domingo, 26 de fevereiro de 2012

DESERTO FÉRTIL: UM ESPAÇO PROVIDENCIAL DA PROVAÇÃO E VERIFICAÇÃO DO SENTIDO DA VIDA E AMOR-FIDELIDADE

(Mc 1,12-13)
C

onforme a tradição bíblica, o deserto simboliza a tentação e superação. Compreende-se o deserto como espaço de solidão, de oração, de tentação e decisão. É nesse lugar “providencial” que acontece o reencontro do sentido da vida, de renovação dos compromissos e de fortalecimento da fidelidade; é o momento de estreitamento das relações. No entanto, é o lugar apropriado para a verificação e a provação de vida e amor-fidelidade: “Deus conduz seu povo (Ex 13,17-22) em meio a animais selvagens e satanás (Is 30,6; 34,14) para pô-lo à prova (Dt 8,2-6.15s). E nesse deserto, no meio das provações, o Israel se desesperou e murmurou contra Deus e os seus servos (cf. Ex 16,2-3; Nm 11,1-6; Ex 17,1-7; Nm 20,1-13; Dt 9,22-24; Sl 94,8-11).
Esse relato de Marcos sobre a ida de Jesus ao deserto, impelido pelo Espírito (v.12), é uma releitura da história do povo de Israel que passou pelo deserto de Sinai quando saiu do Egito rumo a terra “prometida” onde mana o leite e mel. Jesus, nesse relato é, mais que o indivíduo, a personificação do “novo Israel” (a comunidade cristã) que refaz a história dos antepassados; e assim, se realiza a profecia: “Do Egito chamei meu filho” (cf. Os 11,1). Dessa forma, o autor quis comparar com “Israel antigo” que se rebela contra Deus e não quis ouvir a sua voz; por mais que Deus o chamou, o Israel continua se distanciando dele (cf. Os 11,2). Jesus é a personificação do “novo Israel” (a comunidade cristã) que demonstra o discernimento e a fidelidade ao chamado de Deus.
Como antepassados que ficaram por 40 anos no deserto enfrentando desafios, Jesus de marcos também ficou por 40 dias no deserto e foi tentado por satanás (v. 13). Como antepassados que viveram no meio dos animais selvagens no deserto, assim também foi com Jesus. O que faz a diferença nesse relato comparativo é que o autor quer mostrar que Jesus consegue ser fiel até o fim, superando todos os desafios sem murmurar contra Deus. Se Jesus realmente tinha ido ou não para o deserto e ficou por 40 dias no meio dos animais selvagens e que foi tentado por satanás, isso não é o mais importante nesse texto. O objetivo principal desse relato comparativo foi para mostrar quem é esse Jesus de Marcos, tanto como indivíduo quanto como, principalmente, a personificação de um grupo (a comunidade dos discípulos e seguidores): ele é o mais Forte dos fortes (cf. 1,7; 3,27) e o mais Fiel dos fiéis, desde o começo até o fim (cf. Fl 2,8). Jesus é apresentado como uma personagem coerente, consistente e resistente, fiel e comprometido, corajoso e determinado. No meio de uma vida deserta Jesus demonstra a determinação de superar todos os desafios para honrar seu compromisso de vida e amor, que se imprime na prática de paz pela paz, de justiça pela justiça, de direito pelo direito, de liberdade pela libertação e de solidariedade crística. 
O mundo em que estamos vivendo, mesmo neste pleno terceiro milênio, ainda representa uma realidade, verdadeiramente, desértica: as práticas de brutalidade e/ou crueldade contra vidas e patrimônios públicos, tanto quanto, particulares, intolerância religiosa (crime de ódio que fere a liberdade de consciência e da dignidade humana), peculatos, discriminação social, cultural e racial, corrupção psicoemocional e moral espiritual, injustiça social, impunidade, fratricídio, homicídio, conjungicídio, roubos e latrocínio, os abandonos. No campo da governabilidade, por exemplo, ainda paira o espírito colonial de liderança, o feudalismo, o centralismo e tiranias tanto nas instituições políticas quanto religiosas (nas igrejas, mesquitas, sinagogas, templos inclusive nos nossos lares familiares como nas comunidades religiosas). As intrigas, brigas e guerras continuam se multiplicando em todo lado. Todo o crime é, fundamentalmente, um ato pessoal, mas vinculado ao contexto social e econômico, que produz efeitos tanto na formação como na educação do cidadão, tornando, assim, como que uma cultura. Todo esse vício ainda visto e compreendido como se fosse algo tão normal. Toda essa realidade representa o nosso deserto e nossas feras (nossa animalidade selvagem) atuais, o registro do nosso comportamento diabólico que nos desafia a cada momento. Conforme a concepção judaica, o diabo sempre aproxima do ser humano para tentá-lo (cf. Gn 3,1-7; 1Cr 21,1; Sb 2,24). Estamos dispostos em superar nossos vícios, assim, podemos nos tornar homens e mulheres de Deus mais saudáveis? Este mundo perdeu sua sensibilidade humana!
O autor diz que Jesus só começa o seu anúncio depois que João Batista foi preso (v.14). Esse fim trágico da vida do Batista é interpretado como o “necessário” para que o novo tempo da graça comece o seu curso. Que todo o tipo de vício seja preso junto com João Batista, o porta-voz de Deus sacrificado por amor. Que a força do mal chegue ao fim para que a potência do bem opere a sua graça, dando a vida nova, em sua plenitude para todos. A palavra, depois, usada aqui por autor, é para dizer que a voz de Deus que grita no deserto chamando o seu povo voltar ao caminho da vida, já foi calada pela força do mal, mas não conseguiu extingui-lo, pelo contrário, como diz o ditado popular: um cai, mas mil outros surgirão para dar a continuidade do anúncio da paz e do amor neste mundo até que Deus seja tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Jesus é o novo João que procura, chama, reúne todos os filhos e filhas de Deus e conduzi-lo pelo caminho da vida rumo à casa paterna.
Por isso que Jesus, ao começar seu ministério, faz questão de repetir o grito de João Batista, quando diz: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (v.15). A quaresma é o tempo de conversão, de mudança de mentalidade e atitudes, mudança de hábitos viciosos, desconstrutivos, momento de transformação de vida e amor fraterno. É o convite para cada um e cada uma de nós, homens e mulheres de Deus da humanidade. Momento de transformar a sequidão de vida desértica em terra fértil onde habita a paz, a justiça, o direito, a liberdade, a passividade, a compaixão e misericórdia. É urgente mudar a nossa maneira de ser, viver e relacionar; mudar o nosso jeito de ver o mundo e de governar. Que o novo céu e a nova terra comecem já, no aqui e agora da nossa vida terrena.
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Lukas Betekeneng

