Ser luz do mundo para iluminar as nações
(Is 49,1-6; At 13,22-26;Lc 1,57-66.80)
Cinco pontos nos chamam a atenção: a) o começo da vocação; b) a coerência entre o ser fontal e o agir; c) “dar” o nome; d) reconhecimento de si; e) papel da mulher no plano de Deus.
A. O começo do chamamento de Deus. O que é vocação? Quando começa e onde acontece a vocação humana e cristã? Quando Jesus diz: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12), ele não está falando nada de novo, pelo contrário, confirmando a consciência mística e espiritual da vida de fé do seu povo como “luz das nações” (Is 49,6). O povo de Israel, assim, segundo sua consciência de fé, é chamado para “ser” luz de Deus, cuja “missão”, para iluminar a vida de todas as nações em prol da plenificação do plano salvífico de Deus. Nesta perspectiva de missão, dizemos que a vocação de “ser” luz para todos os demais não é o mérito, mas, antes de tudo, é uma responsabilidade. Mas, o que é, afinal, a vocação e para que? Deus quer que toda a humanidade seja salva, mas necessita de nossa cooperação.
A palavra “vocação” é, etimologicamente, de origem latina “vocare” que quer dizer, ação de chamar (ou, o ato de chamar). O profeta Jeremias a define como “sedução irresistível” de Deus no coração do homem: “Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir” (cf. Jr 20,7). Vocação é, portanto, um chamamento de dentro para ser a partir de dentro (na entranha, no coração, na consciência): para ser alguém, isto é, ser gente apaixonado e apaixonante pelas coisas de Deus, seduzido e atraído por Deus e vive fazendo transparecer a face de Deus união, comunhão, relação e comunicação através do jeito de ser, de viver e agir efetivo e afetivo.
A vocação não acontece de dia para a noite, ela já começa desde o útero materno (cf. Is 49,1). Ou seja, desde que Deus nos criou à sua própria imagem e semelhança (cf. Gn 1,26-28) no paraíso uterino, depois insuflou o seu Espírito de vida em nós, naquele momento foi o momento da vocação. Deus não chama alguém por chamar. Ele chama para ser gente e enviá-lo à missão para realizar a sua obra salvadora. (cf. Dt 5,2; Ex 3,7-10; 34,6; Eclo 2,11; Sl 116,3; Lc 4,18-19).
B. A coerência entre o ser fontal e o agir. Quem é o homem? De onde ele vem? Pelo relato do livro de Gênese da criação do ser humano à imagem e semelhança do Criador (cf. Gn 1,26-28), podemos afirmar que o homem é o Espírito de Deus em corpo humano operando no mundo. Ou, como diz o Apóstolo Paulo: o ser humano é, em Cristo Jesus, a “imagem visível de Deus invisível” (Cl 1,15). Dizer de outra forma: o Deus Criador é a origem essencial e o fim existencial do ser humano – e de toda a criação.
Tendo Deus como origem de sua essência, toda a sua ação existencial revelaria a qualidade originária – e originado – do seu “ser” fontal, pois como a árvore é reconhecida pelo fruto que produz, assim o homem é reconhecido pela sua ação (cf. Mt 7,15-19; Lc 6,43-45). Quem é de Deus, guarda o seu mandamento e pratica as boas obras que favorecem a vida, pois Deus não da morte, do desamor, da injustiça e da opressão, mas é o Deus da vida, do Amor, da Justiça, da Libertação e Salvação. O homem-Deus vive e age conforme a vontade de Deus (cf. At 13,22). O homem-Deus não pode viver fazendo outra coisa senão praticar bem segundo a vontade de Deus: exercitar o direito, praticar a justiça, promover a paz pela paz, conservar a liberdade e respeitar os diferentes, incultural a responsabilidade.
C. Dar o nome. O ato de “dar” o nome a algo ou alguém é, na compreensão cultural semítica dos judeus. Significa ter o “domínio” (principalmente no cuidado e na responsabilidade) sobre algo ou alguém. Desse ato de “dar” o nome sempre foi o homem, em uma cultura patriarcal. O que nos chama a atenção neste texto de Lucas, foi a mulher quem deu o nome ao filho, e o homem confirmou a palavra da mulher registrando-o legalmente e divulgando a pública (cf. Lc 1,60.63). Neste aspecto Lucas quer provocar uma mudança de comportamento social, uma mudança de paradigma na sociedade política social e religiosa, nova maneira de conceber a cultura, é uma pro-vocação para repensar a atitude, a mentalidade excludente e opressora.
