quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O REINO DA FRATERNIDADE É UMA SEMENTE DO CÉU IMPLANTADA NO CHÃO HUMANO

(Mc 4,26-34)
É

 de suma importância relembrar, antes de tudo, que Deus nunca foi nem é e não será um rei e nem mesmo tem um território real para o seu reinado, nem aqui e nem acolá. Isso, porque tudo o que ele criou é doado para a humanidade, até mesmo sua própria vida foi doada por amor ao mundo (cf. Jo 3,16; At 17,24-25; Rm 5, 6-8), de modo especial, a nós, homens e mulheres, criados à sua própria imagem e semelhança (cf.Gn 1,26). Ele acompanha bem de perto, está sempre juntos de suas obras, mas não pressiona e nem impor suas autoridades para dominá-las autoritariamente. Muito pelo contrário, respeita a autonomia “creativa” e liberdade-responsabilidade. Os termos “reino” (e/ou “rei”) e “senhor”, usados pelos evangelistas, são de origem sociopolítica, todavia, aqui recebe o sentido diferente, o do teológico, para ironizar as tiranias das autoridades em gestão. Para o autor, o papel das autoridades é defender os direitos do povo, promover a sua liberdade, cuidar do bem-estar e proteger toda população dos perigos que ameaçam a paz e harmonia da convivência e, sobretudo, a vida de sua integralidade. Mas o que as autoridades estão fazendo é tudo o contrário do que deveria ser. Ao chamar Deus de “nosso rei e senhor” é, portanto, uma forma de desconsiderar e desestimar a credibilidade das autoridades, religiosas e políticas.
O que Deus quer de toda a humanidade é a salvação integral de sua vida (Jo 6,37; 1Tm 2,4; 2Pd 3,9; Ez 18,23.32), aqui mesmo na terra e depois. Para que o homem possa compreender a linguagem de Deus da paz e salvação, existe somente uma única saída: ele tinha de se encarnar no mundo e se tornar um de nós e, então, pode se comunicar conosco, diretamente, em nossa linguagem. Dessa mesma forma, ele quer que nós também devemos nos tornar irmãos, uns para com os outros, para proporcionar o nosso ambiente social de convivência mais harmoniosa onde a paz verdadeira, a tolerância, a harmonia, a justiça, o direito e a liberdade responsável têm o seu lugar (cf. Mc 10,34-45).
O texto que estamos refletindo, o autor fala de forma comparativa o reino da fraternidade para facilitar a nossa compreensão. A vida fraterna, que é a característica do ambiente convivencial do reino de Deus, é uma semente do céu, mas foi implantada no chão humano. Isto é, fruto do trabalho conjunto entre Deus e homens. Nós somos cooperadores de Deus neste mundo (1Cor 3,9). Assim, o reino de Deus na vida dos homens é um processo contínuo, uma edificação, um projeto participativo entre o divino e humano. É, antes de tudo, o dom de Deus, mas a responsabilidade final cabe a nós, homens e mulheres desta terra. Nós temos de nos esforças muito para que o reino de Deus da fraternidade aconteça, de fato, em nossa vida, pois do contrário, não seria possível. Não adianta rezar e gritar, chorar até sair lágrimas de sangue, mas se não colaborar, tudo será em vão (cf. Lc 6,46).
A semente, o grão de mostarda e a terra do qual as sementes foram semeadas são imagens parabólicas da forma de como tudo foi iniciado. Os grandes projetos somente se tornaram grandes, de fato, porque começaram humildes. As sementes cresceram e se tornaram grandes e se frutificaram abundantemente por causa do empenho entre ambos os lados: Deus e homens. E, também, depende da qualidade da terra, que não é outra coisa, senão cada um/uma de nós. Deus depositou essa semente do reino de fraternidade em nós; nós temos de semeá-las no chão de nossa vida cotidiana, adubando-a e rega-a todo o dia, mas Deus quem vai fazê-la crescer e frutificar. Para isso, precisamos de muita perseverança, paciência, confiança e, sobretudo, humildade, tanto no nível psicológico (refere-se a nossa ambientação humano-social) quanto ontológico (refere-se a nossa situação perante Deus). Que sejamos bons cooperadores de Deus na edificação de seu “reino” da fraternidade universal.
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BH., 27/01-2012
Lukas Betekeneng

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A IGREJA DE CRISTO É TODA MISSIONÁRIA

