domingo, 24 de junho de 2012

VOCAÇÃO E MISSÃO:

Ser luz do mundo para iluminar as nações
(Is 49,1-6; At 13,22-26;Lc 1,57-66.80)

Cinco pontos nos chamam a atenção: a) o começo da vocação; b) a coerência entre o ser fontal e o agir; c) “dar” o nome; d) reconhecimento de si; e) papel da mulher no plano de Deus.
A. O começo do chamamento de Deus. O que é vocação? Quando começa e onde acontece a vocação humana e cristã? Quando Jesus diz: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12), ele não está falando nada de novo, pelo contrário, confirmando a consciência mística e espiritual da vida de fé do seu povo como “luz das nações” (Is 49,6). O povo de Israel, assim, segundo sua consciência de fé, é chamado para “ser” luz de Deus, cuja “missão”, para iluminar a vida de todas as nações em prol da plenificação do plano salvífico de Deus. Nesta perspectiva de missão, dizemos que a vocação de “ser” luz para todos os demais não é o mérito, mas, antes de tudo, é uma responsabilidade. Mas, o que é, afinal, a vocação e para que? Deus quer que toda a humanidade seja salva, mas necessita de nossa cooperação.
A palavra “vocação” é, etimologicamente, de origem latina “vocare” que quer dizer, ação de chamar (ou, o ato de chamar). O profeta Jeremias a define como “sedução irresistível” de Deus no coração do homem: “Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir” (cf. Jr 20,7). Vocação é, portanto, um chamamento de dentro para ser a partir de dentro (na entranha, no coração, na consciência): para ser alguém, isto é, ser gente apaixonado e apaixonante pelas coisas de Deus, seduzido e atraído por Deus e vive fazendo transparecer a face de Deus união, comunhão, relação e comunicação através do jeito de ser, de viver e agir efetivo e afetivo.
A vocação não acontece de dia para a noite, ela já começa desde o útero materno (cf. Is 49,1). Ou seja, desde que Deus nos criou à sua própria imagem e semelhança (cf. Gn 1,26-28) no paraíso uterino, depois insuflou o seu Espírito de vida em nós, naquele momento foi o momento da vocação. Deus não chama alguém por chamar. Ele chama para ser gente e enviá-lo à missão para realizar a sua obra salvadora.  (cf. Dt 5,2; Ex 3,7-10; 34,6; Eclo 2,11; Sl 116,3; Lc 4,18-19).
B. A coerência entre o ser fontal e o agir. Quem é o homem? De onde ele vem? Pelo relato do livro de Gênese da criação do ser humano à imagem e semelhança do Criador (cf. Gn 1,26-28), podemos afirmar que o homem é o Espírito de Deus em corpo humano operando no mundo. Ou, como diz o Apóstolo Paulo: o ser humano é, em Cristo Jesus, a “imagem visível de Deus invisível” (Cl 1,15). Dizer de outra forma: o Deus Criador é a origem essencial e o fim existencial do ser humano – e de toda a criação.
Tendo Deus como origem de sua essência, toda a sua ação existencial revelaria a qualidade originária – e originado – do seu “ser” fontal, pois como a árvore é reconhecida pelo fruto que produz, assim o homem é reconhecido pela sua ação (cf. Mt 7,15-19; Lc 6,43-45). Quem é de Deus, guarda o seu mandamento e pratica as boas obras que favorecem a vida, pois Deus não da morte, do desamor, da injustiça e da opressão, mas é o Deus da vida, do Amor, da Justiça, da Libertação e Salvação. O homem-Deus vive e age conforme a vontade de Deus (cf. At 13,22). O homem-Deus não pode viver fazendo outra coisa senão praticar bem segundo a vontade de Deus: exercitar o direito, praticar a justiça, promover a paz pela paz, conservar a liberdade e respeitar os diferentes, incultural a responsabilidade.
C. Dar o nome. O ato de “dar” o nome a algo ou alguém é, na compreensão cultural semítica dos judeus. Significa ter o “domínio” (principalmente no cuidado e na responsabilidade) sobre algo ou alguém. Desse ato de “dar” o nome sempre foi o homem, em uma cultura patriarcal. O que nos chama a atenção neste texto de Lucas, foi a mulher quem deu o nome ao filho, e o homem confirmou a palavra da mulher registrando-o legalmente e divulgando a pública (cf. Lc 1,60.63). Neste aspecto Lucas quer provocar uma mudança de comportamento social, uma mudança de paradigma na sociedade política social e religiosa, nova maneira de conceber a cultura, é uma pro-vocação para repensar a atitude, a mentalidade excludente e opressora.