A mudez de Zacarias é uma realidade simbólica adotada por Lucas para registrar a Boa Nova de Deus da justiça para resgatar o direito e a dignidade da Mulher. Assim, o homem e a mulher estão lado a lado, de fato e de direito como cooperadores no plano de Deus da salvação do mundo. Segundo a concepção religiosa da comunidade de Luca, diante de Deus não existe ninguém mais do que ninguém, todos são iguais, todos são irmãos e irmãs: “Esta, sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne”! (Gn 2,23).
D. Reconhecimento de si: um ato de humildade e maturidade. O que mais falta hoje em dia da nossa vida é a atitude de humildade e maturidade. Essa é a marca própria do evangelista Lucas. O espírito de humildade abre o caminho o convívio integral e respeitoso com todos e com tudo, é o sinal de maturidade e responsabilidade, é a via de acesso do conhecimento do outro como outro, aceitação de si como diferente, de Deus como Deus e do cosmos. O efeito da carência do espírito de humildade na vida de uma pessoa é a mentalidade de arrogância, a discriminação, o radicalismo, a infantilidade, a ignorância, o egoísmo e todos os tipos de injustiça e práticas de violência, simbólica e real.
E. Papel da mulher no plano de Deus. De todos os evangelistas, somente Lucas que fala mais com exclusividade sobre o papel da mulher, registrando sua atitude decisiva no plano de Deus da salvação. Dessa forma o Autor sacro quer passar para os seus ouvintes a compreensão do amor inclusivo de Deus, a idéia de uma nova sociedade a partir de Cristo Jesus: o homem e mulher como digno protagonista principal, de fato e de direito, tanto dentro da vida familiar, social, econômica, quanto na vida política, cultural e religiosa.
A discriminação da mulher e todo o tipo de injustiça e agressividade contra ela é sinal da violência contra o feminino de Deus na humanidade (cf. Mt 25,40). É o registro de uma fé insana e, portanto, doentia que não vale para ser vivida. E esse é o desafio monumental para o cristianismo. Se Jesus incluiu a mulher na sua vida e missão, não tem ninguém pode nem deve excluí-la de nenhum espaço de vida, nem na família, nem na política e muito menos na vida da Igreja. Não há razão, nem teológica nem bíblica para isso. A Boa nova de Deus trazida, vivida e testemunhada por Jesus de Nazaré é criar uma nova forma de convivência mais humana e mais crística, isto é, inclusiva, justa ética, moral, política e religiosamente.
Conclusão
F. Liderança futura: a fé na política e a política da fé. O homem é um ser todo complexo: físico, psíquico, religioso, cultural, político, linguagem, técnico, sexuado, mundano, celestial, divertimento, etc.. Toda a ação humana, em qualquer campo de vida, sempre carregada de toda essa dimensão. Assim não tem como excluir a ação política da vida de fé e vice versa. A fé á a dimensão política do humano em contemplação; e o exercício político é o conteúdo de fé em ação, em socialização ou em inculturação.
Um líder do terceiro milênio deve fazer valer de modo equilibrado a dimensão política da vida de fé e a dimensão religiosa do exercício político. A ação política como fortalecimento da fé e o papel da fé ilumina e corrige os desvios (as manipulações) no fazer política. Um líder – em qualquer campo de ação – quando tem o equilíbrio, age sempre pensando na geração futura. O líder assim é “incapaz” de praticar qualquer a maldade contra o seu próximo (cf. Sl 15).
O líder com visão para o futuro é um líder responsável que sempre pensa no bem dos outros, sempre considera o outro como mais importante, reconhece seus limites: ”Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas, vede, depois de mim vem aquele do qual nem mereço desamarrar as sandálias” (At 13,25). Jesus representa nova geração, novo tempo, novo modo de ser, de viver e agir, nova visão sobre mundo, nova experiência de do amor de Deus. Essa atitude de humildade de João faz com Jesus retribui de forma exemplar quando diz: “Entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista” (Mt 11,11).
Como está indo a nossa liderança: na família, na sociedade em geral, na política, na vida religiosa e na Igreja? O encontro dos líderes mundiais do Rio+20 foi mais do “papulorum” e “papelorum” progresso do que “populorum progresso”. Foi uma perda de tempo. O resultado demonstra a incapacidade coletiva no comprometimento concreto de responsabilidade com a futura geração. A nova geração precisa de atitudes concretas e não de teorias, precisa de exemplificação e não de explicações ideológicas.
___________&&&___________ Lukas Betekeneng.