sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

“UMA ESPADA TE TRANSPASSARÁ A ALMA”

=SAGRADA FAMÍLIA=
(Lc 2,22-40)
O

 que quer dizer o Simeão com essa frase: “uma espada te transpassará a alma” (v. 35)? A expressão “espada” exprime o castigo, a dor intensa, a guerra, a devastação e a morte violenta? Mais que tudo isso, a espada também simboliza, de modo particular, o dia a dia do real conflito geracional – e de gênero – dentro da família (e da Igreja) como sociedade em miniatura.
Na literatura bíblico-judaica, tanto quanto no Novo Testamento, a “espada” tem um significado simbólico da força da Palavra de YHWH-Adonai. Na Aliança Jesuânica, a eficácia, ou, a força da Palavra de Deus é identificada com a Palavra (ensinamentos) de Jesus Cristo (cf. Ap 1,16; 2,16; 19,15-21; Ef 6,17; Hb 4,12). Percebe-se a analogia entre Lucas 2,35 e Hebreus 4,12, sobre o significado figurado da vivacidade (dinamicidade) e da eficácia (a força) da Palavra de Deus como “espada de dois gumes” que penetra a alma, divide e “revela-perscruta” as razões do coração. Levando em consideração esse simbolismo, vir à tona a possibilidade da compreensão de que a espada para a qual o Simeão acena seja a figura da Palavra de Deus nos ditos e atos de Jesus de Nazaré.
Na realidade, todos os pais já sabem, consciente ou inconscientemente, que em cada nova geração que surge, carrega junto com ela, o novo espírito, a nova visão, o novo modo de ser, de compreender e de viver. E isso cria o desconforto no convívio relacional e provoca, consequentemente, o atrito, o confronto na medida em que quando a geração mais adulta (os pais) não toma logo a consciência disso. Não adianta e nem cabimento obrigar as novas gerações (os filhos) a repetir a experiência dos pais e avôs, por melhor que seja. Os pais – em particular – e os adultos ingênuos, imaturos, desequilibrados, maus preparados psicoemocional e afetivoespiritualmente, imprudentes e irresponsáveis se escandalizam com essa realidade nova trazida pela nova geração (pelos filhos e jovens) que, aparentemente, contraditória, mas na verdade enriquecedora e transformadora. As novas gerações geralmente foram tratadas como futuro promissor (pelo menos no discurso retórico), enquanto que na prática essa teoria não se aplica com facilidade, pois os pais e adultos sempre demonstram incompreensão, sempre dificultam com suas teorias ultrapassadas e visões defasadas, sempre foram, em certos pontos, intransigentes em relação com as novidades e inventam as fadigas imaginárias alegando-se vítimas delas. Em vez de aprender a conviver com as diferenças de modo mais harmonioso, dialogal e responsável, servindo-se, assim, de ponte para conduzir os novos para a “outra margem”, para que eles possam dialogar com o passado memorial dos adultos e o ideal futuro dos jovens para poder viver o presente com mais empenho e mais confiança, fazendo-se de vítimas por causa deles. Os filhos geralmente não esperam tanto dos seus pais a explicação de como viver e relacionar harmoniosamente para com eles e com todos, mas desejam, pelo contrário, a sua exemplificação de vida respeitosa, compreensiva e tolerante.
É preciso que os pais ter a consciência de que cada geração (ou, cada filho que nasce, cada jovem que chega) traz sempre consigo nova visão, novo espírito de vida, novo jeito de ser, de viver e de fazer. Por isso mesmo diz: “Ninguém rasga um retalho de uma roupa nova para colocá-lo numa roupa velha; e ninguém põe vinho novo em odres velhos” (5,36-37). Infelizmente temos vivido, até hoje – na família, na política, na religião e até nas comunidades religiosas carismáticas – a cultura colonizadora, feudal e opressora desrespeitando e ignorando a forma cultural mais sadia e humanizadora do mútuo respeito, do convívio dialogal, da partilha recíproca e enriquecedora como expressão do verdadeiro ser da humanidade-imagem e semelhança de Deus. A fala de Simeão e Ana, como símbolo vivo da sabedoria madura e equilibrada, não é de uma previsão do que vai acontecer, mas, sim, da própria experiência vivida que serve de alerta e/ou de chamada de atenção para a responsabilidade dos pais em relação aos filhos. Os pais (e adultos) devem procurar estabelecer um relacionamento convivencial de co-aprendiz com seus filhos (com os jovens) e não de superioridade e de tirania, cobrando e obrigando para a obediência cega, estéril e suicida.
O futuro dos filhos (e dos jovens) não consiste propriamente no que os pais (e adultos) pensam, mas no que eles percebem do mais valioso nos filhos (e nos jovens) para ser estimulado, investido e desenvolvido, isto é os dons e talentos que o Senhor Deus tem inserido nas fibras de cada indivíduo desde o seio materno. O papel dos pais na educação dos filhos consiste, exatamente, em acompanhar com atenção e zelo de cuidado para descobrir o dom e talento ou carisma que tem de cada filho, e estimulá-lo a desenvolver como forma de prepará-lo para o futuro da vida diferente. Na linguagem mais teológica e espiritual dizemos que, “como Maria e José fizeram com Jesus, os pais (os adultos) devem levar também seus filhos (devem conduzir os jovens) ao templo – de Jerusalém, afim de apresentá-lo ao Senhor” (v. 22). Nesse espaço e tempo entre Casa-Templo (Galileia-Judeia) que os pais devem buscar um modo de educação mais dialogal e mais correspondente entre a formação psicoafetivo-emocional-familiar-e-cultural e ética-e-moral-espiritual-e-religiosa para a vida de seus filhos. Para Lucas, a casa e o templo são o protótipo da sociedade, os lugares de convivência inclusiva entre gênero e gerações, são a escola de vida e amor, espaço-modelo em que se aprende a exercer o direito, o respeito, a justiça, a liberdade responsável, a cooperação, o diálogo, o lugar privilagiado do encontro afetivo-efetivo da humanidade entre si e com Deus. Por isso mesmo que a apresentação do menino Jesus no templo – de Jerusalém – é, para Lucas, a meta final de sua Boa Nova da infância. Dessa forma que faz com o filho cresce e amadurece, de modo saudável, equilibrado e maduro, dotado de sabedoria e graça diante de Deus e dos homens.
Como a experiência do povo de Israel, a palavra de Deus colocada no coração e na boca dos filhos (do Cristo) era causa do espanto e do encanto, do cair e do levantar, da morte e ressurreição. Também, para Maria, analogicamente, comportava dor e alegria feita espada transpassa a alma e divide o coração. Contudo, ela não se entrega no medo e desespero, pelo contrário se mantenha firme na fé em Deus amor compassivo e misericordioso, Deus fiel e justo. Que o espírito da vida e do amor da Sagrada Família ilumine os pais para que eles possam transformar seus lares a escola de vida e amor afetivo-efetivo, de justiça e solidariedade, de direito e mútuo respeito.

________&&&________ BH., 30/12-2011
Lukas Betekeneng

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