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

SER HUMANO É O HOMEM DO PÓ OU DO ESPÍRITO EM CORPO VIVO?

A

 Igreja cristã (nem todas) inicia a celebração do Mistério pascal (a paixão, morte e ressurreição) de Cristo com a celebração de cinzas na quarta-feira (o Dia das cinzas), que é o começo do período de preparação ou, conhecido como tempo da Quaresma (40 dias de jejum e reflexão antes da Páscoa). Nessa celebração, os fieis recebem um sinal da cruz na fronte com cinzas, obtidas da queima das palmas usadas no domingo de ramos do ano anterior, enquanto ouvem uma frase bem conhecida, extraída do livro de Gênesis: “Tu és pó, e ao pó tornarás” (Gn 3,19). Essa frase também se ouve, geralmente, no rito cristão do enterro dos mortos. O que o autor quer nos dizer com essa frase? Qual seria o provável efeito colateral dessa frase na vida inconsciente do ser humano hoje? O homem é, afinal, o ser do pó ou do Espírito? Qual é a mensagem da celebração de cinzas para nossa vida como seguidores de Jesus Cristo?
A celebração do Dia das cinzas na quarta-feira (essa celebração não tem fundamento teológico-bíblico, pelo menos a Bíblia não mencionou em nenhum lugar, direta ou indiretamente, sobre a quarta-feira de cinzas) pelas Igrejas cristãs tem sua origem mitológica. Isto é, não começou no cristianismo propriamente dito, mas no paganismo, ou, melhor dizer, nas tradições não-cristãs (por exemplo, na Grécia antiga, no Egito antigo e no Antigo Oriente Médio). Havia uma crença nessas tradições (principalmente na Grécia antiga e no Egito antigo) de que o fogo é uma força que purifica e transforma e de que a vida renasce das cinzas. Enquanto que nas tradições do Antigo Oriente Médio, as cinzas e as poeiras eram jogadas sobre a cabeça das pessoas como sinal de arrependimento perante Deus. Apesar desses fatos são realidades extrabíblicas, o próprio rito de cinzas e seus significados simbólicos transcendem, sem dúvida, o pensamento e o agir teológico do cristianismo. Em todas essas coisas, há um significado que perdura para a nossa vida cristã: a esperança de que a vida, enquanto na mão de Deus, nada se perde, tudo se transforma, tudo cresce e tudo se afirma. O fim, para a vida, não existe, pois sempre haverá um porvir. Toda a existência terrena é uma realidade transitória, inclusive a vida humana. Assim, a existência de vida nesta terra, conforme o esquema do pensamento do evangelista Lucas, é uma grande jornada de volta à Origem.
Na tradição bíblica (AT), as cinzas e poeiras são usadas frequentemente como símbolo de arrependimento, tanto quanto, para sinalizar a relatividade dos valores das coisas existenciais, sobretudo a existência da vida humana (a vida material) nesta terra; isso não significa o desprezo da vida física. Alguns trechos bíblicos referentes às cinzas e/ou poeiras e outros similares com os mesmos significados simbólicos, podem ser encontrados, por exemplo, em Gn 18,27; Nm 19,9; 2Sm 13,19; Jó 2,8; 13,12; 30,19; Is 44,20; 61,3; Jr 6,26; Ez 27,30; Mt 11,21.
O autor do livro de Gênesis fala da criação do homem da argila do solo. Para se tornar um ser vivente, o Criador insuflou, no corpo modelado, pelas narinas com um hálito, isto é, o sopro de vida (cf. Gn 2,7). Podemos dizer, sem exagero, que o ser humano é como uma espécie de clone de Deus na terra. O significado desse relato é para reafirmar a dupla origem do ser humano: um ser celeste adaptado com a realidade própria do mundo e, ao mesmo tempo, uma existência terrena dotada de qualidades celestiais. Leonardo Boff fala de ser humano como um deus pequeno em contínua transformação. A morte, mais que uma constatação, é a lei: todos mudarão para “outro lado” passando pelo caminho da morte. A origem do homem não é do pó sóltico, mas é da parte íntima do próprio ser de Deus. A morte do corpo material é uma consequência natural da existência terrena, mas isso não significa o fim, é, pelo contrário, a mudança de aspecto, é redimensionado, é glorificado, transformado.
Entendemos por efeito dessa frase bíblica no nosso inconsciente a interpretação psicológica de maneira analógica. Isto é, baseada no resultado da observação crítica e da análise detalhada dos fenômenos dos comportamentos e atitudes do dia a dia. Olhando por esse lado, dizemos que, ao afirmar que o “ser humano é do pó, e deve voltar ao pó”, sem mais nem menos, pode causar uma consequência muito perigosa na formação de mentalidade das pessoas de poucas instruções sobre os valores culturais, éticas e moral social e religiosa, uma vez que as afirmações bíblicas são de cunhos simbólicos (parabólicas, alegóricas, comparativas, etc). As pessoas de instrução precária podem usar essa informação como se fosse uma verdade absoluta para basear a formação de sua mentalidade e atitudes no seu convívio relacional. Como exemplo, o comportamento de desrespeito aos valores sociocultural, política, econômica e moral/espiritual e religioso. Assim, cria-se a cultural da morte, da violência, da liberdade-irresponsabilidade, da autossufuciência, do egoísmo e egocentrismo.
Como cristão, no meu ver, essa frase bíblica é de suma importância, pois carregada de simbolismo altamente valioso para a nossa vida humana-espiritual. O ser humano entendido como a “fotografia” viva de Deus no mundo, ou como o Espírito do Criador divino em corpo humano na terra, deve ser sempre resgatado, respeitado e conservado custo que custar. O corpo não é menos valioso que a alma e o espírito. Como seriam eles sem o corpo para se expressar? Não passariam de uma ideologia abstrata, ou de uma ilusão fantasmagórica se não fosse o corpo para poderem se manifestar. Somente no corpo, do corpo e com o corpo que a alma e o espírito podem ser visto, palpado, sentido e compreendido. A celebração de cinzas e a frase bíblica são, portanto, um convite ao cuidado de tudo o que existe nesta terra, sobretudo, o cuidado da vida, própria, dos próximos e a dos demais. Convite à reeducação do caráter e das atitudes, cada vez mais humano e divino, mais justo e solidário, mais responsável e tolerante, mais respeito pela liberdade e pelo direito.
Que a graça da quaresma transforme o pensamento, o sentimento e a vontade de todos e de todas, tornando-os a cada dia mais sóbrio e salvífico.
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Lukas Betekeneng

