domingo, 15 de abril de 2012

O ver e o ouvir: vias necessárias do enraizamento, crescimento e amadurecimento da fé

(Jo 20, 19-31)
Ouvimos em muitas homilias nas igrejas um tipo de ideias desatualizadas e interesseiras em relação a este texto. Dizem que Tomé (o Dídimo) é o símbolo do descrédito, ou o modelo de uma fé do tipo pragmático, instrumental, experimental. O autor revela que a fé que nasce e cresce a partir do ver e do ouvir tem, em fim, o mesmo valor e credibilidade. A fé que não tem raiz na realidade experiencial ou ela será “light” ou será fechada (ou intransigente). Assim, como Lucas, João também assinala o mesmo elemento do sentido humano do ver e ouvir como caminho místico e espiritual para o coração. A atitude de Tomé não representa, antes de tudo, a incredulidade. Pelo contrário, é de aviso profético para o cuidado da manipulação da realidade, cuidado do falso anúncio, da idealização e/ou politização dos fatos. O apóstolo Paulo de Tarso chegou a alertar o povo de Gálatas de tomar muito cuidado a esse respeito (cf. Gl 1, 6-10).  
A estrutura desse pequeno texto é tripartida: 1) a iniciativa de Jesus, isto quer dizer que, a aparição de Jesus não é o resultado do desejo ou fruto da busca dos discípulos; 2) o reconhecimento dos discípulos; 3) e, por fim, a inauguração do tempo da missão, ou tempo da Igreja enquanto povo convocado de Deus (tarefa de todos os batizados, homem e mulher). No discurso sobre o itinerário da fé, se percebe dois centros: a) a nova condição da realidade material de Jesus (o cristo da fé); b) a atitude dos discípulos (vv. 19-20).
A intenção do relato sobre a aparição de Jesus após a paixão e morte humilhante na cruz: a morte revela a impotência e inutilidade, o descrédito e a esterilidade do poder e autoridade religiosa e política. Além disso, a aparição é uma forma simbólica de declarar que a morte de Jesus não foi uma vitória do mal, muito pelo contrário, foi uma prova autêntica da vitória do Bem sobre o mal, a maior prova do amor diante do ódio (cf. Jo 15,13). O bem é como uma árvore que, quanto mais você pode mais ela se multiplica, se renova, se regenera. O relato sobre ressurreição e aparição é também para dizer, de modo profeticamente, de que tudo o que o homem discrimina, desvaloriza e joga para o chão, Deus resgata, valoriza e eleva para o alto céu. Essa é a consciência da fé mais elevada, a intuição profundamente mística e religiosa em relação a atitude do Deus-amor para com a obra de sua criação. É essa consciência que reacende a chama da esperança e confiança para a perseverança na luta pelo bem maior. Foi dessa convicção que faz com que Jesus tem declarado de forma parabolicamente quando diz: “Se o grão de trigo que cai no chão e não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos” (Jo 12,24). A morte de Jesus provocará a indignação na consciência de todos os homens e mulheres do bem. Foi essa convicção de fé que transforma o medo aprisionador em força e coragem renovadora de continuar lutando pela paz, justiça, liberdade e solidariedade, transformar a tristeza e desespero em alegria de perseverar sem medo rumo a Deus da vida e amor.
A missão dos discípulos, a partir de agora, é de anunciar a vitória do Bem sobre o mal, não através da força vingativa de pagar o mal com o mal, mas testemunha o bem espalhando a paz verdadeira, o perdão e reconciliação para transformar o mundo o verdadeiro lar de convivência solidária como irmãos e irmãs do mesmo pai que está no céu. A missão dos discípulos é de revelar o rosto compassivo, amoroso e misericordioso de Deus anunciado e testemunhado por Jesus de Nazaré através de suas palavras e seus afazeres. De fazer o “desejo” de Jesus da fraternidade global seu programa de vida e ação testemunhal, até os confins da terra, “quando Deus se torna tudo em todos” (1Cr 15,28).
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Lukas Betekeneng