(Mc 16, 15-18)
O

 cristianismo é um povo todo missionário, pois tem sua origem na missão do Filho e do Espírito Santo, conforme o propósito do Pai. A Igreja cristã (o cristianismo) como um todo foi chamada para ser discípulo e ordenada para ser missionária. Ele recebeu de Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso a missão de ir para o mundo inteiro para anunciar e testemunhar (com atos e ditos) o Evangelho de Deus para toda criatura (v.15; Mt 28,19). Essa missão é de responsabilidade de todos os batizados, cada qual conforme o dom da graça recebido do Espírito Santo. O estado de vida dentro da Igreja não é o sinônimo de privilégio de dom e carismas para o ministério da Igreja. O que difere os membros no exercício do ministério eclesial é, portanto, o dom da graça e/ou carisma específico concedido a cada um/uma (cf. Rm 12,6-7). Todos os cristãos e cristãs, através do Batismo, participam diretamente na vida e missão de Jesus Cristo como Rei, Sacerdote e Profeta, cujo ofício para coordenar (governar), santificar e ensinar. Esse é o exercício de direito divino, concedido desde a criação e reafirmado e certificado definitivamente no Batismo e, ao mesmo tempo, a missão de responsabilidade batismal. Esse é o princípio teológico fundamental inviolável e que deve ser conservado, custo que custar. O que vem depois desse é o acréscimo, o relativo, mera invenção.
Como fazer missão, hoje, em um mundo tão plural marcado pela transitoriedade radical e individualismo fechado? Que tipo de missão pode ser feita em um mundo cheio de religiosidade? Qual é a finalidade da missão do cristianismo? Onde e como deve ser feita a missão da Igreja?
Deus se manifesta livremente a cada um/uma, a cada época, a cada cultura, a cada contexto. Portanto, fazer missão, hoje, não é ensinar dogmas e doutrina de um determinado sistema religioso, mas, muito pelo contrário, compartilhar as experiências do amor de Deus para com todos e todas, independentemente das crenças e filosofias religiosas. O método que deve ser adotado para o trabalho missionário no mundo em que estamos vivendo é, sem resta de dúvida, o diálogo com toda a humanidade de boa vontade, em um espírito de humildade, em vista do objetivo comum: a humanização da vida e sua salvação através do exercício do direito, da justiça, da liberdade para garantir a paz verdadeira e a harmonia entre os povos, que são a índole do Reino de Deus.
A missão cristã não se limita em um determinado lugar e para um povo específico. Pois, o cristianismo é um povo católico, isto é, um povo chamado e reunido, vindo de todos os lados e enviado para todas as direções (todas as nações). Chamado para ser fermento para levedar toda a vida da criação; ser sal para condimentar todos os sabores da convivência social fraterna; ser luz para iluminar todas as vias da salvação; ser caminho para oferece a direção rumo à comunhão; ser rede para reunir toda a humanidade feita uma família de irmãos e irmãs de um e único Pai, no aqui e agora de vida, e depois quando Deus se torna tudo em todos (1Cor 15,28). Dizer de modo resumidamente, a missão cristã é revelar ao mundo o rosto amoroso, compassivo e misericordioso do Deus de Jesus Cristo. Essa tarefa não é fácil, claro, mas não significa impossível. A consciência da própria responsabilidade batismal pressupõe a constante transformação e renovação interior e o empenho no discernimento missionário e no testemunho evangélico da proximidade do Reino de Deus da fraternidade.
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BH., 24/01-2012
Lukas Betekeneng