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

QUARESMA: UMA PRIMAVERA DE VIDA DA HUMANIDADE DE FÉ E AMOR


P

or que e para que a quaresma? Qual o influxo da vida quaresmal na convivência real de um homem de fé? Quaresma, que é do latim, que significa quadragésima, é o período de quarenta dias que antecede a celebração do Mistério Pascal, isto é, a paixão, a morte e ressurreição de Jesus Cristo (a celebração da passagem do Jesus histórico ao Cristo da fé universal). A igreja cristã (na sua grande maioria) inicia o tempo quaresmal com a celebração de cinzas (quarta-feira de cinzas) e termina com a celebração da Ceia de despedida de Jesus da Nazaré com os seus discípulos. Daí, começa-se o tempo pascal que se inicia com o tríduo pascal e se conclui com a celebração da decida do Espírito Santo (Penteconstes).
Quaresma é uma estação espiritual, uma primavera de vida de fé, é uma temporada de aprofundamento e amadurecimento, de mergulho no mistério do amor de Deus na vida da humanidade, um período de revisão e reflexão sobre a vida na sua integralidade à luz da Boa Nova de Deus. É o momento de regeração e reparturição da vida no Espírito (cf. Jo 3,3), momento de redimensionamento, de re-nova-ação integral (renovação), tempo de preparação para o grande evento da fé: a passagem de vida existencial de Jesus de Nazaré à essência de Vida plena em Deus, passando pelo caminho da morte e ressurreição (Mistério Pascal para a fé cristã). Quaresma, portanto, não é o tempo de “férias” das práticas habituais, mas de transformação total da mentalidade, de mudança do comportamento (metanoia), de resgate da identidade originária e originada do nosso ser divino humanizado e humano divinizando, temporada de voltar à fonte fundacional da nossa existência como imagem e semelhança do Criador e filho no Filho.
Somente assim que a quaresma tem sentido na nossa vida como ser humano de fé, em geral, e discípulos de Jesus Cristo em particular. Se do contrário, a prática de jejum quaresmal seria como tempo de férias, e depois tudo de volta como era antes. Assim, a quaresma é como uma parada para a revisão de vida integral: revisar o comportamento, o pensamento e as ações no convívio do dia a dia no espaço de vida social, tanto na vida familiar (comunitária), na vida profissional, quanto na vida eclesial e política.
O influxo da vida quaresmal é esse: quando um ser humano de fé saudável que consegue fazer jornada séria de volta para embeber na sua fonte salutar da vida espiritual, esse será capaz de testemunhar a transformação da vida de fé na sua convivência social no seu dia a dia através da mudança permanente de comportamento e atitudes. Tornará um ser humano mais humano, mais justo e solidário, mais tolerante, mais compreensível, mais dialogal, mais afetuoso e cuidadoso, mais responsável e transparente, mais respeito pelo direito e liberdade.
Assim é o objetivo principal da quaresma: o crescimento e amadurecimento de vida cada dia mais humana e mais justa. O período de quarenta dias também é simbólico, isto é, para reviver a história da passagem de quarenta anos de Israel no deserto (quando saíram do Egito rumo à terra onde emana leite e mel), também fazer a memória de Jesus que foi para o deserto por quarenta dias para a oração, reflexão e jejum. Isso não significa que a quaresma é um mero ato memorial, muito pelo contrário, é o momento da graça em que o homem e a mulher de fé reeducam seu caráter e sua atitude de vida diante de si, dos outros, do cosmos e de Deus.
Na Igreja primitiva, a duração de quaresma variava, mas eventualmente começava quarenta e dois dias (seis semanas) antes do Domingo da Alleluia pascal. Isso só dava, praticamente, trinta e seis dias de jejum. Para restabelecer o período de quarenta dias de jejum, então, no século VII foram acrescentados quatro dias antes do primeiro domingo da quaresma com a celebração de cinzas (quarta-feira de cinzas). A Igreja ortodoxa inicia seu tempo quaresmal, não como na Igreja romana na quarta-feira de cinzas, mas já na segunda-feira anterior, isso significa que, ela não celebra a prática romana de cinzas. É um ponto, teologicamente interessante para ser refletido e aprofundado para enriquecer nossa vida de fé.
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Lukas Betekeneng

