(Mc 1,14-20)
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ara Marcos, Jesus de Nazaré começa sua vida pública (anunciar o Evangelho de Deus) a partir da sua terra natal, Galileia, só depois da prisão de João Batista (v.14). Dois protagonistas, dois estilos de vida e dois caminhos diferentes, todavia, com o mesmo fim: enfrentaram a morte cruel por amor a Deus e ao próximo. A condenação do Batista, na opinião do evangelista, é como conclusão do tempo antigo (tempo de espera) e, ao mesmo tempo, o início de um novo tempo messiânico (tempo kairótico, tempo da graça). É necessário que o “velho” desça do palco para que o “novo” entre em cena.
Por que Jesus deve começar a sua pregação a partir da Galileia e não da Judeia? Por que ele não começar a sua vida pública quando João estava na sua plena atividade, no deserto? É verdade que o processo de chamamento aconteceu de forma monóloga, sem nenhuma conversação entre quem chama (Jesus) e os que são chamados (os discípulos)? Qual é a mensagem que está por trás dessa omissão de detalhes cultural e familiar? O que Jesus quis dizer com essa frase: “... eu farei de vós pescadores de homens” (v. 17)?
Como João Batista foi o precursor, cujo papel para preparar o caminho para Messias esperado, que ainda está na plena atividade, esse fato foi lido, teologicamente, como motivo pelo qual Jesus deve “esperar” até que o tempo de espera se completa o seu percurso. Essa “razão de Deus” se expressa de modo claro nesse termo: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (v. 14). Jesus é, portanto, o tempo novo de Deus em pessoa, tempo de mudança de vida, mudança de comportamento, tempo de re-nova-ação (renovação) e trans-formar-ação (transformação). A noite de espera do Messias prometido já chegou ao fim e o raiar do novo dia da graça já está próximo. É o novo tempo de edificar uma nova humanidade onde a paz, a liberdade, o direito, a justiça, o respeito e a tolerância, a compreensão e solidariedade têm o seu lugar na vida de todos. Para fazer parte no reino de Deus é necessário passar pelos dois crivos: a conversão de vida e a aceitação (crer) do Evangelho de Deus, trazido pelo Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso.
Conversão, isto é, o abandono da vida de infantilidade adâmica para apropriar a vida de maturidade crística; afastando-se dos caminhos errados para retornar ao caminho messiânico; trancar as janelas do crime e da morte e abrir as portas da graça de vida em plenitude. Isto quer dizer, a mudança de mentalidade, a transformação do coração de pedra em carne (cf. Ez 36,26), a renovação de atitude em vista da procura do Deus da vida (Am 5,4-6.14ss; Jr 31,18ss). É libertar-se do apego ao relativo ou passageiro em prol da conservação da vida eterna (cf. 1Cor 7,29-31).
Crer no Evangelho, no pensamento de Marcos significa: aceitá-lo com todas as forças e acolhê-lo com plena confiança e seguir fielmente no caminho salvífico segundo o Anúncio da Boa Nova de Deus, trazido por Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso. A conversão de vida e o acolhimento do Evangelho, para esse autor, são o acesso primordial e decisivo para a entrada no Reino de fraternidade.
A Galileia, no tempo de Jesus, é a região muito discriminada pela Judeia, acusada de infiel e traidora da tradição e costumes por causa de seu espírito carismático. Diante de uma longa história de dominação, de opressão estrangeira e discriminação e injustiça interna, permanece na Galileia a esperança do cumprimento do tempo messiânico no qual Deus concretiza sua promessa de libertação definitiva. Começar a anunciar a proximidade do reino de Deus a partir da Galileia, Jesus quer demonstrar sua preferência e seu amor pela sua terra e seu povo, apesar de dessa mesma terra e desse mesmo povo que antes o acolheu e depois o discriminou e o rejeitou (cf. Lc 4,24). Segundo o evangelista, Jesus de Nazaré é o Reino – da paz, da alegria, da justiça, da liberdade e libertação e da bondade – de Deus em operação (cf. Is 52,7 Sl 114,5; Ef 2,14; também, Cl 1,15). Assim é a ciência de Deus: da terra discriminada e do povo humilhado e oprimido, Deus faz surgir o seu profeta, seu messias e seu líder-pastor para envergonhar os poderosos, religiosos e políticos.
Lendo o texto de chamamento de Jesus, a primeira impressão que se tem é como se fosse feito de forma mecânica, muito monologa sem nenhuma conversação entre eles e nem demonstra o sentimento de intimidade cultural e familiar. Acreditamos que se não tivesse o diálogo prévio, Jesus não teria a condição de conhecer as pessoas e, consequentemente, não as chamaria – de modo tão inconfundível. Contudo, o autor omitiu os detalhes das conversações de encontro (que são o elemento essencial da convivência cultural e familiar) para ressaltar o sentido teológico e espiritual do chamamento do discipulado. O abandono do trabalho, dos familiares e amigos, da rede e do barco (v.20), expressa, de modo simbólico, a plena disposição dos chamados, o entusiasmo da entrega de vida e a prontidão para assumir a nova responsabilidade. Esse espírito de euforia vocacional, a disposição e entusiasmo inicial tudo será explicado, desenvolvido e aprofundado ao longo do Evangelho como processo gradual de renúncia à antiga vida e profissão e a todos os bens próprios do passado.
O autor revela, através do texto, três passos decisivos usado por Jesus no processo de chamamento dos seus discípulos: primeiro, ir ao encontro e entrar na situação de vida e trabalho (para adquirir o conhecimento) dos chamados; o segundo, no clima de intimidade familiar e cultural que começa a fazer convite ou chamamento de modo efetivo; e o terceiro e último, o entusiasmo, a disposição e a prontidão no seguimento do discipulado.
Jesus tem feito a promessa de lhes fazer, no futuro, “os pescadores de homens”. O pescar como atividade cultural para garantir a sobrevivência pessoal, familiar e social recebe, agora, a importância de seu sentido teológico e espiritual. A atividade de pescar faz parte, realmente, da metodologia da ação salvífica e libertadora de Deus (cf. Zc 10,8; Jr 16,16; 31,10s; Ez 37,21). Assim, ser pescador de homens significa, nesse sentido, ser “rede” de Deus para reunir toda a humanidade fazendo-a uma só família tendo o próprio Deus como o único Pai, e que todos somos irmãos, de carne e de sangue, de Jesus Cristo, que entregou sua vida por amor a Deus e por nossa causa (cf. Gl 1,4; Ef 5,2).
O chamamento para seguir a Jesus no seu caminho e participar da sua missão, segundo o autor da comunidade-Igreja de Marcos, é um contínuo convite à resposta progressiva: sim, deixo tudo e te sigo, não apenas em fazer uma experiência de conversão total, mas continuamente, até o fim, quando Deus se torna tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Seguir Jesus é formar uma unidade comunial com ele, é deixar-se instruir e guiar por ele, crescer e amadurecer dentro de uma nova família edificada na base da fé fraterna e aberta por sua cruz e ressurreição e glorificação, alimentada pelo seu pão-corpo e vinho-sangue da vida plena e eterna.
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BH., 22/01-2012
Lukas Betekeneng
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