domingo, 22 de janeiro de 2012

CONVERSÃO E ACEITAÇÃO DA BOA NOVA: Critério vocacional rumo à salvação

(Mc 1,14-20)
P

ara Marcos, Jesus de Nazaré começa sua vida pública (anunciar o Evangelho de Deus) a partir da sua terra natal, Galileia, só depois da prisão de João Batista (v.14). Dois protagonistas, dois estilos de vida e dois caminhos diferentes, todavia, com o mesmo fim: enfrentaram a morte cruel por amor a Deus e ao próximo. A condenação do Batista, na opinião do evangelista, é como conclusão do tempo antigo (tempo de espera) e, ao mesmo tempo, o início de um novo tempo messiânico (tempo kairótico, tempo da graça). É necessário que o “velho” desça do palco para que o “novo” entre em cena.
Por que Jesus deve começar a sua pregação a partir da Galileia e não da Judeia? Por que ele não começar a sua vida pública quando João estava na sua plena atividade, no deserto? É verdade que o processo de chamamento aconteceu de forma monóloga, sem nenhuma conversação entre quem chama (Jesus) e os que são chamados (os discípulos)? Qual é a mensagem que está por trás dessa omissão de detalhes cultural e familiar? O que Jesus quis dizer com essa frase: “... eu farei de vós pescadores de homens” (v. 17)?
Como João Batista foi o precursor, cujo papel para preparar o caminho para Messias esperado, que ainda está na plena atividade, esse fato foi lido, teologicamente, como motivo pelo qual Jesus deve “esperar” até que o tempo de espera se completa o seu percurso. Essa “razão de Deus” se expressa de modo claro nesse termo: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (v. 14). Jesus é, portanto, o tempo novo de Deus em pessoa, tempo de mudança de vida, mudança de comportamento, tempo de re-nova-ação (renovação) e trans-formar-ação (transformação). A noite de espera do Messias prometido já chegou ao fim e o raiar do novo dia da graça já está próximo. É o novo tempo de edificar uma nova humanidade onde a paz, a liberdade, o direito, a justiça, o respeito e a tolerância, a compreensão e solidariedade têm o seu lugar na vida de todos. Para fazer parte no reino de Deus é necessário passar pelos dois crivos: a conversão de vida e a aceitação (crer) do Evangelho de Deus, trazido pelo Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso.
Conversão, isto é, o abandono da vida de infantilidade adâmica para apropriar a vida de maturidade crística; afastando-se dos caminhos errados para retornar ao caminho messiânico; trancar as janelas do crime e da morte e abrir as portas da graça de vida em plenitude. Isto quer dizer, a mudança de mentalidade, a transformação do coração de pedra em carne (cf. Ez 36,26), a renovação de atitude em vista da procura do Deus da vida (Am 5,4-6.14ss; Jr 31,18ss). É libertar-se do apego ao relativo ou passageiro em prol da conservação da vida eterna (cf. 1Cor 7,29-31).
Crer no Evangelho, no pensamento de Marcos significa: aceitá-lo com todas as forças e acolhê-lo com plena confiança e seguir fielmente no caminho salvífico segundo o Anúncio da Boa Nova de Deus, trazido por Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso. A conversão de vida e o acolhimento do Evangelho, para esse autor, são o acesso primordial e decisivo para a entrada no Reino de fraternidade.
A Galileia, no tempo de Jesus, é a região muito discriminada pela Judeia, acusada de infiel e traidora da tradição e costumes por causa de seu espírito carismático. Diante de uma longa história de dominação, de opressão estrangeira e discriminação e injustiça interna, permanece na Galileia a esperança do cumprimento do tempo messiânico no qual Deus concretiza sua promessa de libertação definitiva. Começar a anunciar a proximidade do reino de Deus a partir da Galileia, Jesus quer demonstrar sua preferência e seu amor pela sua terra e seu povo, apesar de dessa mesma terra e desse mesmo povo que antes o acolheu e depois o discriminou e o rejeitou (cf. Lc 4,24). Segundo o evangelista, Jesus de Nazaré é o Reino – da paz, da alegria, da justiça, da liberdade e libertação e da bondade – de Deus em operação (cf. Is 52,7 Sl 114,5; Ef 2,14; também, Cl 1,15). Assim é a ciência de Deus: da terra discriminada e do povo humilhado e oprimido, Deus faz surgir o seu profeta, seu messias e seu líder-pastor para envergonhar os poderosos, religiosos e políticos.
Lendo o texto de chamamento de Jesus, a primeira impressão que se tem é como se fosse feito de forma mecânica, muito monologa sem nenhuma conversação entre eles e nem demonstra o sentimento de intimidade cultural e familiar. Acreditamos que se não tivesse o diálogo prévio, Jesus não teria a condição de conhecer as pessoas e, consequentemente, não as chamaria – de modo tão inconfundível. Contudo, o autor omitiu os detalhes das conversações de encontro (que são o elemento essencial da convivência cultural e familiar) para ressaltar o sentido teológico e espiritual do chamamento do discipulado. O abandono do trabalho, dos familiares e amigos, da rede e do barco (v.20), expressa, de modo simbólico, a plena disposição dos chamados, o entusiasmo da entrega de vida e a prontidão para assumir a nova responsabilidade. Esse espírito de euforia vocacional, a disposição e entusiasmo inicial tudo será explicado, desenvolvido e aprofundado ao longo do Evangelho como processo gradual de renúncia à antiga vida e profissão e a todos os bens próprios do passado.
O autor revela, através do texto, três passos decisivos usado por Jesus no processo de chamamento dos seus discípulos: primeiro, ir ao encontro e entrar na situação de vida e trabalho (para adquirir o conhecimento) dos chamados; o segundo, no clima de intimidade familiar e cultural que começa a fazer convite ou chamamento de modo efetivo; e o terceiro e último, o entusiasmo, a disposição e a prontidão no seguimento do discipulado.
Jesus tem feito a promessa de lhes fazer, no futuro, “os pescadores de homens”. O pescar como atividade cultural para garantir a sobrevivência pessoal, familiar e social recebe, agora, a importância de seu sentido teológico e espiritual. A atividade de pescar faz parte, realmente, da metodologia da ação salvífica e libertadora de Deus (cf. Zc 10,8; Jr 16,16; 31,10s; Ez 37,21). Assim, ser pescador de homens significa, nesse sentido, ser “rede” de Deus para reunir toda a humanidade fazendo-a uma só família tendo o próprio Deus como o único Pai, e que todos somos irmãos, de carne e de sangue, de Jesus Cristo, que entregou sua vida por amor a Deus e por nossa causa (cf. Gl 1,4; Ef 5,2).
O chamamento para seguir a Jesus no seu caminho e participar da sua missão, segundo o autor da comunidade-Igreja de Marcos, é um contínuo convite à resposta progressiva: sim, deixo tudo e te sigo, não apenas em fazer uma experiência de conversão total, mas continuamente, até o fim, quando Deus se torna tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Seguir Jesus é formar uma unidade comunial com ele, é deixar-se instruir e guiar por ele, crescer e amadurecer dentro de uma nova família edificada na base da fé fraterna e aberta por sua cruz e ressurreição e glorificação, alimentada pelo seu pão-corpo e vinho-sangue da vida plena e eterna.
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BH., 22/01-2012
Lukas Betekeneng