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A RAZÃO ESTÁ A SERVIÇO DA FÉ

(Mc 8,11-13)
D

eus é a sensibilidade suprema, isto é, infinita, plena e eterna! Ele não é tanto a razão como se afirma e acredita. Mais que o intelecto racionalizado, ele á a plena e eterna sabedoria sensível, mais do que a racionalização cerebral, é a racionalidade corânica (do coração) afetiva-efetiva, profunda e incondicionada. Com toda sua sensibilidade Deus plasmou do barro homens de grande têmpera. Para tornar-lhes próximo de sua própria imagem e semelhança de vida sensível, decidiu fundir neles o seu próprio espírito. Para fazer-lhes felizes, ele os conduziu pelo caminho com seus conselhos e assentou-lhes, enfim, no jardim de delícias. E quando eles caíram na contradição, ele se sensibilizou e mandou o seu Filho para resgatar-lhes do perigo da morte e conduziu-lhes para a vida pelo caminho da morte cruel de sua própria vida, na cruz, por amor. É essa experiência de fidelidade do amor incondicional que faz nascer no coração dos homens a sensibilidade da sabedoria de vida e fé. E essa fé não necessita de nenhuma razão verificável do intelecto para ser verdade, mas também não a discrimina nem elimina, pois ela (a fé) é uma sabedoria infinita, plena e eterna, uma realidade sensível ao espírito, à racionalidade do coração, como diz o matemático e físico grego, o Arquímedes de Siracusa (287-212 a.C), “de tão profunda a racionalidade do coração que nem com a força da racionalização do intelecto capaz de ser alcançada”. De tão racionalizado o mudo que fez com que a humanidade perdeu, até hoje, a energia vital do seu ser: a sensibilidade afetiva e efetiva. Estamos vivendo em um mundo de muita brutalidade racional sem a sensibilidade da sabedoria afetiva-efetiva. Mundo de muita religião e pouca salvação.
A razão é o fogo avassalador. E o seu calor abrasador ressequiu-lhe a terra, desidrata e plastifica a beleza da vida. A vida racionalizada é a vida plastificada, tem muito brilho, mas sem luz, nem calor, nem aroma e nem a vida. A sensibilidade umedece e aduba o solo com suas gotas de esperança e a chama de sua luz aquece e fortalece o espírito, reanime o entusiasmo, e reaviva a confiança. A racionalização do intelecto está muito no aquém da plenitude do amor e da vida, enquanto que a sensibilidade da sabedoria da fé e vida é infinita e sua força abraça a totalidade da realidade de vida e do amor, e alcança até para o além do incompreensível e inexplicável.
O autor da comunidade-Igreja de Marcos relata uma realidade de conflito entre a razão verificável do intelecto com a sensibilidade da sabedoria da fé e vida. A razão é mais calculativa, procura se exibir para ser vista e acreditada, e no amor prefere satisfazer-se, calculando entre o lucro e o prejuízo. No convívio interrelacional no espaço social exige mais as explicações, uma atrás das outras, do que oferecer as exemplificações da fidelidade de vida e amor. Para o Jesus de Marcos, a exigência da razão verificável dos fariseus e escribas não é compatível com a experiência profunda da sensibilidade da sabedoria de fé e vida. A razão explicativa do homem prende-o no chão feito a galinha, mas a sensibilidade da sabedoria de fá o faz voar no alto céu como a águia, livre como vento.
Por essa razão que Jesus recusou-se de atender as exigências dos fariseus de dar uma prova milagrosa (um sinal do céu) para ser crido e aceito como o Enviado de Deus. Essa exigência da razão verificável apresentada por fariseus, para Marcos, revela uma geração de profunda incredulidade (v.12). E assim, na profunda sensibilidade da sabedoria da vida de fé (deu um suspiro), Jesus lhes demonstra definitivamente sua atitude de não permanecer no aquém-vida racionalizada e partiu para o além, no outro lado da margem. A sensibilidade da sabedoria de fé e vida é a confrontação mais séria de Deus-amor incondicional com o homem racionalizado, como aconteceu no evento-Jesus de Nazaré, o Cristo da fé.
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Lukas Betekeneng

