sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

“UMA ESPADA TE TRANSPASSARÁ A ALMA”

=SAGRADA FAMÍLIA=
(Lc 2,22-40)
O

 que quer dizer o Simeão com essa frase: “uma espada te transpassará a alma” (v. 35)? A expressão “espada” exprime o castigo, a dor intensa, a guerra, a devastação e a morte violenta? Mais que tudo isso, a espada também simboliza, de modo particular, o dia a dia do real conflito geracional – e de gênero – dentro da família (e da Igreja) como sociedade em miniatura.
Na literatura bíblico-judaica, tanto quanto no Novo Testamento, a “espada” tem um significado simbólico da força da Palavra de YHWH-Adonai. Na Aliança Jesuânica, a eficácia, ou, a força da Palavra de Deus é identificada com a Palavra (ensinamentos) de Jesus Cristo (cf. Ap 1,16; 2,16; 19,15-21; Ef 6,17; Hb 4,12). Percebe-se a analogia entre Lucas 2,35 e Hebreus 4,12, sobre o significado figurado da vivacidade (dinamicidade) e da eficácia (a força) da Palavra de Deus como “espada de dois gumes” que penetra a alma, divide e “revela-perscruta” as razões do coração. Levando em consideração esse simbolismo, vir à tona a possibilidade da compreensão de que a espada para a qual o Simeão acena seja a figura da Palavra de Deus nos ditos e atos de Jesus de Nazaré.
Na realidade, todos os pais já sabem, consciente ou inconscientemente, que em cada nova geração que surge, carrega junto com ela, o novo espírito, a nova visão, o novo modo de ser, de compreender e de viver. E isso cria o desconforto no convívio relacional e provoca, consequentemente, o atrito, o confronto na medida em que quando a geração mais adulta (os pais) não toma logo a consciência disso. Não adianta e nem cabimento obrigar as novas gerações (os filhos) a repetir a experiência dos pais e avôs, por melhor que seja. Os pais – em particular – e os adultos ingênuos, imaturos, desequilibrados, maus preparados psicoemocional e afetivoespiritualmente, imprudentes e irresponsáveis se escandalizam com essa realidade nova trazida pela nova geração (pelos filhos e jovens) que, aparentemente, contraditória, mas na verdade enriquecedora e transformadora. As novas gerações geralmente foram tratadas como futuro promissor (pelo menos no discurso retórico), enquanto que na prática essa teoria não se aplica com facilidade, pois os pais e adultos sempre demonstram incompreensão, sempre dificultam com suas teorias ultrapassadas e visões defasadas, sempre foram, em certos pontos, intransigentes em relação com as novidades e inventam as fadigas imaginárias alegando-se vítimas delas. Em vez de aprender a conviver com as diferenças de modo mais harmonioso, dialogal e responsável, servindo-se, assim, de ponte para conduzir os novos para a “outra margem”, para que eles possam dialogar com o passado memorial dos adultos e o ideal futuro dos jovens para poder viver o presente com mais empenho e mais confiança, fazendo-se de vítimas por causa deles. Os filhos geralmente não esperam tanto dos seus pais a explicação de como viver e relacionar harmoniosamente para com eles e com todos, mas desejam, pelo contrário, a sua exemplificação de vida respeitosa, compreensiva e tolerante.
