sábado, 14 de maio de 2011

A IGREJA: LÍDER, LIDEANÇA E CUIDADO

(Jo 10,1-21)
Aprofundando o contexto
A crise atual (no mundo político interno e externo, nas religiões em geral e nas igrejas cristãs em particular, e católica romana em especial, nas congregações religiosas, nos movimentos sociais e nas famílias) é do líder ou da liderança? Qual a mística e espiritualidade do líder e liderança cristã? Para responder essas perguntas, procuraremos a luz do Evangelho, acima mencionado, para nos iluminar e nos guiar na nossa reflexão.
Observando com mais atenção o texto de João 10,1-21, percebemos que o evangelista, ao escrever sua mensagem, se baseia nos textos da Aliança Mosaica (AT), especialmente de Is 34,24-31; 40,11(cf Sl 23). Todos esses textos falam sobre o bom pastor (bom líder). As experiências de vida dos pastores e seus trabalhos de pastoreio servem de inspiração, rica e profunda, para os autores sacros elaboram suas mensagens de Boa Nova de Deus. O pastor é, portanto, a metáfora para falar de Deus como Bom Pastor (o bom Líder) e seus trabalhos de condução e de cuidado (sua liderança) dos rebanhos (do povo). Deus é o Bom Pastor que conduz suas ovelhas com sabedoria, cuidado, com muita dinâmica, solidariedade, atento à realidade (sinais dos tempos), e seus serviços sempre feitos a partir das ovelhas e com elas. Isto é, liderança democrática e participativa (com povo, do povo e para o povo).
Quer dizer, um pastor das ovelhas, ao pastorear seus rebanhos, não é ele o mais importante. Sua função aqui é, simplesmente, como facilitador, motivador, animador, protetor, como co-ordena-dor e dinamizador; ele é o amigo e condutor que acompanha os rebanhos em busca das pastagens, mas, ao chegar lá, quem escolhe as gramas são as ovelhas, são eles que decidem quais as melhores, entre as boas, para ser ingerida, somente eles sabem e conhecem a realidade de seu mundo de vida. Se não fosse assim, como diz o professor Wolfgang Gruen, “o próprio pastor seria o cabrito, conduzido pelos cabritos-pastores” em busca das gramas. Como está indo a nossa liderança: na família, na Igreja, nas nossas religiões, nas nossas congregações, nossas comunidades religiosas, nossos movimentos, no nosso país e, enfim, no nosso mundo atual? Como estou exercendo o meu papel de liderança, impondo tudo de cima ou sempre partindo da escuta atenta dos membros? Eu quem decido tudo para todos manipulando, desta forma, o coletivo para o bel-prazer do meu trabalho ou levo em consideração as inspirações de todas as partes em busca de consenso e necessidades mais urgentes? É bom lembrar que a liderança do tipo feudal foi muito exaltada e reforçada com uma articulação teologicamente difusa (usando o pretexto da religião e de Deus) e, consequentemente, foge das observações críticas das pessoas durante a idade média, e suas consequências ainda estão presentes em toda (s) a(s) Igreja (s) cristã (s) tanto quanto nas religiões e no mundo político em geral e na católica romana em particular, até hoje.
As congregações que nasceram dentro da Igreja com a missão de fazer testemunho profético frente a essas situações de lideranças imperialista, feudal, kolonialista, exploradora e ditatorial acabaram se transformando em “braço esquerdo” da estrutura que, além de dar a continuidade também reforçando ainda mais a política institucional do tipo colonialista e imperialista. Com isso, a Igreja em geral, e as congregações em particular não conseguiram contribuir em nada para poder construir uma nova política de liderança, na própria Igreja e no mundo, mais humana, mais saudável, mais democrática, mais participativa, mais justa e solidária e com sabedoria, responsável e dialogal, tolerante, transparente, madura e equilibrada.
No texto de Isaías 34,24-31, mostra o autor inspirado faz sua forte denúncia contra os líderes do seu tempo, acusando-os de negligentes, corruptos e irresponsáveis; em vez de pastorear e cuidar dos rebanhos que lhes foram confiados, com suas práticas, comportamentos e atitudes perversas, eles se cuidam e pastoreiam a si mesmos. Esses líderes – com suas práticas de liderança – segundo o autor, são os verdadeiros traidores do povo. A partir dessa viva experiência da cotidianidade que o evangelista João buscou a luz para fundamentar seu trabalho de evangelização da Boa Nova de Jesus Cristo.