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O AGIR REVELA A QUALIDADE DA NATUREZA DO SER

Praticar o bem e evitar o mal”
Leitura:
(Mc 3,1-6)
O

 autor da comunidade-Igreja de Marcos apresenta o clímax da história de confronto entre o “antigo” farisaico e o “novo” jesuânico, o quinto conflito consecutivo de Jesus de Nazaré, o portador da Notícia Alvissareira de Deus, com seus adversários (os partidários de fariseus e herodianos) na sua terra natal, Galileia. Mas, por que o comportamento e ensinamento de Jesus são vistos como ameaça? Por que os fariseus temem tanto com a novidade trazida por Jesus? O que é que, na realidade, está ameaçado por causa do comportamento e ensinamento de Jesus, a religião ou o privilégio religioso? Por que o prazer intuitivo de eliminar, de punir e de matar os outros por causa da diferença é tão presente e dominante no pensamento, no sentimento e na vontade do ser humano? Por que os homens têm tanta dificuldade de suportar o modo de ser e viver diferente dos outros?
Nesse quinto e último confronto aberto de Jesus de Marcos com seus adversários, revela definitivamente a autonomia, a autoridade e a liberdade do Filho do Homem sobre todas as leis e costumes, prescritos por mãos humanas. A religião enquanto sistema e seus preceitos, na concepção de Jesus marqueano, é a obra do homem sob a luz do Espírito divino para auxiliar o próprio homem se relacionar com seu Deus, com o próximo e com os demais, e não o homem para a religião. O ensinamento e comportamento de Jesus fazem com que os fariseus – e escribas – tanto quanto, os herodianos temem, não com os estragos da religião, mas com os seus privilégios religiosos. Eles se fazem dono da religião para obter o benefício próprio manipulando o povo com suas ideologias religiosas e suas espertezas, inventando leis e normas rígidas em nome de Deus para amedrontar e controlar o povo, mantendo-o, dessa forma, continuamente sob o seu domínio, explorando-o feito escravo. Temem, porque a atitude libertadora de Jesus diante do rigorismo religioso hipócrito pode fazer com que o povo consegue ter consciência mais crítica sobre sua situação e, então, lutar pela sua digna liberdade de filhos de Deus e sua autonomia e que faz com que eles perderão o prestígio, o poder e a posse.
Com uma pergunta provocadora baseada no próprio conhecimento dos adversários, Jesus liquida, de uma só vez, a casuística dos piedosos: “É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer” (v.4)? Com essa provocação, Jesus quer que o princípio fundamental da compreensão da Lei do sábado seja rediscutido. Todavia, eles não querem arriscar, negam-se a responder e preferem ficar em silêncio tramando suas armadilhas. Com seu ensinamento renovador e seu comportamento libertador, Jesus incomoda essas pessoas piedosas que se fazem dono da religião e fiscais da fé, desmascarando suas hipocrisias religiosas e políticas, de tal modo que eles não vêem a hora de o assassinar. Para executar seu crime, os fariseus precisam unir suas forças com os partidários de Herodes Antipas, que governa na Galileia sob autoridade do império romano. Juntos vigiam todos os passos de Jesus, atentos às suas palavras, não para assimilar suas mensagens, mas para poder servir de motivos para matá-lo. O ser humano, por incrível que pareça, não conseguiu tornar-se humano, até hoje, sempre se inclina para dominar e subjugar o outro em vez de conviver harmoniosamente com os diferentes, respeitando o seu jeito de ser, de viver e fazer. Sempre vê o outro, não como companheiro, isto é, estar na mesma companhia, mas como impedimento.
Conforme o mandamento principal (cf. Mc 12,28-34), a vontade de Deus consiste no praticar o bem e evitar o mal. Além disso, os próprios rabinos têm estabelecido uma regra correspondente – de salvar a vida – aplicável ao sábado. O que Jesus tem feito, no dia de sábado, este e outros anteriores, está dentro da norma, isto é, de acordo com a ortodoxia rabínica. Com os ditos e atos de Jesus, o problema dos piedosos, agora, está descoberta ao olho nu: a contradição entre ortodoxia e ortopraxia (teoria e prática), suas teorias e orações não correspondem com suas práticas convivenciais do dia a dia, como dizem os latinos: “faça o que eu digo, mas não vê o que eu faço”. O olhar de indignação de Jesus (v. 5) demonstra a tristeza de Deus por causa da arrogância e dureza do coração dos fariseus, dos escribas e dos seus partidários, de não permitir a realização da vontade salvadora e libertadora do Pai na vida de seu povo necessitado e oprimido. A dureza de seus corações (cf. Mc 6,52; 8,17; 10,5) confirma, de fato, a vontade de querer permanecer no mal. De tal dureza os seus corações a ponto de não conseguem reconhecer seus próprios erros e limitações, contudo, avaliam os ditos e atos silvíficos de Jesus como rebeldia, violação das regras, transgressão da Lei, da tradição.
Jesus manifesta aos pequenos abandonados e explorados, aos injustiçados e excluídos o seu amor compassivo e misericordioso, revela a sua força de vontade libertadora para a salvação da vida dos necessitados, nos quais se torna visível o rosto amoroso de Deus-Pai: “misericórdia é que eu quero, e não o sacrifício” (cf. Mt 9,13). Isto é, a vontade de Deus passa por cima de todas as regras, costumes e preceitos religiosos, pois o mais importante é a vida humana-imagem e semalhança e filho que está em perigo, e não a religião e as suas jogadas políticas e ideológicas.
Com isso, o autor da comunidade-Igreja de Marcos quer assegurar aos seus membros que Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso defenderá com generosidade à sua fé nele (2,5), porque ele veio para os pequenos abandonados, injustiçados, explorados e excluídos (2,17) como amigo e irmão que dá a sua vida por amor (cf. Jo 15,13), como senhor amoroso, compassivo e misericordioso do sábado (2,27; 3,4-5).
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BH., 18/01-2012
Lukas Betekeneng