É preciso que os pais ter a consciência de que cada geração (ou, cada filho que nasce, cada jovem que chega) traz sempre consigo nova visão, novo espírito de vida, novo jeito de ser, de viver e de fazer. Por isso mesmo diz: “Ninguém rasga um retalho de uma roupa nova para colocá-lo numa roupa velha; e ninguém põe vinho novo em odres velhos” (5,36-37). Infelizmente temos vivido, até hoje – na família, na política, na religião e até nas comunidades religiosas carismáticas – a cultura colonizadora, feudal e opressora desrespeitando e ignorando a forma cultural mais sadia e humanizadora do mútuo respeito, do convívio dialogal, da partilha recíproca e enriquecedora como expressão do verdadeiro ser da humanidade-imagem e semelhança de Deus. A fala de Simeão e Ana, como símbolo vivo da sabedoria madura e equilibrada, não é de uma previsão do que vai acontecer, mas, sim, da própria experiência vivida que serve de alerta e/ou de chamada de atenção para a responsabilidade dos pais em relação aos filhos. Os pais (e adultos) devem procurar estabelecer um relacionamento convivencial de co-aprendiz com seus filhos (com os jovens) e não de superioridade e de tirania, cobrando e obrigando para a obediência cega, estéril e suicida.
O futuro dos filhos (e dos jovens) não consiste propriamente no que os pais (e adultos) pensam, mas no que eles percebem do mais valioso nos filhos (e nos jovens) para ser estimulado, investido e desenvolvido, isto é os dons e talentos que o Senhor Deus tem inserido nas fibras de cada indivíduo desde o seio materno. O papel dos pais na educação dos filhos consiste, exatamente, em acompanhar com atenção e zelo de cuidado para descobrir o dom e talento ou carisma que tem de cada filho, e estimulá-lo a desenvolver como forma de prepará-lo para o futuro da vida diferente. Na linguagem mais teológica e espiritual dizemos que, “como Maria e José fizeram com Jesus, os pais (os adultos) devem levar também seus filhos (devem conduzir os jovens) ao templo – de Jerusalém, afim de apresentá-lo ao Senhor” (v. 22). Nesse espaço e tempo entre Casa-Templo (Galileia-Judeia) que os pais devem buscar um modo de educação mais dialogal e mais correspondente entre a formação psicoafetivo-emocional-familiar-e-cultural e ética-e-moral-espiritual-e-religiosa para a vida de seus filhos. Para Lucas, a casa e o templo são o protótipo da sociedade, os lugares de convivência inclusiva entre gênero e gerações, são a escola de vida e amor, espaço-modelo em que se aprende a exercer o direito, o respeito, a justiça, a liberdade responsável, a cooperação, o diálogo, o lugar privilagiado do encontro afetivo-efetivo da humanidade entre si e com Deus. Por isso mesmo que a apresentação do menino Jesus no templo – de Jerusalém – é, para Lucas, a meta final de sua Boa Nova da infância. Dessa forma que faz com o filho cresce e amadurece, de modo saudável, equilibrado e maduro, dotado de sabedoria e graça diante de Deus e dos homens.
Como a experiência do povo de Israel, a palavra de Deus colocada no coração e na boca dos filhos (do Cristo) era causa do espanto e do encanto, do cair e do levantar, da morte e ressurreição. Também, para Maria, analogicamente, comportava dor e alegria feita espada transpassa a alma e divide o coração. Contudo, ela não se entrega no medo e desespero, pelo contrário se mantenha firme na fé em Deus amor compassivo e misericordioso, Deus fiel e justo. Que o espírito da vida e do amor da Sagrada Família ilumine os pais para que eles possam transformar seus lares a escola de vida e amor afetivo-efetivo, de justiça e solidariedade, de direito e mútuo respeito.