domingo, 12 de fevereiro de 2012

A HUMANIDADE RESGATADA É A DIVINDADE RESTAURADA

(Mc 1,40-45)
N

esse relato de cura do leproso, o autor prega um termo-chave que revela o tipo de sociedade da época: o puro. Esse termo revela de modo inegavelmente a característica da mentalidade sociopolítica, econômica e cultural-religiosa, uma sociedade exclusivista e discriminatória camuflada atrás da “bandeira” da religião e de Deus. Os leprosos eram considerados mortos, pois vivem isolados fora da sociedade dos sãos, visto que sua presença tornava impuros para a vida da comunidade, religiosa e politicamente, considerada sagrada. Segundo o historiador, Flavio Josefo afirma que, Moisés tinha mandado afastar da cidade aqueles que foram atraídos a lepra. Como não tem possibilidade de ter contato com ninguém, por isso mesmo, são considerados mortos. Assim, a cura do leproso é equivalente, simbolicamente, a ressurreição.
A atitude profética de cura de Jesus denuncia essa mentalidade religiosa e política leprosa, e anuncia a chegada do Reino inclusivo da fraternidade de Deus, derrubando todo o muro da exclusão e da discriminação e reintegrando o ser humano-imagem-e-semelhança e filho excluído, na comunidade de vida salvífica. Assim, a verdadeira lepra, segundo esse autor, não consiste primeiramente no corpo enfermo dos leprosos, mas no comportamento de toda a sociedade, na mentalidade discriminatória e excludente das pessoas que práticam a injustiça social, a negação do direito de vida, a sonegação da liberdade dos filhos e filhas de Deus. Leprosos, são aqueles que praticam todo o tipo de discriminação.
Jesus de Marcos é, portanto, um novo líder para o novo tempo da graça que mostra a nova maneira de liderança que promove as mudanças radicais da mentalidade na convivência social e cultural-religiosa tanto quanto política e econômica. Um ser humano qualquer que crer em um Deus-amor e, ao mesmo tempo, pratica a discriminação, a injustiça social, a exclusão, a negação do direito dos outros, esse é o verdadeiro leproso. E assim, essa fé leprosa não serve nem vale para nada na vida neste mundo. Esse tipo de mentalidade leprosa (atitude discriminatória, corrupta e excludente) está bem presente nas nossas igrejas, na nossa sociedade atual, nas nossas vidas familiares, nas nossas comunidades religiosas carismáticas e, sobretudo, presente em cada um e cada uma de nós.
O autor também prega seis verbos principais no processo de cura do leproso: (o ver, o ouvir), o comover, o estender, tocar e dizer. Jesus viu um leproso se aproximando dele, ouvindo o seu pedido, e, então se comoveu, estendeu a mão e tocou nele e diz: eu quero. Esse último verbo é decisivo, pois revela e reafirma o desejo de Deus da vida que transforma a morte em vida na sua plenitude. Essa maneira de escrever na realidade o autor quer convocar seus leitores de mudar a sua mentalidade, de viver com os olhos e ouvidos bem atentos para ver as dores e ouvir os clamores das pessoas e se dispor a estender a mão, dando toque de cuidado, de acolhimento, toque de amor compassivo e misericordioso. É esse toque que dá a coragem, que reacende a chama do entusiasmo de vida e fé, toque terapêutico capaz de aliviar qualquer jugo da vida.
O Eliseu foi o profeta de Deus que cura através da água (cf. 2Rs 5,9-14). Mas Jesus é mais que Eliseu, é a própria água da vida que jorra do alto, e que sacia a sede e cura todas as feridas. O próprio Jesus tem declarado que é a água da vida e quem bebe dessa água não terá mais sede. Pelo contrário, se tornará a outra fonte de água viva que jorra pela vida inteira (cf. Jo 4,14). Assim, seria a vida e missão das igrejas cristas, seria a vida e missão de toda a humanidade.
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Lukas Betekeneng

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

VOCÊ É AQUELE QUE SAI DO SEU CORAÇÃO

(Mc 7,14-23)
O

 interior (o coração) do homem, segundo o Jesus de Marcos, é como a única fonte confiável e a medida exata da pureza ou da impureza do seu ser (v. 15). Com essa afirmação, Jesus rejeita não só o código levítico (ou, preceito cultual sacerdotal) de pureza e impureza (cf. Lv 11 – 12; Dt 14,4ss), mas também a formulação geral que se refere a toda classe de impureza moral. A atitude de Jesus nesse discurso vira, realmente, de cabeça para baixo toda a compreensão da Lei do levirato em relação à pureza moral cultual e, ao mesmo tempo, desautoriza a autoridade farisaica em gestão de aplicar tais leis para toda a população como obrigação geral de todo o povo de Israel. Para poder estabelecer a nova maneira de viver as leis em gral, então Jesus precisa chamar a atenção da multidão tanto quanto dos seus discípulos a se esforçarem pela sua compreensão correta. Assim, cada um decide, desde o seu coração, como se comportar diante do amor de Deus e dos homens. Assim, o Salomão tem a sabedoria de Deus que se imprime nos seus ditos e atos, Jesus de Marcos é a própria sabedoria de Deus em pessoa no mundo. A sabedoria divina não aprisiona, é libertadora.
Quem, afinal, eram os fariseus e escribas? Quando é que um pensamento mau pode se tornar pecaminoso? Os fariseus e escribas eram o grupo de homens (o verdadeiro grupo partidário político-religioso) que gozavam da estima popular e que se esforçavam para cumprir à risca a lei de Moisés com o objetivo de atrair o agrado de Deus e se beneficiar das promessas divinas ligadas ao tempo messiânico. Eram eles que faziam as interpretações das leis, estabeleciam as regras pesadas e obrigavam o povo a cumprir. Por esse fato, Jesus chegou a denunciar o grupo, dizendo: “Amarram fardos pesados e os põe sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem com um dedo se dispõe a movê-los” (Mt 23,4; Lc 11,46).
Devemos entender uma vez por todos que o simples fato de vir à mente um pensamento mau não constitui a culpa de maneira alguma. Esse fato, no meu modo de ver, deve ser entendido no máximo como convite à prática do ilícito, um incentivo ao pecado, uma sedução ou tentação. Todavia, a sedução ou a tentação, por si só, não é pecado. Jesus também foi seduzido e/ou tentado. O pensamento mau torna-se realmente pecaminoso quando: 1º), tomo consciência de que é ilícito na prática aquilo que me veio ao pensamento; 2º), livremente apto por realizar o mal que estou pensando. Querer insistentemente o que me inspira o mau pensamento, já começa a ser pecado de pensamento. Para não se chegar à falta moral, o melhor caminho a seguir é afastar o mau pensamento logo que dele se tornar consciência.
Nossas igrejas também não estão fora dessas práticas superficiais. Fazemos a todo custo para cumprir as leis da hierarquia como se fosse de Deus com o intuito de ganhar o “prêmio” no final da vida. Esse tipo de fé mercantilista é uma fé doentia, mentalidade infantilizada, é a falte de fé, pois manipula a gratuidade do amor salvífico de Deus. Não adianta gritar o tempo todo o nome de Deus-amor enquanto na vida real se pratica a corrupção, a infidelidade, o adultério, as ambições, a inveja, a discriminações, a calúnia, a arrogância, a imoralidade, os assassínios, etc.. Como possível há uma garganta de diversas vozes e numa boca de mil línguas? Você é aquele que você faz do dia a dia de sua vida, tanto para você mesmo quanto para com o próximo, com o cosmos e com Deus. Não é aquilo que entra na sua boca que faz um homem impuro, mas tudo aquilo que sai do seu coração.
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Lukas Betekeneng