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A NECESSIDADE IGNORA OS PRECEITOS E DESCONHECE A LEI

(Mc 2, 23-28)
F

azer feixes de espigas, mesmo com a mão, no dia de sábado era proibido pelo preceito religioso do templo (a lei do descanso) prescrito pelos fariseus. Portanto, os discípulos que arrancavam espigas com a mão e comiam para matar a fome enquanto caminhavam, no dia de sábado, faziam o que não era permitido num dia de descanso cultual obrigatório. E isso, irrita os fariseus, observantes escrupulosos da lei sabática e, então, protestam contra Jesus. A prática desrespeitosa dos discípulos num dia proibido, revela que Jesus é, segundo a ótica dos fariseus, que serve como pano de fundo e que motiva o seu protesto, o mau exemplo para com os seus, o verdadeiro transgressor da ordem legal da tradição religiosa, violador da lei do Senhor. O problema dessa lei cultual é que ela não está muito clara. Por exemplo, no livro de Deuteronômio (Dt 23,25.26) é permitido colher as espigas com a mão e consumi-las, mas segundo a opinião farisaica, baseada no livro de Êxodo (Ex 34,21), isso é proibido. Para os fariseus, arrancar as espigas, mesmo com a mão, no dia de sábado equivale a executar afazeres de colheita. Por isso que, através de sua resposta, Jesus mostra aos fariseus a relatividade da compreensão de toda a Lei e costumes em vista do bem da vida.
A profanação do sábado era castigada, e se quisesse aplicar a lei no sentido literal, com a morte. Por isso, Jesus se sente responsável pelo agir dos seus discípulos, e então, se defende, baseando-se no fato histórico semelhante. Sua resposta, ao mesmo tempo, provoca a irritação dos fariseus e os cala a boca, pois reconhecem que Jesus se demonstra, de fato como um bom conhecedor da história do povo e muito sábio na interpretação das Leis e costumes dos antepassados. Servindo-se de 1Sm 21,2-10, que relata sobre o episódio da vida de Davi, perseguido por Saul, que tinha pegado o pão sagrado no Templo e comeu, ele e seus companheiros. Davi e seus homens, assim, segundo o texto, tinham consumidos dos pães sagrados, isto é, oferecido a Deus, que na realidade só pode ser permitido aos sacerdotes, contudo, seus atos não foram acusados de transgressão.
Para Jesus de Marcos, o rigorismo sabático não leva ninguém a lugar nenhum. A finalidade suprema de todas as leis e costumes estabelecidos, na compreensão de Jesus, deve ser o bem-estar do ser humano. Isso, significa que, a necessidade do homem desconhece a qualquer Lei, por sagrada que ela seja. A vida do ser humano está acima de toda a Lei.
 Para finalizar sua defesa, Jesus prossegue seu discurso, proclamando a autoridade e autonomia do ser humano-imagem e semelhança e filho. Assim, Jesus rejeita a interpretação rígida dos fariseus da Lei do Sábado declarando que “Deus criou o sábado para o homem e não o contrário, portanto, o Filho do homem é o senhor do Sábado (vv. 27.28). Com isso, Jesus quis dizer que a partir de agora, não há mais necessidade do rigor da Lei, mas do exercício fundamental do respeito do direito, da justiça e da liberdade dos filhos de Deus. Todos os que seguem a Jesus devem compreender e viver o espírito da Lei, isto é, a misericórdia, e não a letra da Lei. A crença na Lei não salva a vida de ninguém. Somente quando ser fiel ao amor libertador de Deus imprimido na prática de justiça, do direito e da liberdade, será louvado pelo Senhor (cf.12,28-34).
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BH., 17/01-2012
Lukas Betekeneng