________&&&________ BH., 30/12-2011
Lukas Betekeneng

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A GANÂNCIA DO PODER TRANSFORMA O SER HUMANO EM ANIMAL SELVAGEM

(Mt 2,13-18)
Q

ual é a intenção do autor fazer a releitura da história de Moisés, no Egito, nesse relato sobre Jesus de Nazaré (cf. Ex 2,15)? Conforme o texto apresentado, qual é o tipo do ser humano segundo Mateus? Qual é a mensagem que o autor quer nos passar através desse relato? Para facilitar nossa reflexão, podemos dividir nosso texto em duas partes: 1ª parte, vv. 13-15, que relata sobre a fuga para o Egito; e a 2ª parte, vv. 16-18, que fala do massacre contra vida dos inocentes em Belém.
Primeira: a fuga para o Egito (vv. 13-15)
Ao reler a história de Moisés (Ex 2,15), o autor da comunidade-Igreja de Mateus quer mostrar o seu Jesus a sua comunidade como um Novo Moisés para o novo povo de Deus.  Assim, como Moisés, que é o mago da água, foi chamado por Deus para libertar o povo de Israel das mãos dos faraós, do Egito, e conduzindo-o à terra prometida atravessando o mar vermelho e deserto do Sinai, também Jesus de Nazaré, que é o mago da terra, foi chamado por Deus para libertar o novo Israel da morte e conduzindo-o para a vida em plenitude. Mas o autor também inseriu um novo elemento que mostra o significado do seu Jesus personificado: “Do Egito chamei meu filho” (Os 11,1). Jesus é, nesse contexto, além de ser o Filho de Deus, é um Novo Moisés, também é a personificação do novo povo eleito do Senhor (os cristãos). Como Moisés foi chamado e enviado por Deus para criar o povo da outrora, Deus também chama Jesus do Egito para criar um novo povo eleito (cf. Mt 21,41-43). Como Moisés deu aos seus a Torá, o Novo Moisés também deu aos cristãos o Evangelho. A fuga para o Egito serve como pano de fundo histórico da reconstituição do novo Israel (o cristianismo) sob a liderança do Novo Moisés, o Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso. Jesus, na concepção do autor, refaz o caminho do primeiro povo bíblico de Deus. Assim, o autor percebe na vida de Jesus Cristo a concretização da ação libertadora análoga de Deus. Jesus de Nazaré é, segundo o autor, o Novo Moisés para o novo povo eleito de YHWH-Adonai.
Segunda: massacre dos meninos de Belém (vv. 16-18)
Mesmo que o autor da comunidade-Igreja de Mateus relata um acontecimento de crueldade sem medida contra meninos inocentes de até dois anos de idade, praticado pelo Herodes para defender sua pose, não se encontra o registro oficial desse fato impiedoso em nenhuma fonte extra bíblica. Esse relato pode ser uma releitura que o autor faz da história dos antepassados de Israel quando o faraó perseguiu contra os filhos dos hebreus (cf. Ex 1,15-16). A citação da profecia de Jeremias (Jr 31,15) encontra-se em Ramá, lugar cerca de nove quilômetros ao norte de Jerusalém, nas fronteiras de Benjamin (Js 18,25; Ne 11,33). Ramá (ou, Ramah, em hebraico = altura) é a região onde se encontra a sepultura de Raquel, a esposa de Jacó (1Sm 10,2). Jesus é aquele povo que escapou da espada da crueldade (cf. Jr 31,7). Herodes é, para o autor, o novo faraó em Belém. Isto é, onde há violência, lá tem sempre o faraó. Herodes e faraó são o símbolo da crueldade e/ou a brutalidade contra vida, contra o direito, a liberdade e a dignidade das pessoas, símbolo da ganância, da tirania do poder. Esse faraó e esse Herodes também estão dentro de cada um/uma de nós, homens e mulheres de hoje, nas nossas famílias, nas nossas instituições estatais e religiosas. A prática de crueldade contra crianças inocentes de Belém em vista da defesa do trono revela, inegavelmente, a incompetência da autoridade em todas as gerações da humanidade, em todos os sentidos e níveis.
As vítimas da ganância do poder hoje
Continuamos vivendo em um mundo de contraste: mundo de muita racionalidade e pouca sensibilidade, de muita religião e pouca salvação, de muitos líderes sem liderança, ou de muitos governos e poucas governanças, de muitos códigos de justiça e poucas práticas justas, de muita religiosidade e pouca mística e espiritualidade humanas e salvíficas, de muitos pais e mães e carência de paternidade e maternidade, de muitas explicações com eloquência sobre a fraternidade e falta as exemplificações eficazes da mesma. A brutalidade contra vida em geral, e a das crianças em particular, não só permanece até os dias atuais, mas também se endurece a cada dia. As formas de massacre crescem, endurecem e se sofisticam cada vez mais em nossos dias em nome do poder, do prestígio e da posse camuflado atrás da bandeira de democracia, das leis (constituições), de direito, de carisma, de saúde, de justiça e outros mais (veja imagens).

Essas realidades revelam que o ser humano não conseguiu tornar-se humano salvífico, não conseguiu revelar o rosto de seu Deus-amor compassivo e misericordioso. Ele ainda vive mergulhado na sua miséria de animalidade sóltica (do solo) e empoeirada, ainda não conseguiu ingressar na sua essência angélica e celestial como imagem e semelhança do Criador, como Filho de Deus da vida e do amor. Que o sopro de vida e do amor de Deus, neste tempo de Natal e ano novo, toca a sensibilidade dos homens e das mulheres de hoje.
________&&&________ BH., 28/12-2011
Lukas Betekeneng

