(Jo 14,1-31)
Observação preliminar
Primeiramente quero lembrar a todos que, não tem como entender a mensagem do NT de modo correto e profundo sem ter antes alguma noção básica da estrutura do AT: o mínimo de conhecimento sobre o contexto da época, linguagem cultural, forma de pensar, de falar e agir, a maneira de compreender a realidade. Pois, aqui há interminável jogo de luzes de dois tempos das Alianças: Mosaica (a base onde tudo começou) e Jesuânica (a plenitude onde tudo recomeçou). Ou seja, a luz da Aliança Mosaica explica a mensagem de discursos do NT e a luz da Aliança Jesuânica, por sua vez, plenifica (dando vida nova, o novo vigor) as mensagens dos discursos do AT (cf. Mt 5,17-19).
Em segundo lugar, quero avisar-lhes que a forma desse texto remonta, na verdade, o gênero literário dos discursos de despedidas dos grandes heróis de Israel, desde Jacó até Moisés (cf. Gn 47,29 – 49,33; Js 22 – 24; 1Cr 28 – 29; o texto menor se encontra em 2Rs 2,1-10; todo o livro do Deuteronômio apresenta o discurso de despedida de Moisés, e termina com a bênção final, em Dt 32 – 33). Por isso que para muitos exegetas consideram Jo capítulo13 até 17 como “o Deuteronômio do NT”. Assim, Jesus é crido e colocado como grande “herói” nesta mesma linhagem.
Em terceiro, a parte introdutória deste texto está no capítulo 13, 31-38. O autor do quarto evangelho faz, quase, de propósito essa divisão para revelar a realidade interna – bem dividida – da comunidade dos discípulos após a morte de Jesus. O primeiro grupo dessa divisão (parte introdutória) é representado pelo Pedro junto com Judas e de outro (capítulo 14), por Tomé, Filipe e Judas – não Iscariotes. Com essa colocação nos faz entender (ou, pelo menos suspeitar) quem é Pedro na visão da comunidade joanina do Evangelho: a culpa de Pedro (como negador de Jesus) não é menos mal que a de Judas (o traidor do Mestre); ou seja, o ato de trair (o fruto) se inicia (tem como origem) na atitude de negação (a raiz onde tudo começou). Em outras palavras, o veneno da negação petrina tem o mesmo efeito da traição iscariotas: a escalada de violência e, enfim, a morte cruel. Assim, cada erro sempre é um erro, não tem como dividir se o erro é menor ou maior, pois não existe nem balança nem metro ou um outro qualquer instrumento de medição mais adequado em nenhum lugar no mundo que possa ser usado para medi-lo. O pecado (o erro) não tem cor nem raça, não tem nacionalidade nem idade, não tem profissão nem religião, não tem peso nem medida. A questão de pecado mortal e/ou venial é uma consideração psicológica e não teológica. Uma vez errou, está errado, a conversão é outra história. E, assim, mesmo que Pedro, depois da negação, seguiu a Jesus até à morte, ele carrega pelo resto de sua vida essa marca como o negador do Guru, na visão da comunidade joanina. Mas também preciso lembrar que não há critério para dizer que um convertido tem menos ou mais a santidade que os demais diante de Deus (cf. Sl 143,2), uma vez que a existência do erro humano não atinge, em cheio, nem provoca a mudança de rota (direção) da essência da graça de Deus no mundo. Ele (o erro) provoca, no entanto, o clima do inter-relacionamento convivencial humano e sua interferência na percepção da vida de fé e de afetividade. Os efeitos desses atos de negação e traição, além de levar Jesus à morte, provocam, igualmente. o medo, a desconfiança, o abalo da fé, a perda de sentido e de rumo e as incertezas – que também são sinais da morte potencial – na vida da comunidade dos discípulos – e mais tarde na comunidade joanina, - que vai ser tratado no capítulo 14.
Recolhendo dados textuais
É difícil fazer a distinção da dinâmica interna deste capítulo 14 de João. Por isso limito-me a umas descrições de suas principais mensagens temáticas para a nossa reflexão.