domingo, 8 de abril de 2012

PAPEL DA MULHER NA COMUNIDADE NASCENTE: DESAFIO PERMANENTE PARA A IGREJA

(Mt 28,8-15)
A retórica cristã sobre a liberdade, a justiça e o direito do ser humano é muito impressionante. Mas a prática diária dessa teoria ainda está longe, mas muito distante da realidade, de modo especial quando se trata da prática dentro da vivência eclesial. A Igreja institucional parece mais como espaço de exclusão que inclusão. A base eclesial se torna, com isso, mais ideológica do que teológica. A discriminação de gênero, a negação do direito e a prática de injustiça contra mulher acontecem mais na Igreja do que fora dela.
A história nos mostra que na tradição pré-cristã, as mulheres são tratadas como gênero de segunda classe tanto na vida familiar, na religião quanto na política e na sociedade como um todo. Essa mentalidade excludente e discriminatória, todavia, se evoluindo com o passar do tempo, principalmente no espaço sociocultural onde as pessoas têm mais equilíbrio e maturidade tanto intelectual quanto moral e espiritual. A instrução saudável e equilibrada cria a mentalidade humana mais saudável, mais justa, mais madura humanamente e espiritual e religiosamente mais digna e mais santa.
Deus criou e colocou no mundo o homem e a mulher em condição de igualdade, de fato e de direito. Porém, essa realidade foi manipulada e rompida com as práticas política e religiosa de exclusão e discriminação pelas instituições sociais e familiares tanto quanto políticas e religiosas ao longo da história. A história nos mostra que antes do cristianismo, essa mentalidade primitiva de discriminação e exclusão contra mulher sempre foi desafiada, questionada e condenada, não tanto com as palavras, mas com atitudes e gestos concretos. E a Bíblia é o testemunho ocular disso. Assim, fica claro que qualquer instituição, por melhor que pareça, quanto cria alguma ideologia injusta e pratica a exclusão, a discriminação, a injustiça, a negação do direito e a privação da liberdade contra o ser humano-imagem e semelhança de Deus, essa instituição é maléfica, é insana, doentia, portanto, não é de Deus.
Essa realidade desafia, não só a instituição sociopolítica, mas principalmente religiosa e de modo particular, o desafio monumental para a instituição eclesial atual. A exclusão da mulher na Igreja (a proibição da mulher em relação do ofício ministerial eclesial) não tem mínimo fundamento bíblico nem teológico. É pura ideologia masculina de caráter clerical. Segundo os evangelistas, Jesus já aboliu essa mentalidade primitiva, contudo, essa cultura injusta ainda é mantida vivamente, até hoje, dentro da Igreja. Qual o motivo dessa prática, ninguém sabe explicar direito, e a questão está continuamente aberta para a reflexão e debates.
Quem tem consciência moral cultural e religiosa bem madura e saudável se sente tocado pela mensagem evangélica, principalmente neste tempo da Páscoa. Jesus lutou até à morte, e a morte na cruz para defender a causa dos excluídos, injustiçados e discriminados. E essa morte profética denuncia essa prática e anuncia a mudança radical da mentalidade. É urgente infundir no coração do homem a sanidade mental cultural e moral social e religiosa como garantia da sanidade física da humanidade.
Os evangelistas nos mostram que as mulheres têm seu papel decisivo na vida ministerial de Jesus de Nazaré e na vida das comunidades nascentes. Essa é a verdadeira Boa Nova. Se a Igreja faz a retórica do direito e da justiça sem acompanhado com a prática, ela mesma está dando descrédito da sua própria palavra. E se o anúncio eclesial sem nenhum crédito real, como consequência disso, a sua missão será desvalorizada, principalmente nesse mundo que estamos vivendo, onde as pessoas se tornam cada vez mais instruídas, mais críticas, mais maduras mais sensíveis em relação à justiça social, ao direito e dignidade de cada pessoa, à liberdade responsabilidade individual, etc.
Que o mistério pascal de Cristo transforma os corações dos cristãos de modo particular, e os da humanidade como um todo de pedra em carne. Que a Igreja cristã se sente tocada e chamada para a mudança radical de sua prática de vida, cada dia mais justa, mais digna e mais humana.
Feliz Páscoa a todos e todas!!!
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Lukas Betekeneng

sábado, 7 de abril de 2012

Ressuscitou, não está aqui: o ponto alto da fé cristã

(Gn 1,1 – 2,2; Gn 22, 1-2.9a. 10-13. 15-18; Ex 14,15 – 15,1; Rm 6, 3-11; Mc 16,1-7)