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

NATAL: O NASCIMENTO DE DEUS EM FORMA HUMANA PARA QUE A HUMANIDADE POSSA RENASCER, VIVER, CRESCER E AMADURECER NO ESPÍRITO DE DEUS

Refletindo mais um pouco sobre a mensagem do Natal
(Lc 2,1-14)
Q

ual é a mensagem mais profunda de natal para a vida da humanidade hoje? Percebe-se que Lucas faz a sequência de promessa-cumprimento (a dupla dimensão de realismo e de fé) do seu evangelho, ritmada entre a maior dinamicidade: Judeia-Galileia-Judeia, templo-casa-templo, público-privada-público, centro-periferia-centro, masculino-feminino-masculino, divinal-hominal-animal, passado-presente-passado. Tudo isso feito em vista de um amanhã de vida diferente, mais renovada e mais salvífica. Assim, percebe-se que o mais importante é o que está no centro, ele serve de baliza para os dois pólos, e que aponta para o futuro. É uma característica típica da metodologia evangélica da comunidade-Igreja lucana. Isso não é uma crônica do autor com pretensão de ressaltar a devoção sentimental, muito pelo contrário, é um acontecimento real lido à luz da fé crística.
 O sentido do nascimento de Jesus, nesse relato lucano, é dado pelo anúncio do anjo de Deus aos pastores, revelando, dessa forma, o destinatário da “Boa Notícia” de Deus sobre a chegada do Messias prometido e esperado: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um salvador, que é o messias senhor” (v.11). O esquema do anúncio do anjo aos pastores segue o habitual típico de aparições celestiais de Lucas: a glória radiante, o espanto (dos pastores), o encorajamento (do anjo), as palavras de alegre mensagem, o sinal. Após esse anúncio, ressoa no céu um canto litúrgico da glória a Deus: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados” (v.14). Percebe-se, que há duas palavras de destaque: a “glória” que se refere a Deus e a “paz” que se refere aos homens. Isto é, a paz na vida da humanidade, isso mesmo, somente a paz verdadeira e profunda na vida da humanidade que revela a glória de Deus. Essas duas palavras se baseiam em um fundamento sólido que serve como razão do porque somente a paz na vida do ser humano que revela a glória de Deus: o amor. O ser humano é o objeto do amor de Deus, ou melhor, é o amor de Deus em pessoa na terra, por isso quando a vida de um só ser humano é atormentada, desrespeitada e destruída oculta a glória de Deus, pois o ser humano é a própria imagem do Criador Deus no mundo.
Assim, nos faz entender do porque Deus tomou essa atitude radical de deixar o céu e se encarnar na realidade do ser humano, tornando-se um de nós e habitou no nosso meio. O nascimento de Deus em forma humana, não tem outra razão a não ser para que o ser humano pode renascer, viver, crescer e amadurecer no Espírito de vida e amor de Deus através da humanização de sua própria realidade humana cada vez mais humana salvífica.  Deus vem aprender conosco na nossa fragilidade para nos proporcionar a possibilidade de poder aprender com ele na sua capacidade de superação. Se não fosse assim, o natal que se celebra hoje não teria sentido e a vida continua do mesmo jeito. O nascimento de Deus revela o quanto o ser humano é importante. Assim, o ser humano deve aceitar seu próprio ser para revelar, por sua vez, a glória de Deus como o princípio e fim de sua existência. Que esse tempo de natal seja o tempo de renovação do espírito de vida, de redimensionamento da própria vida, do amor afetivo-efetivo e do relacionamento convivencial do dia a dia.
________&&&________
Lukas Betekeneng

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

NATAL


MENSAGEM
Natal é vida nova: reencontro, reconciliação, resgate, recuperação, renovação, reconstrução e revigoramento do amor afetivo e efetivo.
É transformação, redimensionamento, revisão, é um mo mento de paz e do amor reconquistados e reconstruídos...

É um momento de revisão e conversão: rever as atitudes de poucas amigas (as groseiras) no passado, as relações poucas amigáveis de ontem, o esfriamento do clima de convivência nos dias anteriores...

Deixem que as alegrias, a esperança e a paz natalinas invadam seus corações, que o calor e a luz do amor do menino Jesus aquecem e iluminam suas vidas e suas relações convivenciais....