A mudez de Zacarias é uma realidade simbólica adotada por Lucas para registrar a Boa Nova de Deus da justiça para resgatar o direito e a dignidade da Mulher. Assim, o homem e a mulher estão lado a lado, de fato e de direito como cooperadores no plano de Deus da salvação do mundo. Segundo a concepção religiosa da comunidade de Luca, diante de Deus não existe ninguém mais do que ninguém, todos são iguais, todos são irmãos e irmãs: “Esta, sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne”! (Gn 2,23).
D. Reconhecimento de si: um ato de humildade e maturidade. O que mais falta hoje em dia da nossa vida é a atitude de humildade e maturidade. Essa é a marca própria do evangelista Lucas. O espírito de humildade abre o caminho o convívio integral e respeitoso com todos e com tudo, é o sinal de maturidade e responsabilidade, é a via de acesso do conhecimento do outro como outro, aceitação de si como diferente, de Deus como Deus e do cosmos. O efeito da carência do espírito de humildade na vida de uma pessoa é a mentalidade de arrogância, a discriminação, o radicalismo, a infantilidade, a ignorância, o egoísmo e todos os tipos de injustiça e práticas de violência, simbólica e real.
E. Papel da mulher no plano de Deus. De todos os evangelistas, somente Lucas que fala mais com exclusividade sobre o papel da mulher, registrando sua atitude decisiva no plano de Deus da salvação. Dessa forma o Autor sacro quer passar para os seus ouvintes a compreensão do amor inclusivo de Deus, a idéia de uma nova sociedade a partir de Cristo Jesus: o homem e mulher como digno protagonista principal, de fato e de direito, tanto dentro da vida familiar, social, econômica, quanto na vida política, cultural e religiosa.
A discriminação da mulher e todo o tipo de injustiça e agressividade contra ela é sinal da violência contra o feminino de Deus na humanidade (cf. Mt 25,40). É o registro de uma fé insana e, portanto, doentia que não vale para ser vivida. E esse é o desafio monumental para o cristianismo. Se Jesus incluiu a mulher na sua vida e missão, não tem ninguém pode nem deve excluí-la de nenhum espaço de vida, nem na família, nem na política e muito menos na vida da Igreja. Não há razão, nem teológica nem bíblica para isso. A Boa nova de Deus trazida, vivida e testemunhada por Jesus de Nazaré é criar uma nova forma de convivência mais humana e mais crística, isto é, inclusiva, justa ética, moral, política e religiosamente.  
Conclusão
F. Liderança futura: a fé na política e a política da fé. O homem é um ser todo complexo: físico, psíquico, religioso, cultural, político, linguagem, técnico, sexuado, mundano, celestial, divertimento, etc.. Toda a ação humana, em qualquer campo de vida, sempre carregada de toda essa dimensão. Assim não tem como excluir a ação política da vida de fé e vice versa. A fé á a dimensão política do humano em contemplação; e o exercício político é o conteúdo de fé em ação, em socialização ou em inculturação.
Um líder do terceiro milênio deve fazer valer de modo equilibrado a dimensão política da vida de fé e a dimensão religiosa do exercício político. A ação política como fortalecimento da fé e o papel da fé ilumina e corrige os desvios (as manipulações) no fazer política. Um líder – em qualquer campo de ação – quando tem o equilíbrio, age sempre pensando na geração futura. O líder assim é “incapaz” de praticar qualquer a maldade contra o seu próximo (cf. Sl 15).
O líder com visão para o futuro é um líder responsável que sempre pensa no bem dos outros, sempre considera o outro como mais importante, reconhece seus limites: ”Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas, vede, depois de mim vem aquele do qual nem mereço desamarrar as sandálias” (At 13,25). Jesus representa nova geração, novo tempo, novo modo de ser, de viver e agir, nova visão sobre mundo, nova experiência de do amor de Deus. Essa atitude de humildade de João faz com Jesus retribui de forma exemplar quando diz: “Entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista” (Mt 11,11).
Como está indo a nossa liderança: na família, na sociedade em geral, na política, na vida religiosa e na Igreja? O encontro dos líderes mundiais do Rio+20 foi mais do “papulorum” e “papelorum” progresso do que “populorum progresso”. Foi uma perda de tempo. O resultado demonstra a incapacidade coletiva no comprometimento concreto de responsabilidade com a futura geração. A nova geração precisa de atitudes concretas e não de teorias, precisa de exemplificação e não de explicações ideológicas.
___________&&&___________ Lukas Betekeneng.

