇÃO E MISSÃO:

Ser luz do mundo para iluminar as nações
(Is 49,1-6; At 13,22-26;Lc 1,57-66.80)

Cinco pontos nos chamam a atenção: a) o começo da vocação; b) a coerência entre o ser fontal e o agir; c) “dar” o nome; d) reconhecimento de si; e) papel da mulher no plano de Deus.
A. O começo do chamamento de Deus. O que é vocação? Quando começa e onde acontece a vocação humana e cristã? Quando Jesus diz: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12), ele não está falando nada de novo, pelo contrário, confirmando a consciência mística e espiritual da vida de fé do seu povo como “luz das nações” (Is 49,6). O povo de Israel, assim, segundo sua consciência de fé, é chamado para “ser” luz de Deus, cuja “missão”, para iluminar a vida de todas as nações em prol da plenificação do plano salvífico de Deus. Nesta perspectiva de missão, dizemos que a vocação de “ser” luz para todos os demais não é o mérito, mas, antes de tudo, é uma responsabilidade. Mas, o que é, afinal, a vocação e para que? Deus quer que toda a humanidade seja salva, mas necessita de nossa cooperação.
A palavra “vocação” é, etimologicamente, de origem latina “vocare” que quer dizer, ação de chamar (ou, o ato de chamar). O profeta Jeremias a define como “sedução irresistível” de Deus no coração do homem: “Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir” (cf. Jr 20,7). Vocação é, portanto, um chamamento de dentro para ser a partir de dentro (na entranha, no coração, na consciência): para ser alguém, isto é, ser gente apaixonado e apaixonante pelas coisas de Deus, seduzido e atraído por Deus e vive fazendo transparecer a face de Deus união, comunhão, relação e comunicação através do jeito de ser, de viver e agir efetivo e afetivo.
A vocação não acontece de dia para a noite, ela já começa desde o útero materno (cf. Is 49,1). Ou seja, desde que Deus nos criou à sua própria imagem e semelhança (cf. Gn 1,26-28) no paraíso uterino, depois insuflou o seu Espírito de vida em nós, naquele momento foi o momento da vocação. Deus não chama alguém por chamar. Ele chama para ser gente e enviá-lo à missão para realizar a sua obra salvadora.  (cf. Dt 5,2; Ex 3,7-10; 34,6; Eclo 2,11; Sl 116,3; Lc 4,18-19).
B. A coerência entre o ser fontal e o agir. Quem é o homem? De onde ele vem? Pelo relato do livro de Gênese da criação do ser humano à imagem e semelhança do Criador (cf. Gn 1,26-28), podemos afirmar que o homem é o Espírito de Deus em corpo humano operando no mundo. Ou, como diz o Apóstolo Paulo: o ser humano é, em Cristo Jesus, a “imagem visível de Deus invisível” (Cl 1,15). Dizer de outra forma: o Deus Criador é a origem essencial e o fim existencial do ser humano – e de toda a criação.
Tendo Deus como origem de sua essência, toda a sua ação existencial revelaria a qualidade originária – e originado – do seu “ser” fontal, pois como a árvore é reconhecida pelo fruto que produz, assim o homem é reconhecido pela sua ação (cf. Mt 7,15-19; Lc 6,43-45). Quem é de Deus, guarda o seu mandamento e pratica as boas obras que favorecem a vida, pois Deus não da morte, do desamor, da injustiça e da opressão, mas é o Deus da vida, do Amor, da Justiça, da Libertação e Salvação. O homem-Deus vive e age conforme a vontade de Deus (cf. At 13,22). O homem-Deus não pode viver fazendo outra coisa senão praticar bem segundo a vontade de Deus: exercitar o direito, praticar a justiça, promover a paz pela paz, conservar a liberdade e respeitar os diferentes, incultural a responsabilidade.
C. Dar o nome. O ato de “dar” o nome a algo ou alguém é, na compreensão cultural semítica dos judeus. Significa ter o “domínio” (principalmente no cuidado e na responsabilidade) sobre algo ou alguém. Desse ato de “dar” o nome sempre foi o homem, em uma cultura patriarcal. O que nos chama a atenção neste texto de Lucas, foi a mulher quem deu o nome ao filho, e o homem confirmou a palavra da mulher registrando-o legalmente e divulgando a pública (cf. Lc 1,60.63). Neste aspecto Lucas quer provocar uma mudança de comportamento social, uma mudança de paradigma na sociedade política social e religiosa, nova maneira de conceber a cultura, é uma pro-vocação para repensar a atitude, a mentalidade excludente e opressora.