É um momento de abrir o coração e dizer o que sente para com os outros em um espírito de confiança mútua e sem medo, momento de confessar as falhas e concertar os erros, de reconstruir o que foi destruído e de reatar os laços que foram cortados...

É o momento de revelar o arrependimento, de abrir a mão e dar abraços, de cobrir os rostos com dóceis beijos de reconciliação e renovação de compromissos e comprometimentos...

É o momento de dizer e/ou redizer: eu te amo, sim, de todo o coração porque você é especial para mim...

                                         Desejo a todos e todas um
FELIZ NATAL-2011 E PRÓPERO ANO NOVO 2012.
Lukas Betekeneng

sábado, 10 de dezembro de 2011

A HUMILDADE: A MARCA DA SABEDORIA DO AMOR MADURO E EQUILIBRADO

“A humildade é a base e o fundamento de todas as virtudes e sem ela não há nenhuma que o seja”[1].
3º Domingo do Advento, 11/12-2011
C
(Jo 1,6-8.19-28)
omo outros evangelistas, o autor da comunidade-Igreja joanina apresenta, igualmente, o Batista como testemunha ocular da humildade e da cordialidade na sua relação com Jesus de Nazaré. Assim, na sua programação de “semana teológica”, o autor apresenta a confissão de fé, vida e missão do Batista. Diante de uma comissão investigadora, enviada pelos levitas, fariseus e saduceus, João Batista deu seu testemunho de fé e vida, sem medo, sobre Jesus de Nazaré em um tom bem irônico e acusatório, dizendo: “Eu não sou nem Messias, nem Elias (o profeta que prega a fidelidade à Lei de Moisés) e nem profeta. Sou a voz que grita no deserto. Eu batizo com a água (reconhecimento de si); mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis (ironia e acusação) e que vem depois de mim. (agora, vem o testemunho de humildade e, ao mesmo tempo, mais ironia contra os sacerdotes, os levitas, os saduceus, os doutores da lei e os anciões em geral) Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias” (vv. 20.21.23. 26.27). João Batista é, segundo o autor, o fiel portador da modéstia, da cordialidade, do respeito, da simplicidade, da honestidade, da passividade e da humildade. É esse testemunho joanino que faz nascer a fé do discipulado crístico (v. 7). É o ato de promover a vida pela vida futura esperançosa e transformadora. A missão específica de Batista, segundo o autor, é endireitar o caminho de vida e fé em Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão misericordioso.
Através de sua resposta negativa: “eu não sou”, revela o conteúdo de seu ensinamento: ele ensina a ser fiel ao amor de deus, e não para obedecer a Lei de Moisés, representada pelo Elias ou um outro profeta; isso porque acreditaram que, com a prática de obediência a Lei, haveria de surgir um novo profeta como Moisés (cf. Dt 18,15.18) A pergunta: “Quem é você” (v.19), revela o pano de fundo da situação: o conflito e/ou a crise de identidade e de valores, de liderança e de maturidade, de equilíbrio e de relações entre gerações, crise de esperança de vida e de fé. Deve lembrar que esse autor tem sua característica típica, usando os termos de oposição, como: céu x terra; de dentro x de fora; saber x não saber; espiritual x profano, conhecer x não conhecer; ver x não ver; filhos da luz x filhos das trevas; anjos x satanás (aquele que separa; desune).
A palavra “humildade” é de origem latina – humus – que quer dizer, filhos da terra. Refere-se à qualidade daqueles que não tentam se projetar sobre as outras pessoas e nem mostrar-se superior a elas. Essa é a qualidade de João Batista que o autor pretende mostrar aos seus adversários. Assim, o termo que o Batista adotou: “eu não sou” como forma simbólica que serve de chave para abrir o caminho para Jesus que vai se revelar como “Eu sou” ao longo de sua missão. O termo “eu sou” adotado pelo autor, revela a fidelidade ao Deus-amor e não à lei. Por isso diz: “A Lei foi dada ao por Moisés, mas o amor e fidelidade vieram através de Jesus Cristo” (1,17).
Quando o Batista diz que não merece tirar as sandálias (a “lei do cunhado”) nos pés de Jesus, ele, na realidade, está revelando o Jesus Cristo como o “esposo” da humanidade, por isso confessa que não tem nem merecimento nem poder e nem direito para desamarrá-las. E quando se apresenta como a “voz no deserto”, relembra a voz de Deus que chama o povo do Egito caminhando pelo deserto rumo à terra prometida, terra de liberdade e de vida. João diz também que batiza com água, isso ele quer relembrar a travessia do povo no mar vermelho, liderado pelo Moisés; e afirma que Jesus batiza com Espírito Santo, significa que o Cristo-esposo, com sua prática de fidelidade e amor pela vida, vai liderar o povo-esposa nessa travessia rumo à vida em plenitude.
Nessa crise de vida atual, estamos atentos aos sinais dos tempos? Somos capazes de ouvir a voz de Deus? Quais os testemunhos que devemos dar para fazer nascer a fé e amor nos nossos ouvintes? Qual a nossa atitude diante das novas gerações, de confiança ou de desconfiança? Quais as nossas práticas que entortam o caminho de Cristo em relação para com os jovens?
________&&&_______ 11/12-2011
Lukas Betekeneng