O que significa a ressurreição de Jesus para a história e qual a mensagem para a nossa vida cristã hoje? Para responder essa pergunta, precisamos fazer outra pergunta: quais os sinais da morte (morte potente e morte potencial) que temos vividos, consciente e/ou inconscientemente, no dia a dia de nossas vidas?
Historicamente, a páscoa lembra a saída do povo hebreu do Egito, isto é, a libertação dos judeus das mãos dos faraós e sua passagem pelo deserto, conduzidos pelo Moisés e Aarão, rumo a terra de Canaan. A páscoa dos cristãos associa, portanto, a esse fato histórico, dando-lhe, contudo, um novo sentido – teológico: a libertação do pecado por Jesus Cristo e a passagem (a ressurreição) da morte para a vida. Assim, a fé cristã se constitui nesse tripé: a paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré, o Cristo irmão misericordioso.
A Igreja do Brasil lançou um programa de reflexão pascal, neste ano de 2012, ligado à saúde pública. É muito oportuno fazer nossa reflexão ligando a ressurreição de Jesus com o tema da qualidade do serviço de saúde para todos. Como toda a nossa ação é a impressão do nosso ser interior, assim também, a nossa realidade de saúde física está ligada intimamente com a qualidade da nossa saúde mental, moral social e espiritual (cf. Mt 7,17-20; Lc 6,43-45). O nosso mundo continua pior porque nós, o ser humano-imagem e semelhança de Deus, não conseguimos nos tornar, até hoje, como humano saudável. A nossa animalidade parece que nos domina muito mais do que a consciência de nossa humanidade. O mundo parece como um mega zoológico do que o “jardim de Éden”. O ser humano além de destruir a natureza, também se destrói e destruir o próximo. O vilão do sofrimento na humanidade não vem, nem da natureza e muito menos de Deus, é do próprio ser humano. Toda a prática desumana do ser humano é um ato de negação de sua própria qualidade essencial criado por Deus desde o princípio.
Percebe-se que no relato da criação (Gn 1,1 – 2,2), o autor sacro usa quatro vezes o termo “Bom” para a criação das coisas o termo “muito bom” quando Deus cria o ser humano. O autor também fala que Abraão tem superado a tradição primitiva de sacrificar o homem em nome de Deus e de deuses (cf. Gn 22, 1-2.9a. 10-13. 15-18). No livro do Êxodo (cf. Ex 14,15 – 15,1), o autor fala que Deus questionou o pedido (a prece) de Moisés e exigiu-o a agir – em nome d’Ele, para salvar o povo de Israel. Enquanto que para o Apóstolo Paulo, os cristãos são todos batizados na morte e ressurreição de Jesus Cristo, isto é, pelo Batismo nos tornamos o “outro Cristo”. Ou seja, devemos ser, viver e agir como Cristo.
Nós, os cristãos, como seguidor de Jesus Cristo, estamos seguindo-o de perto com corpo e alma ou só da boca para fora? Pela realidade que estamos vivendo podemos dizer estamos seguindo Jesus ainda só com a boca enquanto que o nosso coração está bem longe dele. Deveríamos fundar a saúde, primeiramente não no chão do mundo, mas no coração da vida do próprio ser humano. Somente assim que o mundo se torna saudável.
Qual, então, a mensagem da Páscoa para a nossa vida hoje? A ressurreição de Jesus não significa, primeiramente, o triunfo do corpo morto saindo do túmulo e voando para o céu. A mensagem da cultura bíblica do povo oriental e, especialmente, judaica é para dizer que o Bem permanece como foi e, assim, será sempre. O mal não desaparece no mundo, mas também é incapaz de vencer o bem. A Páscoa hoje nos convida a salubrificar o nosso comportamento doentio, sanar a nossa insanidade mental e moral social e espiritual. A morte de Jesus nos chama a superar as forças do mal em nós: todos os sinais da morte potente e morte potencial como, discriminação, a violência simbólica e física contra mulher, a injustiça social, a negação do direito, a privação da liberdade, a promoção das guerras camuflada com bandeira da paz mundial e do direito humano, todos os tipos de intrigas e as formas de violência contra a vida, própria e a dos demais. Somente assim, o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição pode significar para nós cristãos: sair do “mundo mortal” e passar para a vida em plenitude. A ressurreição de Jesus é também nossa, e que deve acontecer todo o dia.
Que a luz do Ressuscitado nos torna cada vez mais cristão, mais humano, mais solidário e mais salvífico.
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Lukas Betekeneng