Na parte introdutória (13,31-38), após a saída de Judas (que em vez de optar pela participação, optou pela traição), inicia-se a cena da paixão (13,31-35); e Pedro retomou a conversa, como de costume, interferindo (primeira intervenção – 13,36-38) no discurso de despedida de Jesus, perguntando-lhe: “para onde vais” (13,36)? O clima de incerteza, de curiosidade e medo – misturado com certa coragem e animosidade, e a declaração de Jesus sobre a atitude contrária de Pedro, mais tarde (13,37-38), começa a esquentar as conversas. No meio dessa situação (da traição que se inicia e a negação após como conclusão de cena da paixão e, ao mesmo tempo, a introdução de um novo começo da história (o tempo apostólico, o tempo do Espírito, da comunidade-Igreja), que provoca o clima de medo, de incerteza e de desconfiança entre os discípulos), Jesus tenta reforçar o fundamento que serve de suporte para a vida dos discípulos daqui e em diante, dizendo: “Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (13,34-35). Essa mensagem mexe com coração dos discípulos, com coração de qualquer um, gela o calor de toda a euforia da autoconfiança de Pedro. Este é o coração de vida cristã: o amor! É o amor a Deus que passa necessariamente pelo amor ao próximo. É a pedra angular sobre a qual e para a qual se edifica a comunidade-Igreja de fé crística. O amor é o ser de Deus, em Cristo. O evangelista vai retomar esse tema de amor com mais profundidade no capítulo 15.
Capítulo 14, 1-4 é a retomada do discurso de Jesus sobre sua partida que vai servir de moldura do conteúdo principal: a situação dos discípulos. Assim, o capítulo começa – e termina – o discurso revelando a situação de perturbação e medo na vida dos discípulos por causa dos fatos que estão ocorrendo (a traição de Judas) e vão ocorrer mais tarde na vida do Mestre (vv. 1. 27). Nesta situação Jesus deu a seus discípulos o conselho de fé – no Alto que passa pela confiança em pessoa humana real, palpável que se convive e co-relaciona no dia a dia, aqui embaixo do nosso chão, assim como foi com os antepassados (cf. Ex 14,31): “Credes em Deus, credes também em mim” (v. 1). E completa: “... vou preparar-vos um lugar, ...”; é uma consolação que serve como garantia de uma certeza de Vida no além-vida, como forma de reacender a esperança de vida e o ânimo no aqui e agora para poder continuar perseverando rumo ao futuro (v. 2-4; cf. também, Dt 1,33, que fala de Javé como guia que andava à frente para preparar um lugar para o povo). Esta cena faz a “memória”, de despedida de Moisés que anima o povo a entrar na Terra prometida (cf. Dt 1,29; 31,6. 7. 23; também, Js 1,6. 7. 9). Mesmo dando o conselho de “não ficar perturbado o coração”, o próprio Jesus ficou “perturbado no seu coração” na presença da morte (cf. 12,27; 13,21). Mas, justamente a partir (e não apesar) dessa experiência real de vida que faz com que uma pessoa capaz de e sempre estar disposta a consolar os outros que estão na mesma situação.
Segunda intervenção, agora é de Tomé (vv. 5-7); parece que a fala de Jesus ficou meio nebulosa para os discípulos, não ficou muito claro, ficou enigmático demais por isso pergunta: “Não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho” (v. 5)? A visão dos discípulos ainda está no pré-pascal por isso não entenderam nada o que Jesus quis dizer (cf. Jo 2,22; 12,16). Jesus, então, esclarece, enaltecendo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. E conclui, “Se me conheceis, também conheceis a meu Pai. Desde agora o conheceis e o vistes” (vv. 6-7). Aqui, está mais claro do que nunca o nosso tema: a esperança, a fé e caridade cristã, não estão em um método nem no procedimento e/ou em outra coisa qualquer, mas centradas na pessoa real, viva de corpo e alma. Do contrário, a esperança, a fé e o amor se transformariam em pura hipocrisia, vício, um vazio, doentio. Se o mundo é o espaço histórico único e privilegiado onde Deus se manifesta sua presença amorosa, então o mundo já é o pan-sacramento de Deus que o ser humano deve vivenciar e cuidar. E este ser humano não é outra coisa senão o Espírito de Deus em pessoa no mundo ( Cl 1,15).