SEGUIR A JESUS CRISTO É BUSCAR UNICAMENTE A VONTADE DE DEUS E PÕE EM PRÁTICA

(Mc. 7,1-13)
T

radição pela tradição e lei pela lei sem mais nem menos é hipocrisia! Pois nem tudo que se fala com a Bíblia, a Bíblia fala o mesmo; e nem tudo que se faz em nome de Deus, Deus o aprova. Seguir Jesus Cristo, isto é, acolher o seu Evangelho e aceitá-lo como o único Bem de Deus significa buscar somente a vontade do Pai e põe em prática. Isso significa que, tem de romper até com a própria tradição, costumes e leis que não correspondem com o amor libertador e, portanto, salvífico de Deus para preservar a maior herança divina no mundo: a humanidade-imagem-e-semelhança e filho. As leis, as tradições e costumes, na maioria das vezes, impedem que o ser humano possa crescer e amadurecer saudavelmente no amor de Deus. As leis e tradições são coisas da instituição, instrumento facilitador para a autoridade exercer seu ofício de mandato – alegando-se, muitas vezes, em nome de Deus, mas nem tudo isso sempre aprovado por Deus.
O autor nos relata que os fariseus e escribas, provenientes de Jerusalém, censuraram Jesus por causa de seus discípulos não seguiram a tradição dos antepassados (vv. 1-5). Esse confronto com líderes religiosos e políticos (iniciado em 2,1 – 3,30), que se estende até aqui, demonstra a atitude de incredulidade dos mestres e doutores da lei em relação à presença de Jesus como o enviado de Deus (cf. 8,11-13.14-21).
A atitude de Jesus e seus discípulos naquele momento, de não lavar as mãos antes da refeição, revela que existe a situação de escassez da água naquela casa em particular, e em Israel em geral, naquele tempo de dominação romana. A água é um elemento vital para o povo bem simples; um pouco de água que tem só dá para beber e preparar o alimento e não para fazer limpeza e outros mais como a realização dos ritos adicionais. Percebe-se que o autor, com esse relato, nos mostra mais uma vez a atitude preferencial de Jesus diante das leis e costumes: descumprir as Leis, as tradições e os costumes dos antepassados para preservar a vida presente. Quando há vida gritando pela outra vida pedindo socorro, as leis, as tradições e costumes, por mais sagrados que sejam, precisam ser ignorados em favor do ser humano. Ou seja, em qualquer circunstância, o bem-estar de vida do ser humano deve estar em primeiro lugar, deve ser o primeiro a ser resgatado e conservado e não a tradição, leis e costumes.
Ao responder a censura dos mestres e doutores da Lei, citando a profecia de Isaías (Is 29,13), Jesus os acusou de hipócritas, pois suas orações não correspondem com suas práticas de vida do dia a dia. Isso porque suas práticas de oração só para cumprir a lei, e não por causa de necessidade interna do espírito. E pior ainda, quando os textos de orações não são os versos que brotam da própria experiência de vida. Dessa forma, os textos de oração são lidos somente com ritmos bem organizados, contudo, não são rezados e contemplados suficientemente, por isso não tem a eficácia nem a força renovadora capaz de transformar a consciência e que se imprime no agir inovador e salvífico.
É esse, o nosso problema, falamos muito a Deus, mas pouca com Deus. Ele é sempre obrigado a escutar a nossa fala, mas nós não nos dispor a escutar a sua resposta, porque nós não o deixamos a falar. Não sabemos calar a nossa boca para poder abrir os ouvidos do nosso coração para ouvir a sua voz. Continuamos falando o tempo todo e logo fomos embora sem antes que ele começa a nos responder. É por isso mesmo que rezamos muito, dia e noite, mas não mudamos em quase nada o nosso comportamento, a nossa mentalidade, o nosso modo de ser, de viver e de relacionar, com nós mesmos, com o próximo, com o cosmos e com Ele. Assim, continuamos vivendo o nosso velho homem da infantilidade adâmica. Prosseguimos no seu caminho e louvemos o seu nome com a boca, mas o nosso coração bem distante dele. Seguir a tradição dos antepassados por seguir para ser visto como fiel cumpridor de Lei sem o raciocínio crítico significa fazer-se escravo da tradição, é o sinônimo de quebra da fidelidade à aliança de amor, isto é, a traição contra o mandamento de Deus (v. 8). 
Jesus também apontou as negligências dos mestres e doutores da lei, dizendo que em vez de cuidar seus pais, usando os seus bens como determina a lei (cf. Ex 20,12; 21,17; Dt 5,16; 27,16; Lv 20,9), eles doam para o templo como corban. Isto é, oferecer ao Templo os seus bens como voto de consagração a Deus. Esse ato, para Jesus, não é legal, não é aprovado por Deus, mesmo que tem o feito em nome dele, pois a prática representa, na verdade, o desprezo aos próprios pais. É o desvio de conduta ética e moral social e espiritual, a corrupção da responsabilidade em relação ao cuidado dos pais. É a traição contra o quarto mandamento do Senhor de honrar, isto é, de sustentar, de cuidar o pai e a mãe, que não são outra coisa senão o próximo mais próximo de nós, são a fonte primeira da nossa existência geracional. Essa é a prática mais elegante e astuciosa para tornar um homem impenetrável e refratário às exigências da vontade de Deus. Não tem como amar a Deus sem amar o próximo; e o próximo mais próximo são os próprios pais e irmãos. Os homens e as mulheres de fé madura e saudável devem amar a Deus e ao próximo com o mesmo amor e na mesma intensidade, amar de todo o coração, de todas as suas forças (com todos os seus bens) e de todo o seu entendimento.
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Lukas Betekeneng