A mudez de Zacarias é uma realidade simbólica adotada por Lucas para registrar a Boa Nova de Deus da justiça para resgatar o direito e a dignidade da Mulher. Assim, o homem e a mulher estão lado a lado, de fato e de direito como cooperadores no plano de Deus da salvação do mundo. Segundo a concepção religiosa da comunidade de Luca, diante de Deus não existe ninguém mais do que ninguém, todos são iguais, todos são irmãos e irmãs: “Esta, sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne”! (Gn 2,23).
D. Reconhecimento de si: um ato de humildade e maturidade. O que mais falta hoje em dia da nossa vida é a atitude de humildade e maturidade. Essa é a marca própria do evangelista Lucas. O espírito de humildade abre o caminho o convívio integral e respeitoso com todos e com tudo, é o sinal de maturidade e responsabilidade, é a via de acesso do conhecimento do outro como outro, aceitação de si como diferente, de Deus como Deus e do cosmos. O efeito da carência do espírito de humildade na vida de uma pessoa é a mentalidade de arrogância, a discriminação, o radicalismo, a infantilidade, a ignorância, o egoísmo e todos os tipos de injustiça e práticas de violência, simbólica e real.
E. Papel da mulher no plano de Deus. De todos os evangelistas, somente Lucas que fala mais com exclusividade sobre o papel da mulher, registrando sua atitude decisiva no plano de Deus da salvação. Dessa forma o Autor sacro quer passar para os seus ouvintes a compreensão do amor inclusivo de Deus, a idéia de uma nova sociedade a partir de Cristo Jesus: o homem e mulher como digno protagonista principal, de fato e de direito, tanto dentro da vida familiar, social, econômica, quanto na vida política, cultural e religiosa.
A discriminação da mulher e todo o tipo de injustiça e agressividade contra ela é sinal da violência contra o feminino de Deus na humanidade (cf. Mt 25,40). É o registro de uma fé insana e, portanto, doentia que não vale para ser vivida. E esse é o desafio monumental para o cristianismo. Se Jesus incluiu a mulher na sua vida e missão, não tem ninguém pode nem deve excluí-la de nenhum espaço de vida, nem na família, nem na política e muito menos na vida da Igreja. Não há razão, nem teológica nem bíblica para isso. A Boa nova de Deus trazida, vivida e testemunhada por Jesus de Nazaré é criar uma nova forma de convivência mais humana e mais crística, isto é, inclusiva, justa ética, moral, política e religiosamente.  
Conclusão
F. Liderança futura: a fé na política e a política da fé. O homem é um ser todo complexo: físico, psíquico, religioso, cultural, político, linguagem, técnico, sexuado, mundano, celestial, divertimento, etc.. Toda a ação humana, em qualquer campo de vida, sempre carregada de toda essa dimensão. Assim não tem como excluir a ação política da vida de fé e vice versa. A fé á a dimensão política do humano em contemplação; e o exercício político é o conteúdo de fé em ação, em socialização ou em inculturação.
Um líder do terceiro milênio deve fazer valer de modo equilibrado a dimensão política da vida de fé e a dimensão religiosa do exercício político. A ação política como fortalecimento da fé e o papel da fé ilumina e corrige os desvios (as manipulações) no fazer política. Um líder – em qualquer campo de ação – quando tem o equilíbrio, age sempre pensando na geração futura. O líder assim é “incapaz” de praticar qualquer a maldade contra o seu próximo (cf. Sl 15).
O líder com visão para o futuro é um líder responsável que sempre pensa no bem dos outros, sempre considera o outro como mais importante, reconhece seus limites: ”Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas, vede, depois de mim vem aquele do qual nem mereço desamarrar as sandálias” (At 13,25). Jesus representa nova geração, novo tempo, novo modo de ser, de viver e agir, nova visão sobre mundo, nova experiência de do amor de Deus. Essa atitude de humildade de João faz com Jesus retribui de forma exemplar quando diz: “Entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista” (Mt 11,11).
Como está indo a nossa liderança: na família, na sociedade em geral, na política, na vida religiosa e na Igreja? O encontro dos líderes mundiais do Rio+20 foi mais do “papulorum” e “papelorum” progresso do que “populorum progresso”. Foi uma perda de tempo. O resultado demonstra a incapacidade coletiva no comprometimento concreto de responsabilidade com a futura geração. A nova geração precisa de atitudes concretas e não de teorias, precisa de exemplificação e não de explicações ideológicas.
___________&&&___________ Lukas Betekeneng.