Terceira intervenção, desta vez é de Filipe (vv. 8-21); “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta” (v. 8)! Mesmo que Jesus já tinha respondido na pergunta de Tomé, Filipe não ficou satisfeito, ele quer algo novo. Isso nos dá a impressão de que ele não teria entendido bem a resposta dada a Tomé. Em vez de se concentrar sobre Jesus histórico, que é o Espírito do Pai em pessoa no mundo, Filipe quer uma manifestação divina bem diferente, mais convincente, igual às antigas epifanias. O desejo de “ver Deus” é o máximo que um coração humano pode sonhar na sua vida terrena, é a promessa mais alta da satisfação plena e eterna do espírito gemido (cf. Ex 33,12-23; Mt 5,7; 1Jo 3,2; cf. também, Rm 8, 23). Moises rezou pedindo para ver a glória de Deus, isto é, ver face a face, mas Deus só permite vê-lo pelas costas. No pedido de Filipe Jesus diz que quem o vê, vê o Pai. Aqui está o jogo da linguagem mística semítica sobre a visão espiritual dos sábios orientais: “na costa de Deus, a face do humano; e na face de Deus a costa do humano”. Vamos tentar explicar um pouco essa expressão: para os sábios orientais, o divino e humano são inseparáveis. Isto é, são duas faces da mesma realidade, feita moeda de ouro, os dois lados têm o mesmo valor. Por isso Jesus declara: “Eu e o Pai somos um. Quem me vê, vê o Pai”. Essa é a característica da espiritualidade oriental: a face de Deus continua imperceptível, está na frente dele mesmo e que chama e atrai.
A figura de Filipe aqui representa àqueles que deixam de ver Deus na sua frente e corre em busca de um outro Deus bem fora, nos objetos, como nos diz Hans Küng: nos aços, nas madeiras, nos barros, nos metais, nos túmulos, nos papéis, nas “comidas” e “bebidas”. Tudo isso revela a profunda crise de sentido, é uma inversão de valores: o endeusamento e idolatria das coisas como se fossem Deus e a coisificação do humano-imagem-e-semelhança de Deus como se fosse objeto descartável. Essa realidade de qualidade da sensibilidade humana invertida (a perda da sensibilidade humana enquanto humano) que vai contribuir ainda mais na escalada de violência no dia-a-dia em nome dos deuses, na vida da sociedade como um todo e nas famílias.
A quarta intervenção é de Judas – não o iscariotes (vv. 22-31); o questionamento de Judas mostra a incompreensão da fala de Jesus. Parece que Jesus (isso se percebe no seu modo de falar) demonstra algo de estranho, de insatisfação que leva a entender que ele está criando uma disparidade na sua manifestação, está tomando uma atitude arbitrária, seria uma espécie de exclusão, por isso, pergunta: “Senhor, por que te manifestará a nós e não ao mundo”? A resposta de Jesus repetindo o princípio que já tinha dito desde o início: o amor: “Se alguém me ama, guardará minha palavra e o meu Pai amará e a ele viremos e nele estabelecemos morada. Quem não me ama não guarda minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que me enviou” (vv. 23-24). Nesta resposta, Jesus mostra a diferença entre os discípulos e o “mundo”, ou seja, entre quem é amoroso e quem não o é, usando a palavra identificadora, o “guardar”. Isto é, aquele que está aberto para escutar a Palavra com atenção, guardar suas mensagens com carinho no coração e vivenciar na prática do dia a dia com responsabilidade. Esse é o diferencial, o elemento verificador de quem é fiel e o infiel (cf. Mc 3,31-35). Somente quem ama escuta, guarda a mensagem no coração e pratica na vida a palavra da vida. O amor não é questão do ter, mas do ser. O amor é a essência divina. Deus é amor (1Jo 4,16), e o ser humano é o Amor divino em pessoa no mundo. Jesus Cristo é este Amor por excelência, o espaço do encontro do Divino trinitário com o humano social, a epifania de Deus em operação, o lugar do dom do Espírito.
Contemplando mensagens
Quero relembrá-los mais uma vez aqui sobre o tema central (o conteúdo tratado) desse texto, como se sabe, não é a partida de Jesus propriamente dita, mas a situação dos discípulos no momento, o futuro da comunidade de vida e fé do discipulado; a partida forma a moldura desse quadro. O autor mostra com evidência a preocupação de Jesus muito mais com a situação dos discípulos na véspera de sua partida que o seu próprio futuro próximo, de modo especial o futuro da vida dos discípulos no pós-pascal (paixão-morte-ressurreição-glorificação). Por isso, no discurso Jesus tenta, além de acalmá-los também reforçar o princípio essencial da convivência para garantir a unidade na comunidade do discipulado, e esse princípio que vai servir, igualmente, como marca da identidade de vida como discípulo-missionário – nos tempos apostólicos, isto é, na ausência da presença do Mestre de Nazaré (a palavra Nazaret ou Nazaré significa guardar).
a) Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros (13,34). Os atos e ditos salvíficos de Jesus é o modelo de vida cristã, independentemente das tradições e definições teológicas. Ser, viver e fazer como Jesus de Nazaré, o Cristo-Irmão misericordioso significa tornar-se o alter Christus – o outro Cristo. Aí, a nossa pergunta: o amor cristão está sendo de fato como exemplo saudável para o mundo? Qual a característica do amor cristão, segundo o Evangelho? É possível amar o próximo sem amor próprio?
b) Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim (14,6). A pergunta de Tomé demonstra a situação de desespero. Ele quer alguma coisa mais concreta que possa indicar certa direção a seguir. Ao responder a pergunta, Jesus não ensina sobre nenhuma fórmula doutrinária mágica ou um código legal nem indicar alguma imagem de alguns “grandes heróis” do passado, e também nem apontar para uma outra coisa diferente a não ser oferecer sua própria pessoa como garantia de vida esperançosa, de fé inquebrantável e de um amor sereno, profundo e sólido, que é o seu próprio ser, e que se imprime no jeito próprio de viver e agir. Ele ensina que a esperança, a fé e a caridade centradas na pessoa. Sua própria pessoa é, como na palavra de Hans Küng, o fundamento, o centro, o alicerce seguro da esperança da vida cristã. Quando a vida e o relacionamento entre os seres humanos vivos não oferecem mais os bons exemplos e nem trazem a esperança viva e a confiança segura, quando falta a serenidade, o respeito, a fidelidade e mútuo cuidado então a única saída, é procurar em outro lugar que não seja o ser humano vivo e ativo. E aí que está a raiz da idolatria, da violência, da destruição, da perda da sensibilidade humana quanto humano, da inversão de sentido, da crise de fé, da esperança e do amor mútuo. É triste ver, no dia a dia, as pessoas que têm mais facilidade e vontade de abraçar e beijar os objetos empoeirados que o seu próximo.
Se o Jesus joanino é o Cristo da fé eclesial, então com muito mais razão ainda de poder chamá-lo de “o caminho”. Portanto, Jo 14,6 pode e deve ser lido, contemplado e vivido em uma dimensão comunitária. Isto é, Jesus é o caminho da Verdade e da Vida, não somente por causa de uma atitude mística e espiritual individual de aderir a Ele, mas, sobretudo por causa da fidelidade a Ele em uma comunidade de fé afetiva e efetiva. Que tipo de cristão ou, cristã você é? O ser, o viver e o fazer dos cristãos estão oferecendo essa possibilidade de ser o caminho seguro, a verdade confiável e a vida saudável para o mundo? Acrescenta alguma coisa na vida só porque ser batizado, crismado, de ir à missa todo o dia, de doar todos os pertencentes para os outros sem a vivência do amor salvífico, isto é, o amor mais humano e solidário, mais tolerante e compreensivo (cf. 1Cor 13,1-3)?
c) Quem me vê, vê o Pai (14,9). Vida cristã deve revelar o brilho de Deus Pai-maternal e Mãe-paternal e Filial da vida e do amor salvífico ao mundo. Se fosse o contrário não seria a vida cristã. Que rosto de Deus que você, através dos seus ditos e atos, revela ao mundo? O que é que os cristãos podem fazer para que o mundo, através dessa ação, possa ver Deus neles e através deles?
d) Eu estou no Pai e o Pai está em mim (14,11). Só é possível revelar o Deus da vida para quem vive unida a Ele, n’Ele e para Ele. Somente assim o jeito de ser, de viver e de fazer, tudo revela o Deus amor misericordioso. Somente assim, a visibilidade de Deus será possível a ser percebida pelo mundo. Só a união indivisível baseada no amor além fronteiras que fazem com que as pessoas capazes de se abrir para o outro. Amar é sair de si e entrar no mundo do outro e, ao mesmo tempo, permitir que o outro possa entrar no nosso mundo interior. Isto é, fazer do próprio coração o shekinah (o espaço de vida) para com o outro, como Jesus para o Pai e o Pai para com ele. Você tem alguma experiência real do dia a dia que pode indicar que uma pessoa está em Deus e Deus nele? O que você faz para mostrar que você realmente está em Deus e Deus em você?