[1] Miguel de Cervantes Saavedra de Alcala Henares ou, Miguel Cervantes (1547 - 1616) é o célebre poeta espanhol.

sábado, 3 de dezembro de 2011

RECONHECER-SE E RECONHECER OS OUTROS É A ATITUDE LOUVÁVEL DO HOMEM MADURO, SÁBIO, EQUILIBRADO E RESPONSÁVEL

A idade não forma o equilíbrio e também não serve nem como sinônimo e nem como garantia da maturidade de uma pessoa; a experiência é o verdadeiro mestre que conduz cada indivíduo pelo caminho da paciência e perseverança rumo à maturidade segura, equilibrada e responsável”.
2º Domingo do Advento
(Mc 1,1-8)
E

sse anúncio marqueano de Jesus como Filho de Deus não é uma introdução de uma obra literária espiritual qualquer, é o começo principal e a maturação histórica de um fato decisivo para a existência histórica de vida de toda a humanidade. Essa abertura que o autor faz é, na realidade, a conclusão histórica da trajetória de vida de Jesus na comunidade-Igreja de Marcos: “Ele é, de fato, o Filho de Deus” (15,39). A palavra que sai da boca do centurião é, para o autor, decisiva para o conhecimento e reconhecimento capitular de Jesus como o Messias enviado de Deus. Essa é a pedagogia da evangelização, própria do autor, de colocar a trajetória histórica de vida existencial do Jesus de Marcos entre os ecos do conhecimento prévio e do reconhecimento definitivo, da afirmação inaugural e da confirmação conclusiva.
O Jesus de Marcos é o “Forte dos mais fortes da casa” (3,27) por isso é o Filho de Deus (v.1), e essa é a Notícia Alegre que o autor prefere anunciar aos membros de sua comunidade-Igreja. Por ser Forte dos fortes, por isso não precisa temer com nada, pois Jesus é a garantia segura daqueles que depositam sua esperança e apostam na sua fidelidade. E assim, Marcos, com esse anúncio inaugural, dá aos seus companheiros, amigos e irmãos de fé da comunidade-Igreja um indício do fim e propósito do seu anúncio crístico sobre o Nazareno: esse Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão misericordioso é o Filho de Deus. Só nele se encontra o lugar seguro para a fé, por isso pode apostar sua confiança, pode ser seu companheiro de viagem nessa travessia de vida, pois é o Forte dos fortes, portanto, será como garantia de uma travessia bem segura. Os pingos das ondas das dificuldades de vida não serão transformados em oceano agitado que impede a viagem e nem afunda a barca. Esse é o convite permanente de Marcos para se fidelizar ao seu Cristo de fé e segui-lo no seu caminho de serviço de vida, a Deus pelo próximo. Jesus de Nazaré, para esse autor, é a própria Notícia Alegre (o Evangelho) de Deus em pessoa que traz ao mundo a esperança de vida nova transformada, sugerindo a harmonia no convívio relacional entre os diferentes, anunciando o tempo novo da paz e salvação para toda a humanidade, divulgando o reinado do amor de Deus como já foi anunciado pelo profeta Isaías (cf. Is 52,7).
O profeta Isaías serve, para o autor, como autoridade de peso histórico da promessa messiânica de Deus para a entrada de Batista na cena da apresentação de Jesus como o Evangelho vivo de Deus no mundo. A função do Batista no Evangelho de Marcos é como a voz que ecoa no deserto da vida chamando a atenção das pessoas para Jesus, revelando-o como Messias prometido que vem trazer a novidade e a alegria para a vida da humanidade.
A roupa (os pelos de camelo) usada pelo Batista e a comida (o gafanhoto) e a bebida (o mel) simbolizam a aridez-doce, a amargura alegre, a solidão acompanhada, o deserto fértil de vida, isto é, o desafio e oportunidade, a crise profunda e o crescimento maduro da vida de fé e amor. É essa experiência vivida na paciência e perseverança que faz a vida crescer, amadurecer e se equilibrar na sabedoria e na responsabilidade da convivência entre os gêneros e as gerações.