domingo, 17 de junho de 2012

REINO DE DEUS: UMA VIA DE MÃO DUPLA

(Mc 4,26-34)
É bom lembrar, desde já, que todos os textos bíblicos devem ser lidos, primeiramente, na ótica cultural judaica e semítica e não na ótica greco-romana, antes de fazer qualquer outra interpretação intelectualizada e adaptação cultural, pois se não fosse assim as mensagens originais do texto serão distorcidas e entendidas erroneamente. Depois desse trabalho de compreensão na fonte original que o texto pode ser trazido ao nosso contexto atual (à nossa cultura) em busca da mensagem de Deus para a nossa vida no aqui e agora. Na hermenêutica (ao fazer interpretação) do texto deve prestar muito atenção para não manipular a Palavra de Deus em benefício de qualquer estrutura do poder da autoridade, e, sim, somente para alimentar a vida humana e espiritual de toda a humanidade.
O “reino” de Deus é, antes de tudo, um termo todo político adotado pelos evangelistas como forma de exaltar o domínio do amor de Deus (visão teocêntrica) no mundo criado. É uma maneira de conscientizar os leitores sobre a ação salvífica de Deus na vida do planeta (cf. Sl 16,11; 18,30). Assim, o reino do homem e o “reino” de Deus são colocados lado a lado, com suas características e seus representantes, feito dois caminhos (ou, duas portas) de vida para ser examinado e escolhido (cf. Pr 14,12; Mt 7,13-14). O ser humano tem de usar suas capacidades – dadas por Deus desde o princípio – para tomar suas decisões todos os dias: qual caminho deve ser escolhido e trilhado, em quem deve acreditar, o que fazer e como fazer para poder sobreviver, etc..
O reino de Deus, na concepção da comunidade marqueana, é uma via de mão dupla: ação de Deus e re-ação dos homens. A chave dessa afirmação consiste na afirmação típica de o semeador espalhar suas sementes na terra (no coração do homem) e depois vai dormir e levantar sem saber o desenvolvimento e amadurecimento do plantio (vv.26-27). O termo “não saber” aqui significa a responsabilidade de cuidado do homem. Esse ato de cuidado que será avaliado nos fins dos tempos de vida existencial (v. 29). Ao ser criado à imagem e semelhança do Criador, o ser humano recebe a confiança de Deus do cuidado (v. 28) como cooperador na contínua criação de um mundo cada vez mais humano e mais irmão.
Mas, que tipo do reino de Deus que os evangelistas pretendem passar para os seus ouvintes? É bom saber que a credibilidade da instituição petarnalista está em baixa. A mentalidade patrilinear da convivência precisa ser renovada. O romantismo afetivo no relacionamento masculino-feminino está corrompido. Neste contexto, Jesus exige uma transformação interno, exige uma mudança de mentalidade, renovação de comportamento, exige, sobretudo, a conversão de vida, um voltar à fonte: a paternidade divina e a fraternidade humana. Esse é a concepção do reino da Deus proposto por Jesus de Nazaré, anunciado e testemunhado, com suor e sangue, pelos discípulos e apóstolos (cf. Mc 3,31-35; Mt 23,1-12; Lc 22,32; Jo 15,13-15). Assim, o reino de Deus não é outra coisa senão a justiça social, a paz verdadeira e a alegria profunda, derradeira e duradoura no Espírito Santo (cf. Rm 14,8). O reino de Deus não é posse nem privilégio e nem poder, mas é a condição (o estado) de vida no interior (coração) do homem e que se aflora e frutifique no convívio relacional da humanidade entre si (cf. Lc 17,21), com Deus e com cosmos.
Esse sinal do reino de Deus é muito pequeno feito grão de mostarda (v. 31), mas quando vivido de modo pleno, ele se tornará maior feita a árvore estrondosa capas de atrair, reunir e abrigar todos os viventes do quatro cantos do mundo em baixo de suas sombras (v. 32). Assim é o desejo de Deus, que os homens e mulheres consigam ser, viver e fazer do mundo um lar de irmãos tendo Deus o Pai-maternal e Mãe-paternal e Filial para toda a criação. E essa é o desafio de toda a humanidade, desafio de toda a vida cristã. Esse é o projeto de Deus para a nossa vida, hoje, nesse terceiro milênio.
_______&&&________
Lukas Betekeneng