(Mc 16,19; Lc 24,50-51; At 1, 6-11; Ef 4, 7-13)
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que significa, para nossa vida hoje, essa expressão: “Jesus foi elevado ao céu” ou, normalmente chamamos de ascensão do Senhor (At 1,9)? Qual a diferença entre a assunção de Maria[1] e a ascensão de Jesus? O que devemos resgatar, preservar e elevar sempre para a glória de Deus, em nossas vidas cotidianas (psico-sociopolítico, econômico, cultual, religioso e familiar), e o que devemos deixar de lado ou jogar para o chão? É possível viver a vida do discipulado crístico (ou, a espiritualidade de vida cristã) sem a cruz de Jesus?
A ressurreição de Jesus – da morte para a vida – e sua ascensão do mundo para o céu significa que depois que a vida de Deus em Jesus Cristo – através das mãos criminosas dos homens perversos – foi desprezada, violentada impiedosamente, sacrificada de maneira brutal até a morte cruel na cruz, a partir de agora e em diante é assumida por Deus. O mundo não tem mais poder sobre ela. O aguilhão da morte não conseguiu sepultar a força da Vida no esquecimento dos discípulos e seguidores. O mundo odioso quer que a carne humana corporal sofra e morra, mas Deus-amor quer o contrário, que a vida humana espiritual encarnada seja viva em plena alegria, se rejubila no amor reconciliador e se glorifica eternamente no festim celeste. Assim, a atitude de Deus diante da mentalidade do homem: tudo aquilo que o ser humano, na sua voracidade animálica desvaloriza, despreza, viola, destrói, joga e enterra no chão, o Deus, no seu amor sem medida faz ressuscitar, resgata, exalta, recupera e eleva para o alto céu. É a vitória da vida sobre a morte, o triunfo do amor sobre o ódio.
Por isso a ascensão – assim como a ressurreição – é o ato profético de Deus em nossa vida: uma denúncia e um anúncio. A denúncia contra a atitude depreciada e destrutiva do homem e o anúncio de sua con-versão – conversão – para a retomada da consciência humana salvífica. Pois toda a prática de violência contra a criação de Deus, sobretudo, contra a vida do ser humano criado à sua própria imagem e semelhança é, na verdade demonstra a incapacidade e a ignorância, a cegueira da consciência do próprio homem em relação com o seu Deus, é a violência contra o próprio Deus (cf. Mt 25,31-46). A encarnação do Verbo no mundo da humanidade é, sem dúvida, um convite claro de Deus para o ser humano se reconhecer como o humano e aprender a ser, viver e agir cada vez mais como o humano na sua integridade; e a elevação ao céu é a confirmação dessa verdade de fé. Se todo ser humano consiga demonstrar – através do seu ser, viver e agir sinalizador ou revelador – como o caminho privilegiado do encontro salvífico com Deus-Amor-da-vida, como a verdade visível do Deus-Criador invisível e como a vida do Espírito trinitário de Deus em carne corporal no mundo ele será, no fim dos tempos, arrebatado[2], em Cristo para a glória de Deus Pai (Mc 16,19), assim como foi o Jesus de Nazaré, também com toda a humanidade, antes e depois dele. A declaração de Jesus como “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14,6) que se imprime nos seus atos salvíficos, deveria ser também a de todos os cristãos. A vida, ou, melhor dizer, a maneira de viver e agir dos cristãos deve revelar o brilho do rosto amoroso de Deus do Jesus Cristo. Na encarnação do Verbo, o Deus desceu (se esvaziou) até o nadir da vida humana para que no seu esvaziamento o ser humano possa ser elevado, em Cristo, com Cristo e através de Cristo à plenitude da vida, na glória de Deus Pai-maternal e Mãe-paternal e Filial (cf 2Cor 8,9; Ef 4,10).