DA FÉ DA RELIGIÃO À FÉ RELIGIOSA: o crescimento maduro da vida e do amor

(Mc 2,18-22)
A

 atitude de Jesus nos mostra que viver a fé de modo diferente é possível. Isso representa a creatividade na fidelidade e o crescimento maduro da experiência do amor de Deus. Dois tipos de escolas da vida de fé (a escola batista e farisaica e a escola nazarena) foram colocadas lado a lado para revelar, cada qual a sua compreensão sobre o ser homem e mulher de fé na concepção da religião (enquanto sistema) e na concepção religiosa enquanto a sua natureza essencial e criadora como imagem e semelhança. Para a escola batista e farisaica de fé, ser fiel à tradição religiosa e/ou ser piedoso é fazer-se dócil à autoridade como detentora do poder de fato e de direito religioso e seguir todas as regras religiosas por ela estabelecidas, cumprir todas as normas e preceitos legais do sistema religioso, independentemente do contexto. Essa compreensão do ser piedoso e fiel ao sistema religioso revela o tipo do rosto de um Deus-juiz, ciumento, autoritário, tirano, raivoso, vingativo, condenatório. Essa é a característica do Deus-preceito, dogmatizado e/ou doutrinado. Isso significa que o centro dessa escola de fé, não é a própria Vida – de Deus – humanizada e Humana divinizada, mas os preceitos criados pela autoridade, as delimitações dogmáticas e/ou doutrinárias (a lei). O ser humano é, nessa concepção religiosa, feito para a ideologia da religião, o escravo dos preceitos.
Diferente das escolas batista e farisaica, a escola nazarena dá um novo rumo do ser religioso, do ser fiel e piedoso, um novo compreender da religião, e revela, com isso, o rosto de um Deus totalmente outro, distinto das escolas farisaica e batista. Para Jesus, ser fiel à tradição religiosa não é seguir todas as regras estabelecidas cegamente, muito pelo contrário, ser fiel e/ou piedoso é fazer a tradição progredir, atualizá-la e/ou adequá-la em cada contexto, dar-lhe o novo sentido, o novo impulso, uma nova dinâmica para a vida. Qualquer lei, regras e/ou preceitos religiosos, por melhores que sejam, têm sempre como núcleo é a vida humana (o ser humano-imagem e semelhança e filho), que é o Espírito de Deus em pessoa no mundo e não o contrário. Seguir os preceitos religiosos como fazer jejum no tempo prescrito pela tradição, segundo o Jesus de Marcos, não é o mais importante do ser fiel ao amor de Deus. Essa é a prática externa que pode ser manipulada para enganar os olhares, como feita uma maquiagem para esconder a podridão da realidade. A essência do ser religioso é traduzir o amor de Deus em práticas de justiça e do direito, de liberdade e solidariedade, do diálogo e da paz, do perdão e reconciliação. Vale alguma coisa jejuar o corpo da fome e sede e mortificar a alma dos desejos num determinado tempo sem modificar o comportamento mais justo, solidário e, portanto, mais humano? Não tem sentido nenhum rasgar as roupas e chicotear o corpo sem rasgar o próprio coração e transformar o próprio comportamento (cf. Jl 2,13). O jejum ritual da abstinência de alimentos em si não é mau, mas pode não ter valor nem sentido para a vida se não houver uma opção profética de entrega de si próprio, se não houver uma capacidade de esvaziar-se para assumir com afinco o projeto do convívio fraterno de Deus e fazer acontecer a vontade do Pai (10,45).
Na resposta de Jesus às perguntas dos discípulos de Batista e dos fariseus revela que a novidade radical do Nazareno transforma por completo o ser, isto é, não tolera comportamento de apegos do passado. Assim, a nova aliança representa um salto qualitativo, efeito da ação libertadora de Deus que inaugura o novo tempo, uma nova vida e um novo jeito de ser e relacionar, pois: “ninguém jamais põe um remendo de pano novo numa roupa velha e o vinho novo em odres velhos” (vv. 21. 22). Dizemos que a escola nazarena se desvincula das instruções farisaicas do templo tanto quanto da prática desértica de ascese do Batista. Nessa resposta-parábola de Jesus do esposo, o autor, na realidade, está fazendo a memória do segundo patamar da experiência do relacionamento afetivo nupcial do Deus-amado/amante (a erosfania) para com a humanidade. Por esse tipo de relacionamento afetivo do amado/amante (místico/erótico) que faz com a vida se torna mais alegre feita uma celebração, uma festa sem fim. O que Jesus de Marcos quer dos seus seguidores é a resistência até o fim, mesmo diante do ódio, da maledicência e da perseguição (5,11-12). A base dessa resistência consiste no fazer o bem de modo justo e libertador para com todos aqueles que são explorados e oprimidos, injustiçados e desprezados, abandonados e excluídos, que não são outra coisa senão o semelhante, são do mesmo sangue e da mesma carne (cf. Is 58,6-7).
É necessário fazer passar da fé segundo a concepção da religião, enquanto sistema, à Fe religiosa que é a essência da natureza humana criadora. A fé da religião delimita e limita empobrecendo a rica experiência do amor de Deus manifestado de modo livre e contextualizado, ao passo que a fé religiosa alarga e aprofunda o horizonte da compreensão da manifestação da vida e amor de Deus mais abrangente e livre, mais aberta e mais dialogal com a diversidade individual, sociocultural e sociopolítica, portanto, mais comunional e enriquecedora. É preciso crescer e amadurecer na experiência de vida e amor de Deus, a cada dia e sempre mais.
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BH. 16/01-2012
Lukas Betekeneng