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

CONVIVÊNCIA SOLIDÁRIA: CAMINHO PARA A HUMANIDADE MAIS HUMANA E SAUDÁVEL

(Mc 1,29-39)
N

ão tem como pensar em, e falar da libertação/salvação sem pensar e falar do libertador/salvador. O que se percebe na realidade é, que muito pouco um ser humano consegue fazer alguma coisa sozinho sem a contribuição e/ou a participação dos outros. Assim, podemos dizer, sem exagero, que para realizar um desejo na vida, uma pessoa depende, quase, mais de 99,9% da colaboração do Outro, dos outros e dos demais, direta ou indiretamente. Isso significa que, o ser humano é, antes de tudo, um ser social, e sua relação convivencial no espaço comum é de interdependência (relação de mútua ajuda) onde há equilíbrio entre o dever e o direito. Por isso é de estranhar quando houve alguém se ousar dizer, sem nenhuma reflexão crítica, que não necessita de nada nem de ninguém para viver e fazer-se feliz. Se isso fosse o caso, seria mais uma mentira atrás de outras mentiras. Toda a vida humana é, antes de tudo, de interdependência e não de autossuficiência, pois ninguém nasce, vive, cresce, amadurece e ser feliz sem a contribuição dos outros e a dos demais. A solidariedade torna-se, nesse sentido, o paradigma de vida humana social e espiritual. A individualidade, sim, mas o individualismo, não. Pois ele é a corrupção da personalidade humana integral e saudável, é o câncer que corrói as células da unidade comunional da salubridade da convivência social solidária.
A vida existencial é passageira, isto é, de passagem, uma estadia temporária, uma transição. Além de transitoriedade a vida também sempre marcada pelas situações bem contrastes: a alegria e a tristeza, as conquistas e derrotas, a enfermidade e salubridade, cair e levantar. O sorrir e o sofrer são companheiros nessa travessia de vida rumo à eternidade. Assim, segundo a reflexão do livro de Jó sobre a sua experiência de vida (cf. Jó 7,1-4.6-7). Segundo o autor, a vida é como o vento que sopra e também sempre é acompanhada pela dor e sofrimento, dia e noite (cf. Jó 7, 4.7). A dor e sofrimento, do ponto de vista psicológico, são experiências desagradáveis para qualquer ser humano, mas por outro lado, da compreensão espiritual, são caminhos abertos para a transcendência, para o equilíbrio psicoemocional e espiritual, é a oportunidade para o crescimento e amadurecimento integral, uma vez que todas as realidades, por mais contrastes que sejam, fazem parte da existência da vida humana.
O sofrimento tem sua mensagem pedagógica e educativa que transforma a vida do próprio ser humano mais humano solidário, mais compreensivo, mais tolerante, mais respeitoso e, sobretudo, tem mais atitude de cuidado da vida, a própria, dos outros e a dos demais. Quem já tem a experiência da dor e do sofrimento e consegue aprender com isso, tem mais maturidade de lidar com a vida, compreende melhor sobre o que significa sofrer e sorrir, está, mais ou menos, bem preparado para acolher, respeitar e viver a realidade do desespero, da dor e do sofrimento sem perder a fé e a esperança do amor de Deus. A atitude de vida solidária (a solidariedade), neste contexto, torna-se a fonte de alegria (ou, a Boa Notícia de Deus) desejada por toda a humanidade. A solidariedade, em si, é como uma pomada lenitiva que mitiga as dores e os sofrimentos da alma, que suaviza as fadigas imaginárias e alivia o peso das tensões do espírito.
A atitude de solidariedade como ato de cuidado da vida, que não é outra coisa, senão a índole da Boa Notícia de Deus é de responsabilidade de todos nós, homens e mulheres, os apóstolos de Deus. Não é uma obrigação externa, mas é uma necessidade interna, a maturidade da consciência humana social e espiritual, fruto da fé, esperança e amor. O Apóstolo Paulo diz: “Ai de mim se eu não pregar o evangelho” (cf. 1Cor 9,16). Fazemos as palavras de Paulo nossas, dizendo: “Ai de mim se eu não praticar a solidariedade”. A solidariedade se torna, com isso, o projeto de Deus para a salvação da vida humana.
O autor do evangelho da comunidade-Igreja de Marcos apresenta uma situação de dor e sofrimento ou, de enfermidade na comunidade. Entendemos a enfermidade, aqui, no sentido mais amplo: a enfermidade física, a enfermidade mental e moral social e a enfermidade afetiva e espiritual. Há três significados do sofrimento: A), o sofrimento entendido como aviso para a responsabilidade e prudência. Por exemplo, os sofrimentos provocados pelo descuido no trânsito, pela impaciência, intolerância, pelo desrespeito e outros mais que conhecemos. B), o sofrimento como consequência natural; por exemplo, a doença. Nós somos a parte integral do mundo, que é composto de forças em conflito contínuo para a sua sobrevivência. O que é válido nesse conflito, é a lei da natureza: vence quem é mais forte. C), e, por fim, o sofrimento entendido como parte do processo do chamamento para a vida eterna. Por exemplo, o sofrimento da velhice e das doenças incuráveis. A situação do primeiro e do segundo é reversível, mas a do terceiro é irreversível. Essa realidade é preciso ser acolhida e vivida conscientemente e com maturidade, mantendo sempre firme na fé em Deus-amor, que é a única fonte das forças de vida, da esperança e consolação.
Há quatro verbos principais no relato de cura da sogra de Simão: escutar (ouvir o relato dos seus companheiros sobre a situação de saúde da sogra de Simão que já está no pretexto), aproximar, segurar pela mão e ajudar a levantar (vv.30-31). Todos esses verbos representam o processo de solidariedade. Quem é solidário sempre vive com olhos e ouvidos atentos e o coração aberto e sempre está pronto para ajudar. A solidariedade é, portanto, o amor em movimento. O Salmo 73,23 fala que Deus, com suas forças segurara seu povo pela mão direita, conduzindo-o com seu conselho até a sua glória. A maneira de Marcos escrever esse texto exatamente para relembrar a sua comunidade-Igreja da salvação/libertação, da vitória do bem sobre o mau e, sobretudo, da ressurreição (cf. 5,41; 9,27). O autor assinala também que Jesus começou fazer a cura depois da oração sinagogal e terminou o trabalho de cura da sogra de Simão com a oração pessoal. Ou seja, a ação de Jesus sempre começa e termina com a oração. Jesus, segundo o autor, não só curou a enfermidade, mas também expulsou os demônios. Isso significa que, a enfermidade – física e mental e moral social tanto quanto afetiva e espiritual – e o problema de vida demoníaca infiltraram até para dentro da vida privada (no lar familiar). O trabalho de cura, que é o exercício de solidariedade, o ato de cuidado da vida humana torna-se, então, uma missão essencial da vida cristã. Todos nós fomos chamados para essa missão, para fazer o mundo um lugar mais humano e mais irmão, uma sociedade mais solidária e mais harmoniosa, uma convivência cada vez mais saudável, mais justa e mais tolerante, um lar mais  irmão para ser habitado por todos.
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Lukas Betekeneng