Recolhendo os dados do texto (João 10,1-21)
Dividimos o texto, conforme sua estrutura, em duas partes contrastes: os bandidos e o bom pastor.
A. Os bandidos (ladrão e assaltante) e parábola da porta (vv. 1-10)
1. Realidade da vida (vv. 1-5)
a) Ponto relevante: os bandidos: são aqueles que não usam a porta para a entrada e saída (v. 1)
b) Ponto de contraste: pastor: é aquele que usa a porta para entrar e sair, e chama e conduz os rebanhos, pois lhe conhecem a voz (v. 2-4)
c) Desfecho: ao estranho as ovelhas não o seguem, pois não lhe conhecem nem a sua voz (v. 5)
► O narrador faz sua observação sobre a incompreensão dos ouvintes – no caso, os fariseus (v. 6)
2. Esclarecimento – para os não-entendidos (vv. 7-10)
a) “Eu sou” a porta! Antes de mim vieram os ladrões e assaltantes (vv. 7-8)
b) “Eu sou” a porta (o significado da porta é como ponto de referência) – tanto para os pastores quanto para os rebanhos. Quem passa por mim encontra pastagens – encontrar sinais da vida em abundância (vv. 9-10)

B. O bom pastor, isto é, servir de exemplo (vv. 11-18)
1. “Eu sou” o “bom” pastor e tenho com-promisso com a vida dos rebanhos; o empregado, quando há perigo, foge (ato de infidelidade) deixando os rebanhos dispersados, abandonando-os à própria sorte (vv. 11-13)
2. “Eu sou” o “bom” pastor e tenho com-promisso com a vida dos rebanhos; procuro reunir todos os rebanhos, aqui e em todos os lugares (vv. 14-16)
3. O significado e sentido profundo do comprometimento (doação espontânea) da vida pela vida (vv. 17-18)
► Ao apresentar a divisão entre os judeus, o autor faz a inclusão dos vv. 19-21 com os primeiros versículos do capítulo 9.

Contemplando as mensagens
 Com o esquema exegético acima, já nos facilita muito para o nosso aprofundamento do texto. Primeiramente, a comunidade joanina nos apresenta dois modelos de líder e de liderança: o líder tirânico das autoridades judaica (os fariseus) – que o autor os denomina como ladrão e assaltante – e Jesus de Nazaré – que a comunidade o chama de líder exemplar, isto é, servir de exemplo (o bom líder), o bom pastor e protetor.
Outro destaque é a comparação que o autor faz entre a liderança dos fariseus e de Jesus. A liderança dos fariseus é do tipo feudal, tirânico, colonialista, opressor e explorador que um líder faz para buscar o proveito próprio à custa da humilhação e do sofrimento do povo, aproveitando o papel de liderança com pretexto da religião e de Javé, é o tipo de liderança que não possui caráter pastoreio, nem do cuidado e nem de libertador (aqui, o autor prega o substantivo “ladrão” e “assaltante” que rouba, oprime, dispersa e mata para qualificar o tipo de liderança farisaica). E a liderança-cuidado do tipo pastoreio de Jesus, que aqui o autor usa o adjetivo “bom” do relato da criação (cf Gn 1,1-31), para garantir a qualidade de liderança jesuânica, e a expressão “Eu sou” da auto-revelação de Deus a Moisés no livro do Êxodo (cf. Ex 3,14), para indicar a qualidade originária e originada da personalidade de Jesus de Nazaré como o Líder por excelência e sua liderança crística.
Aqui já temos uma resposta para a primeira pergunta: a crise que estamos vivendo não consiste na liderança, mas, sim, no próprio líder, pois tudo o que fazemos para fora revela “tudo” o que somos por dentro. O efeito produzido pela nossa ação tem como causa principal está na estrutura interna do nosso “ser” como pessoa humana. Somente uma boa pessoa capaz de fazer os bons trabalhos, capaz de construir boas relações convivenciais com os diferentes, pois do contrário só provoca intrigas desnecessárias, irritações infantis e violências reais e simbólicas, injustiças, só produz as dores, sofrimentos e mortes (cf. Mt 7,17; Lc 6,45). Só o homem-paz capaz de conviver em paz, só o homem-justo capaz de fazer a justiça, pois o agir é o reflexo do ser, bom ou mal. Os nossos ditos e atos são o elemento verificador, o termômetro para medir o grau de salubridade da nossa mentalidade, são setas que apontam para a qualidade estrutural do nosso ser humano quanto humano por dentro (cf. Jo 10,26; Pr 23,7), também revela a origem de onde viemos, inclusive o tipo de educação familiar, política de relacionamento e convivência social (experiência de vida afetiva familiar ou fraterna) desde os primeiros anos de vida (cf. Mt 12,33; Lc 6,43-45; Pr 11,30).