domingo, 15 de janeiro de 2012

DESCOBRINDO O CRISTO: Processo vocacional do seguimento de Jesus

(Jo 1,35-420)
A

 vocação é uma ação de mão dupla, isto é, de Deus, como iniciativa primeira, e do ser humano, e é feita desde o seio materno. Deus chama o ser humano a partir de dentro para dentro do cerne do ser. Mas, em algumas situações ela também pode ser pro-voca-da ou despertada pela ação secundária e/ou situação externa. A vocação de Deus é única, mas a resposta dada pelo ser humano é de formas diversas. É de suma importância não confundir a essência da vocação com a profissão. A vocação é o chamamento para “ser”, ao passo que a profissão é o “fazer” técnico, o desenvolvimento técnico do dom e/ou talento específico para manter o bem-estar da existência, própria, do próximo e o dos demais como testemunho de vida e amor-caridade-corresponsabilidade. É nesse campo do testemunho que surge a missão. Por isso pode e deve diferenciar, mas não pode e não deve separar (ou, excluir) o “ser” dos “conviver” e “agir” (com-vocação-co-missão-profissão ou ação), os três sempre estão entrelaçados, ou seja, não dá para falar de um sem os outros dois. Deus nos chama para ser o seu povo, nos enviou para conviver com os outros no espírito de fraternidade solidária e nos capacita de dons e/ou talentos para ser desenvolvido e executado para garantir o bem-estar existencial. A vocação é única, mas as respostas são diversas, as missões são muitas e as profissões são diversificadas, contudo, provem de um e mesmo Espírito (cf. 1Cor 12,4).
O chamamento de Deus não é tão claro como o grito dos homens, é o ruído muito confuso no ouvido, interno e externo, das pessoas por isso requer um acompanhamento personalizado e o discernimento vocacional sério antes de dar qualquer resposta (cf. 1Sm 3,3b-10.19). O primeiro livro de Samuel relata muito bem essa realidade vocacional.
Já falamos anteriormente que a vocação é a voz de Deus que surge de dentro para dentro do interior, contudo, em certas situações essa voz não foi possível ser ouvida nem sentida a sua vibração, por isso precisa ser despertada e/ou provocada. O Evangelho de João (1,35-42) ilustra esse fato de provocação (testemunho) vocacional do discipulado do Nazareno, como testemunho de João Batista: “Eis o cordeiro de Deus” (v. 36) e de André: “Encontramos o Messias” (v.41). Os testemunhos fazem com as pessoas descobrem um “ser ideal” para ser seguido, no nosso caso, o Cristo. Nesse relato, o autor da comunidade-Igreja joanina mostra que Jesus chama os seus discípulos indiretamente. Isto é, através das experiências dos outros, compartilhadas dentro do grupo de convivência e/ou na vida familiar.
A pergunta dos discípulos: “onde moras” – em grego, menein, que quer dizer permanecer (v.38), na cultura da comunidade-Igreja joanina, não é uma simples pergunta sobre o lugar e/ou o lar residencial, é muito mais além do que isso: sobre quem é Jesus de Nazaré, sobre seus sonhos ou projetos de vida, sua razão de ser, sua maneira de conviver e agir. A primeira palavra de Jesus nesse contexto joanino de chamamento vocacional de seguimento é feita em forma de pergunta: “o que estais procurando” (v.38)? Essa pergunta é de suma importância, pois existem seguimentos sem nenhuma motivação clara e profunda, buscas equivocadas e interesseiras. De uma pergunta e outra, Jesus lança seu convite: “vinde e vede” (v.39). Assim, ser discípulo, segundo a concepção de João, é aquele que reconhecer Jesus como Messias enviado de Deus, acolher o testemunho, tomar a atitude de segui-lo no seu caminho, de permanecer com ele, até que se torna a testemunha viva de Cristo (ser alter Christus = outro cristo).
O dinamismo de vida do discipulado, segundo o autor da comunidade-Igreja joanina, sempre gira em torno dos testemunhos, do desejo de conhecer e da atitude de caminhar em busca, de um lado e de outro, as contínuas perguntas examinadoras sobre o objetivo sincero e profundo da procura e do convite para permanecer. Assim, a permanência no caminho vocacional depende muito do testemunho antes e durante – interno e externo, a atitude e/ou desejo de seguir no caminho e do discernimento na busca da experiência. Quem fazer boa experiência e tem bom conhecimento, consegue encarar os desafios dentro e fora (6,68).
Jesus não chamou os seus discípulos diretamente, mas através dos seus ditos e atos, experienciados (ver e conhecer) e testemunhados pelos outros. O testemunho de João Batista sobre Jesus como cordeiro de Deus é cristológico. Isto é, Jesus é a salvação de Deus em operação do mundo. A presença, os atos e ditos de Jesus são vistos como ações que trazem a vida libertada para todos (cf. 10,10). Essa (a vida fraterna, em abundância) é o centro do anúncio evangélico da comunidade-Igreja joanina. O Jesus de João é a vida amorosa e compassiva de Deus doada para resgatar a vida da humanidade-imagem-e-semelhança do Criador. É nessa experiência de permanecer com ele que os discípulos descobriram o Messias prometido, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso. O testemunho eficaz do Batista faz com que os dois discípulos dele deixaram a comunidade e seguiram a Jesus no seu caminho (v. 37) e permaneceram com ele. Assim, compreendemos a relatividade da resposta vocacional. Ou seja, responder o chamado é um contínuo processo, uma eterna aprendizagem, uma busca permanente. As formas de vida vocacional não é a meta, é o caminho que pode ser deixado ou mantido depende da experiência do testemunho de vida e do discernimento.
João Batista diz que Jesus é o cordeiro de Deus. Isso significa duas coisas. O primeiro, o jeito de ser e viver de Jesus de Nazaré revela o rosto de Deus da vida para o mundo. É aquele que sempre está disposto a lutar pela vida e liberdade de todos, a ponto de entregar sua própria vida por amor da vida de toda a humanidade (cf. 15, 13). O segundo, o autor quer comunicar para os membros de sua comunidade que o sangue de Jesus é o novo e o último sinal da aliança salvífica de Deus para com o novo Israel. Isso significa que, a Aliança jesuânica, selada com seu próprio sangue supera a aliança mosaica, selada com o sangue do cordeiro sacrifical (cf. Ex 12,7).
Como está indo a nossa vida de testemunho? Muito fácil convidar as pessoas para nos seguir e conhecer, mas não raramente darmos o testemunho adequado para motivar e fortalecer o desejo das pessoas para permanecer conosco. Temos enorme dificuldade de traduzir nossas orações em vida concreta porque os versos de nossos salmos e de nossas preces não são da nossa própria experiência de vida cotidiana. Nossos textos litúrgicos são mais preceitos e definições dogmáticos e doutrinas que são belos, mas muitos secos e vazios, não representam vidas, não tocam a experiência real do cotidiano, por isso não conseguimos concretizar na nossa vida, tanto na própria comunidade eclesial, familiar, quanto na sociedade como um todo.
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BH. 15/01-2012
Lukas Betekeneng

