“A idade não forma o equilíbrio e também não serve nem como sinônimo e nem como garantia da maturidade de uma pessoa; a experiência é o verdadeiro mestre que conduz cada indivíduo pelo caminho da paciência e perseverança rumo à maturidade segura, equilibrada e responsável”.
2º Domingo do Advento
(Mc 1,1-8)
E |
sse anúncio marqueano de Jesus como Filho de Deus não é uma introdução de uma obra literária espiritual qualquer, é o começo principal e a maturação histórica de um fato decisivo para a existência histórica de vida de toda a humanidade. Essa abertura que o autor faz é, na realidade, a conclusão histórica da trajetória de vida de Jesus na comunidade-Igreja de Marcos: “Ele é, de fato, o Filho de Deus” (15,39). A palavra que sai da boca do centurião é, para o autor, decisiva para o conhecimento e reconhecimento capitular de Jesus como o Messias enviado de Deus. Essa é a pedagogia da evangelização, própria do autor, de colocar a trajetória histórica de vida existencial do Jesus de Marcos entre os ecos do conhecimento prévio e do reconhecimento definitivo, da afirmação inaugural e da confirmação conclusiva.
O Jesus de Marcos é o “Forte dos mais fortes da casa” (3,27) por isso é o Filho de Deus (v.1), e essa é a Notícia Alegre que o autor prefere anunciar aos membros de sua comunidade-Igreja. Por ser Forte dos fortes, por isso não precisa temer com nada, pois Jesus é a garantia segura daqueles que depositam sua esperança e apostam na sua fidelidade. E assim, Marcos, com esse anúncio inaugural, dá aos seus companheiros, amigos e irmãos de fé da comunidade-Igreja um indício do fim e propósito do seu anúncio crístico sobre o Nazareno: esse Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão misericordioso é o Filho de Deus. Só nele se encontra o lugar seguro para a fé, por isso pode apostar sua confiança, pode ser seu companheiro de viagem nessa travessia de vida, pois é o Forte dos fortes, portanto, será como garantia de uma travessia bem segura. Os pingos das ondas das dificuldades de vida não serão transformados em oceano agitado que impede a viagem e nem afunda a barca. Esse é o convite permanente de Marcos para se fidelizar ao seu Cristo de fé e segui-lo no seu caminho de serviço de vida, a Deus pelo próximo. Jesus de Nazaré, para esse autor, é a própria Notícia Alegre (o Evangelho) de Deus em pessoa que traz ao mundo a esperança de vida nova transformada, sugerindo a harmonia no convívio relacional entre os diferentes, anunciando o tempo novo da paz e salvação para toda a humanidade, divulgando o reinado do amor de Deus como já foi anunciado pelo profeta Isaías (cf. Is 52,7).
O profeta Isaías serve, para o autor, como autoridade de peso histórico da promessa messiânica de Deus para a entrada de Batista na cena da apresentação de Jesus como o Evangelho vivo de Deus no mundo. A função do Batista no Evangelho de Marcos é como a voz que ecoa no deserto da vida chamando a atenção das pessoas para Jesus, revelando-o como Messias prometido que vem trazer a novidade e a alegria para a vida da humanidade.
A roupa (os pelos de camelo) usada pelo Batista e a comida (o gafanhoto) e a bebida (o mel) simbolizam a aridez-doce, a amargura alegre, a solidão acompanhada, o deserto fértil de vida, isto é, o desafio e oportunidade, a crise profunda e o crescimento maduro da vida de fé e amor. É essa experiência vivida na paciência e perseverança que faz a vida crescer, amadurecer e se equilibrar na sabedoria e na responsabilidade da convivência entre os gêneros e as gerações.
Marcos mostra o seu Batista como um homem maduro, humilde, um sábio equilibrado e responsável, aquele que sabe o momento certo e a hora certa de ceder o lugar ao outro, capaz de reconhecer o outro como diferente, como digno portador do novo, por isso declara: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias” (v.7). Essa sábia atitude de João Batista é como chave marqueana de abertura para permitir que a novo aconteça e logo para já no aqui e agora. A mudança da própria atitude só é possível na medida em que uma pessoa mais madura, com o espírito de bom senso e de humildade, capaz de se indignar com sua própria realidade de limitação e inadequação e que proporciona a abertura interior para o auto-reconhecimento de sua própria invalidade. Somente assim que se abre, enfim, a visão para reconhecer o outro e sua capacidade e cedê-lo o lugar para que a mudança possa acontecer. Se não for assim, a vida não tem mais sentido e nem a atração, será de uma parada mortal e, portando, será de grande desânimo e desinteresse, a vida não será nem quente nem frio, é plastificada, tem brilho aparente, porém, sem vida nem aroma. A vida assim não merece ser vivida. E esse é o sinal dos tempos atuais que está acontecendo todo o dia entre nós, nas nossas instituições religiosas e comunidades de vida de fé, tanto quanto nas instituições políticas e familiares, que precisa ser lido com sabedoria crística e maturidade evangélica.
Essa é a crítica do Batista de Marcos aos anciões e líderes religiosos e políticos que não reconheceram as novas gerações representadas por Jesus de Nazaré e nem querem cedê-lo o lugar de forma alguma. Pelo contrário, querem eliminá-lo logo do meio deles. Mesmo que seus modos de vida não servem mais para nada nem como referência alguma e nem suas idéias e pensamentos como inspiração para a animação de vida de esperança.
Mas essa crítica de Batista é serve também, e principalmente, para nossa vida de hoje, tanto a vida na Igreja, nas congregações religiosas, nas comunidades de fé quanto na vida de nossas famílias e instituições políticas. De fato, se os velhos não “desaparecerem” na cena, o novo nada surgirá em lugar algum, e a mudança esperada, consequentemente, não acontecerá, e assim, a vida morre aos poucos. Percebe-se que em maioria das nossas instituições religiosas e comunidades são lideradas pelas pessoas de idade bem avançada e com ideias e pensamentos muito defasados. São como odres velhos que tentam, em todas as formas, assegurar a pressão das forças do vinho novo da vida, mesmo sabendo que os odres velhos não servem mais nada para o vinho novo (cf. 2,22). Como diz o saudoso falecido José Comblin: “as lideranças nas nossas Igrejas e comunidades religiosas são muito gerentocrática”. Essa profecia de Batista marqueano é, para nós hoje, uma chamada à renovação, à transformação, chamada à humildade e à maturidade. Exatamente nesse tempo de advento que é o tempo propício para repensar e examinar nossa vida, para promover a mudança e transformar o antigo em novo; para reconhecer-se que não á mais adequado e reconhecer o outro como digno do novo, dando-lhe, assim, o legado e confiança para fazer novas todas as coisas. É o tempo de se transformar a antiga água batismal em espírito novo e dinamizador para a vida mais esperançosa e alegre, a vida que aponta para o futuro diferente, e que começa já no hoje salvífico (cf. Lc 19,9), no aqui e agora da hora crística da glorificação de Deus no seu Filho e o nosso irmão (cf. Jo 12,23).
_________&&&________ BH., 03/12-2011
Lukas Betekeneng
Nenhum comentário:
Postar um comentário