O bom líder
O que, afinal, a liderança? Ser líder é o mesmo que ser “chefe” ou “gerente”? Qual a função principal de um líder? É bom lembrar que ser líder não é o mesmo que ser “chefe” ou “gerente”. A primeira razão das diferenças consiste no tipo de liderança do “chefe” ou “gerente” e do líder: o “chefe” ou “gerente” desenvolve uma liderança mais do tipo de resultado (mais pragmático e/ou funcional por isso é exigente), exibicionista e pedantista, autoritária, autocrática e submissa. Enquanto que um bom líder é aquele que sabe lidar com todos os tipos de diferentes de modo mais saudável, humanizante, compreensivo, com maior tolerância, mantendo sempre o bom-senso e o bom-humor na convivência funcional, saber dialogar com maturidade e equilíbrio – psico-emocional e moral-espiritual. Saber o momento de falar (ensinar), de calar (escutar) e de agir – tanto como co-aprendiz quanto como apoiador. Sabendo lidar com tudo isso, um líder terá capacidade de contagiar os liderados, dando-lhes a inspiração, a confiança, motivações e produtividades para, juntos, conseguirem os resultados esperados. E a segunda, consiste na qualidade e durabilidade das relações entre o líder e o liderado: o “chefe” ou “gerente” exalta a relação vertical (do senhor que manda porque tem poder e o súdito que obedece porque tem juízo), e a durabilidade de suas relações com os liderados é temporária; sua liderança é também feita centrada no papel (função). Ao passo que o líder não despreza a relação vertical, mas também não endeusa a horizontal; ele usa sua “creatividade” para desenvolver sua relação mais solidária, de mútuo respeito, mais compreensiva, mais fraterna; sua prática de liderança é também sempre centrada na pessoa, e não no papel ou função como no caso do “chefe” e/ou gerente, por isso é pedagógica e geracional; e a durabilidade da sua relação com os liderados é, por isso, permanente, não se esgota nem no tempo nem no espaço, é pela vida inteira.
Um bom líder não procura o proveito próprio e nem o dos certos grupinhos, também nem desenvolve a relação de submissão, pelo contrário, tem sua autonomia e maturidade, isto é, não fica dependendo tudo do comando do superior, mas sabe criar a relação saudável de interdependência (de mútua ajuda) com todos os níveis de responsabilidade e profissões. Um bom líder não fundamenta sua liderança nas letras da lei e/ou constituição, por melhor que seja, mas no valor de grandeza do ser humano (cf. Mc 2,27). O chefe ou gerente, no seu trabalho de liderança, aposta na lei da força de dominação e no poder de subjugação para imobilizar (prender) e explorar os liderados, instrumentalizando-os para garantir o sucesso. Enquanto que um bom líder confia na arte de convivência relacional e na capacidade de comunicação motivadora e inspiradora para influenciar os liderados para conseguirem o objetivo planejado. É desta forma que um bom líder será capaz de seduzir (chamar) ou atrair os indivíduos para formarem o grupo, e, por fim, capaz de motivar os grupos para se transformarem em equipe, bem sólida e que tenha a capacidade de produzir frutos abundantes. Esse é o líder exemplar, o bom líder, que servir de exemplo para os liderados (cf. Mt 11, 28-30; Jo 10, 2-4. 9-10. 16-17). Assim dizemos que a liderança é um processo contínuo, uma interminável construção de “creatividades” e capacidades de condução, de co-ordenação e de motivação (tipo de liderança motivadora e transformadora) utilizando diversas técnicas pedagógicas para influenciar as pessoas rumo a meta; pode até faltar recursos, mas um bom líder não pode faltar a “creatividades” no seu trabalho de liderança.