domingo, 17 de junho de 2012

REINO DE DEUS: UMA VIA DE MÃO DUPLA

(Mc 4,26-34)
É bom lembrar, desde já, que todos os textos bíblicos devem ser lidos, primeiramente, na ótica cultural judaica e semítica e não na ótica greco-romana, antes de fazer qualquer outra interpretação intelectualizada e adaptação cultural, pois se não fosse assim as mensagens originais do texto serão distorcidas e entendidas erroneamente. Depois desse trabalho de compreensão na fonte original que o texto pode ser trazido ao nosso contexto atual (à nossa cultura) em busca da mensagem de Deus para a nossa vida no aqui e agora. Na hermenêutica (ao fazer interpretação) do texto deve prestar muito atenção para não manipular a Palavra de Deus em benefício de qualquer estrutura do poder da autoridade, e, sim, somente para alimentar a vida humana e espiritual de toda a humanidade.
O “reino” de Deus é, antes de tudo, um termo todo político adotado pelos evangelistas como forma de exaltar o domínio do amor de Deus (visão teocêntrica) no mundo criado. É uma maneira de conscientizar os leitores sobre a ação salvífica de Deus na vida do planeta (cf. Sl 16,11; 18,30). Assim, o reino do homem e o “reino” de Deus são colocados lado a lado, com suas características e seus representantes, feito dois caminhos (ou, duas portas) de vida para ser examinado e escolhido (cf. Pr 14,12; Mt 7,13-14). O ser humano tem de usar suas capacidades – dadas por Deus desde o princípio – para tomar suas decisões todos os dias: qual caminho deve ser escolhido e trilhado, em quem deve acreditar, o que fazer e como fazer para poder sobreviver, etc..
O reino de Deus, na concepção da comunidade marqueana, é uma via de mão dupla: ação de Deus e re-ação dos homens. A chave dessa afirmação consiste na afirmação típica de o semeador espalhar suas sementes na terra (no coração do homem) e depois vai dormir e levantar sem saber o desenvolvimento e amadurecimento do plantio (vv.26-27). O termo “não saber” aqui significa a responsabilidade de cuidado do homem. Esse ato de cuidado que será avaliado nos fins dos tempos de vida existencial (v. 29). Ao ser criado à imagem e semelhança do Criador, o ser humano recebe a confiança de Deus do cuidado (v. 28) como cooperador na contínua criação de um mundo cada vez mais humano e mais irmão.
Mas, que tipo do reino de Deus que os evangelistas pretendem passar para os seus ouvintes? É bom saber que a credibilidade da instituição petarnalista está em baixa. A mentalidade patrilinear da convivência precisa ser renovada. O romantismo afetivo no relacionamento masculino-feminino está corrompido. Neste contexto, Jesus exige uma transformação interno, exige uma mudança de mentalidade, renovação de comportamento, exige, sobretudo, a conversão de vida, um voltar à fonte: a paternidade divina e a fraternidade humana. Esse é a concepção do reino da Deus proposto por Jesus de Nazaré, anunciado e testemunhado, com suor e sangue, pelos discípulos e apóstolos (cf. Mc 3,31-35; Mt 23,1-12; Lc 22,32; Jo 15,13-15). Assim, o reino de Deus não é outra coisa senão a justiça social, a paz verdadeira e a alegria profunda, derradeira e duradoura no Espírito Santo (cf. Rm 14,8). O reino de Deus não é posse nem privilégio e nem poder, mas é a condição (o estado) de vida no interior (coração) do homem e que se aflora e frutifique no convívio relacional da humanidade entre si (cf. Lc 17,21), com Deus e com cosmos.
Esse sinal do reino de Deus é muito pequeno feito grão de mostarda (v. 31), mas quando vivido de modo pleno, ele se tornará maior feita a árvore estrondosa capas de atrair, reunir e abrigar todos os viventes do quatro cantos do mundo em baixo de suas sombras (v. 32). Assim é o desejo de Deus, que os homens e mulheres consigam ser, viver e fazer do mundo um lar de irmãos tendo Deus o Pai-maternal e Mãe-paternal e Filial para toda a criação. E essa é o desafio de toda a humanidade, desafio de toda a vida cristã. Esse é o projeto de Deus para a nossa vida, hoje, nesse terceiro milênio.
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Lukas Betekeneng

sábado, 2 de junho de 2012

DESEJO JESUÂNICO DE FRATERNIDADE UNIVERSAL

(Mt 28,16-20)