e) Quem crê em mim fará as obras que faço e fará até maiores do que elas (14,12). A fé é o “amém” humano – uma resposta – ou, um acolhimento, uma entrega, uma adesão total (cf. Lc 23,46) ao “Sim” absoluto – oferta – de Deus (cf. Sl 2,7; At 13,33). Aqui, Jesus ressalta a importância do fazer como fruto do crer, o elemento verificador do fiel, isto é, do ser. Mesmo que alguém não se aderiu ao movimento de Jesus Cristo, mas se na sua vida tem feito continuamente o bem maior, tanto para si como para com o próximo, ele ou ela já está com Cristo (cf. Mc 9,40). Neste sentido, podemos dizer que, nem todos aqueles que se dizem cristãos, são homens e mulheres crísticos, ou de Cristo, e nem todos aqueles que não estão nas igrejas cristãs estão contra Cristo, ou, inimigos de Cristo. Neste último que o Karl Rahner os denominou de cristãos anônimos.
f) Rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito (14,16). O amém dos discípulos se imprime na fidelidade ao mandamento novo do amor: amar a Deus e amar o próximo como a ti mesmo, baseado na experiência do amor de Cristo. Jesus não quer que seus discípulos vivem abandonados e andando sem rumo nem auxílio. De tanto amor para com os seus que, mesmo na sua ausência física, prometeu de pedir ao Pai para mandar o outro Paráclito como auxiliador (ou, advogado) e consolador na vida e missão dos discípulos. Isso demonstra a preocupação constante de Jesus em relação com a vida e trabalho dos seus. Ele quer que a missão da divulgação da Boa Nova continue, mesmo sem a sua presença física. O Espírito, que a comunidade joanina o chamou de outro Paráclito (Jesus é o primeiro), que vai garantir a continuidade da missão de Jesus.
g) Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós (14,18). O desejo profundo de continuar presente no meio dos discípulos (na comunidade-Igreja) se resume nessa promessa. O problema é, quando e de que forma essa volta. Essa promessa reaviva a esperança e o ânimo de vida na comunidade joanina do discipulado. Essa vinda vai acontecendo, não no fim da existência humana somente, mas no dia a dia através dos gestos simples, mas serenos das pessoas: da presença amiga dos irmãos e irmãs, amigos e familiares com suas palavras de consolo e conforto, seu olhar atento, seus sorrisos e abraços, etc.
h) O Pai e o Filho unido no Espírito farão sua morada nos discípulos (14,23). O amor, ou melhor, a força do amor supera as diferenças, derruba as barreiras, encurta as distâncias e proporciona a comunhão, dinamiza a convivência, agiliza a comunicação e fortalece a união. Assim, nesse amor mútuo que faz com o Pai se acampa no Filho e o Filho no Pai e, juntos nos discípulos e seguidores, na comunidade-Igreja. Jesus é shekiná do Pai no Espírito e os discípulos (comunidades cristãs) são shekiná de Cristo.
i) Deixo-vos a paz, bem diferente que a do mundo (14,27). A paz de Jesus não é como a do mundo, uma palavra vazia, um discurso demagógico. A paz que sai da boca de Jesus não somente um augúrio, mas uma palavra salvífica, palavra lenitiva que alivia, não só o fardo físico, mas também cura a ferida psicológica e moral espiritual. É uma paz integral de corpo e de alma. A paz de Jesus proporciona a liberdade de vida, de pensar, de viver, de dialogar, proporciona a prática de justiça e do direito. A presença dos cristãos (eclesial, individual e política) proporciona tudo isso para a vida do mundo? Na Igreja, na sua comunidade religiosa, nas suas famílias, há paz, justiça, liberdade, direito e diálogo?
j) Levantai-vos! Partamos daqui! (14,31). A comunidade-Igreja joanina ficou parada, assustada e precisa de mãos amigas para levantá-la e colocá-la de pé para andar. Pois a vida só é possível enquanto em movimento, em caminho, em dinamismo. Nas nossas vidas (pessoais e comunitárias) também muitas vezes precisamos de pequenos gestos, mas de grandes efeitos, precisamos de palavras de consolo, de mãos amigas para nos levantar e nos fazer andar. Precisamos de alguém que pode nos dar a mão e nos encorajar, dizendo: levantai-vos! Partamos daqui!
Lukas Betekeneng