A assunção de Maria é um dogma mariológico com o fundo cristológico. A diferença entre a assunção e a ascensão consiste neste sentido: Maria foi elevada ao céu pela força salvífica de Cristo, enquanto salvador de Deus para toda a humanidade, ao passo que a subida de Jesus ao céu é pela força salvífica do Pai nele. Ou seja, a elevação da Mãe-Geradora de Jesus é auxiliada pela força da obra redentora do Filho-Salvador e a ascensão de Jesus-Filho-Revelador do amor trinitário é direta, pela força amorosa do Pai-Criador. Isso é a questão da experiência da vida de fé e não da ciência positiva e nem da mera especulação política. Por não ser baseada na ciência laboratorial, isso não quer dizer que a experiência da fé na ressurreição e na glorificação é negativa ou irreal. A fé – na ressurreição e na glorificação – daquele povo do Oriente Antigo (na região da Ásia Menor, Palestina e tudo o mais) não é de maneira nenhuma um fenômeno anormal e paranormal. A fé é fruto da experiência real da vida e do amor de Deus na vida do povo, no dia a dia.
O Cristo e a cruz são inseparáveis. Isto é, não há o cristianismo sem a cruz de Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus misericordioso. A cruz é a conseqüência da busca de vida crística e não a meta a ser projetada e realizada. Ninguém vive procurando ou inventando a cruz para ser carregada, ela é o caminho inevitável e, portanto, necessário a ser seguido, é a escada para se subir cada vez mais alto e não para permanecer nela, é o prelúdio do amor salvífico. Não se constrói a paz com guerras, nunca se promove a reconciliação com chantagens e humilhação. Nada pode se restabelecer uma vida destruindo as demais. Os cristãos devem, pelo contrário, viver com afinco a vida de Cristo, revelando o Deus-amor em vista da construção do reino da fraternidade, plena e eterna baseada no amor trinitário incondicional, na justiça social, no direito de todos, na paz profunda e na liberdade corresponsável dos filhos e filhas de Deus. O mundo novo só será possível na medida em que cada um consiga domar sua própria animalidade, consiga tirar do peito a coração de pedra e implantar, em seu lugar, o coração de carne.
Com a luz do amor de Cristo, os cristãos devem reeducar sua racionalidade, sua sensibilidade e sua vontade para poder viver e testemunhar a Boa-Nova de Deus. Assim, ser cristão não é mérito, mas a responsabilidade. Viver como e em Cristo significa, de um lado, procurar resgatar e elevar para o alto tudo aquilo que representa a vida e o amor de Deus para com toda a humanidade, e que no decorrer da história foi desvalorizado e negado, traído e sepultado no chão da ignorância da consciência e do analfabetismo da fé e amor solidário: a união, a paz, a justiça, o direito, o perdão, a reconciliação, a solidariedade, a serenidade, a tolerância, o respeito e a liberdade que não são outra coisa senão o penhor do Reino. E por outro, amputar e enterrar todo o comportamento destrutivo, arrogante, desunido, exclusivismo, corrupto, vingativo, injusto, impaciente e intolerante. Tudo isso é o desafio monumental, não só para os cristãos, mas também para toda a humanidade de fé. É difícil, mas não significa impossível. “Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24,13). Deve se lembrar que os cristãos são chamados para amar e não para odiar, para unir, perdoar e reconciliar e não para dispersar, vingar e excluir; são chamados e enviados para promover a justiça, o direito, a liberdade e a paz e não para praticar e espalhar o terror da injustiça, negar o direito e liberdade, nem para divulgar as violências, nem simbólica nem real, nem psicológica e nem física, nem doméstica e nem sociocultural; nem política institucional nem religiosa e muito menos a violência afetiva-familiar e/ou gênero masculino e feminino. Pois toda a prática de violência é o ato próprio do primitivo, do ignorante, do miserável da racionalidade e sensibilidade humana, é o ato próprio dos animais selvagens.
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Por: Lukas Betekeneng
[1] Definição dogmática da Igreja sobre Maria, Mãe de Jesus Cristo pelo papa Pio XII, em 1º de novembro de 1959. Desde o século V a Igreja romana celebra esse acontecimento, no dia 15 de agosto. Mesmo que o documento é marial, contudo é profundamente cristológico. Ou seja, a elevação de Maria ao céu é por causa de seu filho Jesus Cristo, acolhido e crido como o Salvador da humanidade.
[2] A crença no arrebatamento não é novidade do judaísmo (cf.2Rs 1,3-16). Os evangelistas quando falam da elevação de Jesus ao céu estão fazendo releitura dessa crença. Assim para os judeus, todos os grandes profetas de Israel foram arrebatados ao céu. E Jesus é, segundo o NT, o Profeta por excelência (Profeta exemplar) e Sábio dos sábios.
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