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

VIVER É CONVIVER COM OS DIFERENTES


S

er é uma graça de Deus em pessoa na terra; estar no mundo com todos os demais é uma oportunidade única oferecida para ser abraçada; viver é uma dádiva divina doada aos viventes, e conviver é uma arte de conquista diária. Homem algum é uma ilha. Assim, o título do livro de Thomas Merton. Isso quer dizer que, o ser humano é criado para ser e viver com. Eu me torno como sou, hoje, graças à minha convivência com os outros e as demais realidades que estão em meu redor. Sem eles eu sou nada; com eles, eu posso e sou “tudo”, hoje, e amanhã, e sempre mais. Para me tornar como sou, no aqui e agora e amanhã, eu preciso muito dos Outros e dos outros. Assim, o conviver e correlacionar são uma necessidade básica da humanidade: o ser humano é, desde o princípio, criado para ser e viver para com os outros (cf. Gn 2,18).
Eu sou parte dos outros, sou parte do mundo, sou fragmento do Planeta; o outro é o meu “tu” fora de mim; por isso, a perda do outro, não só me empobrece, mas também, e principalmente, me enfraquece, pois sou parte essencial dessa humanidade criada à imagem e semelhança do Criador (Gn 1,26) e adotada para ser filho no Filho (Gl 4,5). Mas por que, na realidade cotidiana, o conviver e correlacionar com os diferentes se torna tão difícil? Por que tão difícil de aceitar e respeitar o outro como totalmente outro e viver e fazer como ele é? Por que tão difícil suportar as diferenças?
Conviver, mesmo sendo uma arte, não é uma tarefa simples e fácil de ser realizada; é preciso de muita sabedoria, maturidade, humildade, equilíbrio, responsabilidade e, acima de tudo, de muita paciência, compreensão, tolerância, respeito, autodomínio e diálogo permanente para garantir a paz, o equilíbrio e a harmonia na convivência com as diversidades. Por isso conviver é também uma contínua aprendizagem: aprender a acolher os diferentes, a respeitar o outro como outro diferente, a amar (e perdoar) as diferenças tidas, não como impedimento, mas como oportunidade aberta, como riqueza que fortalece, dinamiza e unifica. Como seria o nosso mundo sem os outros e os demais? Como seria o “eu” sem o “tu”?
O texto de Mateus (Mt 2,1-12) nos apresenta dois tipos básicos do comportamento de pessoas que se encontra no dia a dia de vida da sociedade, representados pelos magos e Herodes: uns (os magos) que, com alegria e entusiasmo, buscam constantemente os caminhos para o encontro com o outro afim de incluí-lo como parte integral da força de vida e de esperança para o futuro, ao passo que os outros (Herodes), com o ímpeto, o medo e o ódio, esperam por momentos oportunos para o confronto cuja finalidade para excluir o outro, pois para eles, o outro é o impedimento a ser tirado do caminho, o inimigo mortal a ser apagado do mapa da convivência.
O autor mostra, com detalhes, o anseio profundo e sincero, a sede do encontro dos magos com o menino, fruto da fé esperançosa, madura e humanizadora, de um lado e do outro, e o desejo oculto e o querer irônico, gerado na razão manipuladora e brutal do poder institucionalizado de Herodes. E mais, o episódio dos magos revela, na realidade, a própria experiência da comunidade-Igreja cristã primitiva que tinha da presteza dos pagãos em aceitar a fé crística da Boa Nova do Nazareno e a lentidão dos judeus para acolhé-la. Em vez de ignorá-lo, seria mais lógico que o Israel reconhecesse e acolhesse seu messias prometido. Tanto é verdade essa atitude de desprezo e ignorância por parte dos judeus que faz com Jesus tinha declarado publicamente dizendo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria (Lc 4,24).
Rejeitado pelo próprio povo e perseguido pela autoridade religiosa e política, o Messias é reconhecido, procurado e acolhido pelos que estão longe. São os não-judeus que acolheram a mensagem da Boa-Nova de Cristo, são eles também que aderiram ao movimento de renovação de vida, de transformação de mentalidade, de mudança de comportamento, são os primeiros que entraram e fizeram parte da comunidade-Igreja. Ao relatar as visitas dos magos, o autor resgata a memória do povo sobre a visita feita pela rainha do reino oriental de Sabá ao rei Salomão (cf. 1Rs 10,1-13). Assim, Jesus de Nazaré é o Novo Salomão.
Como está indo a nossa convivência comunitária, familiar, política, eclesial e social? Não raramente tratamos os outros, não como amigos e irmãos, mas como inimigo. Muitas das vezes queremos vencer, derrubar e até eliminar o outro. Mais fácil exigir dos outros serem como queremos do que respeitamos o jeito como eles são.
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BH. 11/01-2012
Lukas Betekeneng