(Jo 7,37-39)
Pentecostes é uma celebração, simbólica e historicamente, ligada à festa judaica de colheita (festa agrícola dos Ázimos – cf. Êx 23,14-117; 18-23), que comemora a entrega do Decálogo (Dez Palavras da Lei) no monte Sinai, cinquenta dias após o Êxodo do Egito rumo a terra de Canaã. É uma festa da passagem da vida de escravidão à libertação, uma atitude de Deus de resgatar (Go’El) sua própria imagem e semelhança profanadas pelos homens de mentalidade insalubre, insensíveis e ignorantes. Baseada nessa festa que os cristãos (cf. At 2,1-11) celebram o Pentecostes (a decida do Espírito Santo), cinquenta dias depois da Ressurreição (ou dez dias após a ascensão). É bom lembrar que o Natal, a Páscoa e Pentecostes são o tripé da vida de fé cristã.
O que significa o Pentecostes para a nossa vida hoje? Segundo a fé dos discípulos e seguidores, com e em Jesus de Nazaré que se inicia o recomeço da nova humanidade; para eles o novo céu, a nova terra e a nova humanidade, todos são recriados em Jesus, com Jesus e através de Jesus, o Cristo de Deus operando no nosso meio. A morte de Jesus poria o fim de todo o tipo de violência contra vida, de todas as formas de colonização, de discriminação, de guerras entre nações, religiões e etnias. O mundo dos sonhos (a harmonia, a justiça, a liberdade e solidariedade salvífica, etc.) teria começado na vida da humanidade, a paz teria vingado suas raízes no coração dos homens e mulheres em todas as gerações e o planeta Terra tornaria, em fim, um lar de irmão onde todos convivem e correlacionam harmoniosamente.
Dizemos de outra maneira, com o assassinato de Jesus de Nazaré, o seu espírito de fraternidade e solidariedade que se imprime na luta incansável pela liberdade, pelo direito e dignidade, pela justiça e solidariedade e pela convivência respeitosa teria contagiado o comportamento de todos os homens e mulheres, transformando, assim, em humanidade nova e renovada, isto é, mais humana, mais responsável e cuidadosa, portanto, mais sensível, solidária e salvífica. O testemunho dos discípulos e seguidores de Jesus sobre o desejo afetuoso de Deus teria força suficiente capaz de conscientizar toda a humanidade, de sensibilizar e reeducar a mentalidade, a sensibilidade e a vontade das gerações humanas de todos os tempos e lugares. Mas, se olharmos para a realidade em que estamos vivendo neste pleno século XXI, parece que a morte de Jesus e o testemunho de seus discípulos e seguidores sobre o sonho do amor fraterno de Deus que Ele tinha anunciado e vivido a ponto de se entregar sua própria vida por nós, tudo isso foi em vão.
Como exemplo disso, em todo o canto do mundo ainda flagra-se as escaladas guerras de grandes proporções, promovidas pelos países ocidentais (Estados Unidos das Américas e diversos países da Europa), baseada nas falsas teses de perigo de armas químicas e biológicas. Na realidade as guerras foram motivadas pelos comportamentos desenfreados e doentios de colonialismo e imperialismo de certos líderes políticos que, infelizmente, ainda são dominados pelo espírito de selvageria da primitividade e monstruosidade animálica. Não resta dúvida de que o que está por trás de todas as guerras é o interesse econômico (a prática de manipulação e corrupção “legalizada” politicamente, caprichada através da criação dos sistemas injustos e aplicados nas relações comerciais entre nações).
A prática de guerras como forma de fazer política no mundo revela, sem dúvida, a salubridade do estado psicológico do ser humano, da qualidade da intelectualidade, revela, sobretudo, a fragilidade mental e moral cultural, social, psicoemocional e espiritual dos próprios homens e mulheres, equipados com três principais forças norteadoras de ações (racionalidade, sensibilidade e vontade). Todas as formas de violência contra o próximo são a demonstração do espírito da animalidade de dominação (práticas de brutalidade contra pessoas e natureza, de desrespeito, de intolerância, de falta de sensibilidade, falta de educação mental psicoemocional e espiritualmente mais humana saudável) próprio no mundo dos animais que vivem movidos e guiados pelo instinto, como forma de impor a própria vontade, em vez de promover o verdadeiro diálogo, solidariedade e mútuo respeito e entre as diferenças.
Não tem como entender o ser humano que possui a força da razão, a energia corânica da afetividade e a vontade de ações bem formadas e treinadas, mas que vive como e faz se tivesse guiado pelo instinto animálico de sobrevivência que pratica as violências como forma única para garantir sua existência no mundo. As guerras, as violências: físicas, psicológicas e morais cultural, espiritual e religiosa, o espírito de consumo desenfreado que leva as pessoas a praticar a corrupção, a injustiça social, a negação dos direitos, a privação da liberdade, o desrespeito, a intolerância, as discriminações são as provas de que o ser humano ainda é impotente, inabitado e incapaz de se tornar humano saudável tanto para consigo e com o próximo quanto para com cosmos e com Deus que o criou à sua imagem e semelhança. A humanidade do terceiro milênio, apesar de alto índice do desenvolvimento de sua capacidade científica e tecnológica, ainda continua dominada pela “mentalidade babélica da primitividade” (cf. Gn 11,1-9).
Não dá para entender o mesmo ser humano que, ao mesmo tempo, prega a paz e promove a guerra; que fala de justiça e pratica a corrupção; que sugere o respeito, mas nega e priva o direito e a liberdade dos outros; que pede a graça do amor protetor e paz de Deus dos homens e mulheres da humanidade, mas por outro lado, viva espalhando terror e desgraças contra homens e mulheres-imagens e semelhança desse mesmo Deus; que fala de amor e pratica o desamor; que deseja a felicidade e união comunial e, ao mesmo tempo, provoca a desagregação e pratica o egoismo. A força da religião, em vez de libertar e humanizar o ser humano o escraviza e desumaniza, utilizada com instrumento para destruir a vida de Deus no mundo, principalmente a Vida que está presente nos homens e mulheres da humanidade. Esses são os desafios concretos para os homens e mulheres de fé em geral e dos cristãos em especial.
O desejo de Deus da fraternidade e da paz, da justiça e solidariedade na vida dos homens e mulheres só é possível se a própria humanidade retoma a consciência de si e aceita sua natureza criatural como imagem e semelhança do Criador-Deus, como co-labor-a-dor do Divino, como Espírito celestial em corpo humano no mundo.
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Lukas Betekeneng