Um bom líder deve ter uma visão aberta e crítica (atento aos sinais dos tempos) e tomar atitudes corretas. Deve ter flexibilidade, maturidade, equilíbrio e sempre estar aberto ao diálogo, estar sempre no lado dos liderados e os defende e não o contrário, estar no lado do grupo de chefes ou gerentes tirânicos (cf. Jo 8,1-11). Ele deve ter uma noção clara e saudável sobre o que significa liderar centrada na pessoa e a liderança centrada no papel (ou, na função) do poder e da lei. Esse último é o tipo de liderança feudal, imperialista e colonialista, liderança exploradora, portanto, não é liderança evangélica e crísitca. Mas o que se vê na prática cotidiana, essa lógica de liderança não raras vezes se inverte: uns líderes defendem outros líderes com base no poder, prestígio e posse e, juntos, sacrificando os liderados. É o tipo de liderança obsessiva e submissa. Um bom líder é capaz de criar o clima de relacionamentos mais saudáveis, isto é, centrado na pessoa e não no “status quo” funcional da estrutura e nem no poder das letras da lei (cf. Mc 10, 41-45).
O líder cristão (político cristão) em geral e religioso em específico deve ter na mente um paradigma crístico bíblico de liderança, pois se não fosse assim, ele não teria capacidade de exercer a função que tem dignidade e moral de promover a justiça social, o direito do individuo, a igualdade para todos, a solidariedade (assistencial, promocional e libertadora) e a democracia. Um líder cristão e religioso deve ter capacidade de ouvir as críticas, de reconhecer seus próprios erros e estar disposto a ser corrigido pelos outros (Cf. Mt 15,21-28).
Conforme o paradigma bíblico, o tipo do líder crísitco e de liderança cristã é servo solidário e irmão-protetor (cf. Mc 10,41-45). É aqui que está a mística e espiritualidade do líder e da liderança cristã. Parece simples, mas não significa fácil, pois precisa de humildade, de maturidade, de responsabilidade, de compreensão e tolerância. Um líder-servo solidário não centraliza sua liderança na função e nem aposta na lei da força de dominação para garantir o sucesso. Pelo contrário, pratica a liderança centrada na pessoa e confia na força da lei nova do amor crístico e transformador (cf. Jo 13,34), que dinamiza, fraterniza, dialoga e que vivifica e salva. Assim é o sentido crístico do ser líder e da liderança cristã, é bem paradoxal (Mc 8,34-38; Mt 20,28; Lc 22,24-27).
Em um mundo cheio de líderes e carência de liderança, de muita religião e pouca salvação, de santos abundantes, mas pobre de santidade, feito o pato nadando na lagoa, morrendo de sede e galinha botando o ovo no meio do milho, morrendo de fome. Nesta situação de contraste, os líderes (políticos) cristãos em geral e as igrejas cristas como um todo são chamados e convocados para a missão profética de desenvolver uma liderança nova e transformadora centrada na pessoa, liderança paradoxal como anunciada e testemunhada por Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão misericordioso, o líder-pastor que entrega sua vida pela vida dos seus discípulos e seguidores, pela vida de toda a humanidade. Ele é o bom líder, por isso amado pelos seus e admirado por todos, é o pastor por excelência, protetor verdadeiro e libertador santo de Deus Pai-maternal e Mãe-paternal e Filial.

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Lukas Betekeneng

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