Jesus de Nazaré não foi nem era cristão! Ele foi batizado com o batismo de João no rio Jordão, isso significa que, ele aderiu-se, até em certo ponto, ao movimento do Batista, mas não prosseguiu o modo de ser, viver e agir do Batista. Tanto é verdade que ele não repetiu (a forma) do batismo de João - de molhar a cabeça (até os pés?), mas modificou-a e criou sua própria forma diferente de batizar – de lavar apenas os pés[1] dos seus discípulos (cf. Jo 13,1-16) e pediu para que eles façam o mesmo uns para com os outros. Jesus também não tinha intenção de mudar o fundamento espiritual e religioso do seu povo. Ele queria, todavia, a renovação da convicção espiritual e religiosa, tanto quanto, sociopolítica e cultural, ele queria a transformação da mentalidade, ele queria, sobretudo, voltar à origem para reembeber na fonte salutar a água pura da vida (cf. 18,3; Jo 3,3).
Jesus já morreu, sua presença física já não existe mais (simbolizado pela imagem cultural oriental e semítica do túmulo vazio) no meio dos seus seguidores, mas seu espírito continua vivo, agindo nos seus corações, suas palavras e seus exemplos continuam sendo a principal força norteadora para a vida e ações dos discípulos e seguidores. Jesus de Mateus – nesse texto – não pediu o reconhecimento dos discípulos, mas exigiu a escuta de suas palavras e continua divulgando a Boa Nova de Deus para todos os povos (v.19). Assim, se deve entender o sentido teológico-cultual da ressurreição: o corpo foi morto e agora se descansou em paz, mas o espírito está vivo agitando a alma de todos aqueles que o acolheram e acreditaram na sua proposta: a transformação de vida a partir de dentro. Os atos e ditos de Jesus (suas palavras e práticas) contagiaram o meu espírito, reacenderam a chama do meu ânimo, do meu entusiasmo e da minha esperança para continuar lutando pela mudança, pela renovação do espírito de vida mais humana, mais solidária, mais libertadora. Ou, como a expressão lapidar de São Paulo de tarso: “Já não sou eu que vivo, mas o Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
Observa que a atenção dos discípulos a partir de agora não mais direcionada para o túmulo vazio, mas voltou à Galileia, isso significa voltar à origem onde tudo começou. É esse ponto que o autor da comunidade-Igreja mateana construiu o centro de seu interesse na seção pascal, com o acento na escuta da Palavra-Vida do Guru. Jesus salvou seu IDEAL DE VIDA[2] com a entrega de sua própria vida pela vida de toda a humanidade: “comunhão, comunicação e relação fraterna (A PATERNIDADE DIVINA E FRATERNIDADE HUMANA) de todos os povos (unidade na pluralidade) onde se estabelece a relação pericorética e hologramática, recursiva e dialógica” (cf. Gn 1,26-27; 2,7.21; Jo 10,5.30; 15,4; 10,7-8; Mt 15,21-28; Is 55,8).  É sob a luz e a força desse ideal de vida que os discípulos e seguidores devem anunciar a todos os povos. Esse é a Boa nova que deve ser testemunhada, não somente com as palavras, mas principalmente com a prática de vida. Somente assim que a humanidade capaz de sair de uma mentalidade política, cultural, espiritual e religiosa opressora, discriminatória, manipuladora, escravatória e paralisante. A fraternidade de toda a humanidade aqui na terra é, portanto, a antecipação efetiva e afetiva da comunhão plena e eterna quando Deus Trindade se torna tudo em todos (cf. 1Cr 15,28).
Essa é a missão – e ao mesmo tempo o desafio – da Igreja de encarnar a compreensão da ressurreição na história de vida, neste mundo. A Igreja não estar sozinha nessa missão, mas será acompanhada por Jesus (pelo seu espírito de relutância e guiada pela força de sua Palavra e seu Exemplo) todos os dias até o fim do mundo (v.20).
_______&&&_______ Lukas Betekeneng


[1] Há diversos sentidos simbólicos do ato de lavar os pés (e cabeça) no mundo oriental em geral e semitismo especialmente, entre eles, o sinal de equilíbrio, de integridade, de humildade, de reconhecimento da origem existencial, de igualdade e relatividade, etc.
[2] Esse ideal de Jesus foi e será sempre a maior utopia do seu anúncio evangélico de Deus Criador: “A paternidade de Deus e a fraternidade humana” (cf. Mt 23,8-10; Jo 15,13.15)..