Marcos mostra o seu Batista como um homem maduro, humilde, um sábio equilibrado e responsável, aquele que sabe o momento certo e a hora certa de ceder o lugar ao outro, capaz de reconhecer o outro como diferente, como digno portador do novo, por isso declara: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias” (v.7). Essa sábia atitude de João Batista é como chave marqueana de abertura para permitir que a novo aconteça e logo para já no aqui e agora. A mudança da própria atitude só é possível na medida em que uma pessoa mais madura, com o espírito de bom senso e de humildade, capaz de se indignar com sua própria realidade de limitação e inadequação e que proporciona a abertura interior para o auto-reconhecimento de sua própria invalidade. Somente assim que se abre, enfim, a visão para reconhecer o outro e sua capacidade e cedê-lo o lugar para que a mudança possa acontecer. Se não for assim, a vida não tem mais sentido e nem a atração, será de uma parada mortal e, portando, será de grande desânimo e desinteresse, a vida não será nem quente nem frio, é plastificada, tem brilho aparente, porém, sem vida nem aroma. A vida assim não merece ser vivida. E esse é o sinal dos tempos atuais que está acontecendo todo o dia entre nós, nas nossas instituições religiosas e comunidades de vida de fé, tanto quanto nas instituições políticas e familiares, que precisa ser lido com sabedoria crística e maturidade evangélica.
Essa é a crítica do Batista de Marcos aos anciões e líderes religiosos e políticos que não reconheceram as novas gerações representadas por Jesus de Nazaré e nem querem cedê-lo o lugar de forma alguma. Pelo contrário, querem eliminá-lo logo do meio deles. Mesmo que seus modos de vida não servem mais para nada nem como referência alguma e nem suas idéias e pensamentos como inspiração para a animação de vida de esperança.
Mas essa crítica de Batista é serve também, e principalmente, para nossa vida de hoje, tanto a vida na Igreja, nas congregações religiosas, nas comunidades de fé quanto na vida de nossas famílias e instituições políticas. De fato, se os velhos não “desaparecerem” na cena, o novo nada surgirá em lugar algum, e a mudança esperada, consequentemente, não acontecerá, e assim, a vida morre aos poucos. Percebe-se que em maioria das nossas instituições religiosas e comunidades são lideradas pelas pessoas de idade bem avançada e com ideias e pensamentos muito defasados. São como odres velhos que tentam, em todas as formas, assegurar a pressão das forças do vinho novo da vida, mesmo sabendo que os odres velhos não servem mais nada para o vinho novo (cf. 2,22). Como diz o saudoso falecido José Comblin: “as lideranças nas nossas Igrejas e comunidades religiosas são muito gerentocrática”. Essa profecia de Batista marqueano é, para nós hoje, uma chamada à renovação, à transformação, chamada à humildade e à maturidade. Exatamente nesse tempo de advento que é o tempo propício para repensar e examinar nossa vida, para promover a mudança e transformar o antigo em novo; para reconhecer-se que não á mais adequado e reconhecer o outro como digno do novo, dando-lhe, assim, o legado e confiança para fazer novas todas as coisas. É o tempo de se transformar a antiga água batismal em espírito novo e dinamizador para a vida mais esperançosa e alegre, a vida que aponta para o futuro diferente, e que começa já no hoje salvífico (cf. Lc 19,9), no aqui e agora da hora crística da glorificação de Deus no seu Filho e o nosso irmão (cf. Jo 12,23).
_________&&&________ BH., 03/12-2011
Lukas Betekeneng