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

METODOLOGIA DO LÍDER MADURO E RESPONSÁVEL: VISÃO, AÇÃO, REVISÃO PARA A RE-AÇÃO

(Mc 6,30-34)
U

m líder maduro e responsável nunca ter medo de ser criticado e/ou avaliado a sua atuação, tanto quando exerce o papel de liderança quanto como liderado. Uma vida e/ou uma tarefa não revisada (ou, avaliada) nunca atingir sua meta como foi planejada. A revisão é, portanto, uma estratégia metodológica indispensável do trabalho dos líderes maduros e responsáveis nos seus exercícios profissionais em qualquer campo de vida. E mais ainda, quando se trata de tarefa missionária. Visão, ação, revisão e re-ação são, portanto, a chave de sucesso daqueles que querem se realizar profissionalmente. Revisão é importante para avaliar, além da estratégia metodológica aplicada, também analisar os possíveis enganos da visão inicial para poder reelaborar novos planos e novas estratégias mais eficiente, mais adequadas para atingir a meta desejada. A revisão é, portanto, de capital importância para o novo planejamento.
É nesse aspecto de sábia atitude de coordenação de vida e trabalho de liderança responsável que faz com que os evangelistas apresentam Jesus como um líder-pastor como foi anunciado pelos profetas. Como bom líder que tem consciência de responsabilidade preocupa, não somente com a necessidade do povo, mas também com o momento de descanso dos discípulos para poder reabastecer as forças, para avaliar os trabalhos, revisar os projetos e as estratégias e fazer novos planejamentos. A palavra descansar já expressa o modo característico do trabalho de um líder-pastor maduro e responsável (v.34) conforme assinalam o profeta Ezequiel 34,15 e o salmista 22,2 que dizem que o Senhor Deus, que é o verdadeiro Pastor, conduz seus rebanhos para as verdes pastagens para fazer-lhes repousar. Nessa oportunidade de descanso que Jesus quis fazer juntos com os discípulos a revisão da missão onde foram enviados (6,6b-13).
O evangelista fala que os apóstolos (discípulos) querem se reunir com Jesus para contar tudo o que havia feito e ensinado (v. 30). Por causa das pessoas que vieram ao encontro deles, Jesus pediu-lhes para procurar um lugar mais calmo, no outro lado do mar da Galileia, para se descansar. O plano, no entanto, foi percebido pelas pessoas e, então, foram a pé até outro lado da margem antes mesmo da chegada de Jesus e discípulos. Ao ver a multidão correndo atrás deles, Jesus se sentiu comovido porque eram “como ovelhas sem pastor” (Nm 27,17; 1Rs 22,17; Zc 10,12). Não descansou, pois, começou a ensinar-lhes muitas coisas (v.34). O profeta Jeremias tem acusado os líderes – religiosos e políticos – de não cuidaram do povo de maneira adequada como deveria ser, mas de modo artificialmente, enganando-o (cf. Jr 6,14; 8,11). Essa atitude de Jesus de dobrar suas forças, doar seus tempos para saciar a fome e a sede de vida das pessoas necessitadas, representa a atitude de amor incondicional de uma mulher-mãe que se dobra suas forças e se doa por inteira para o bem-estar de vida de seus filhos; e mais, revela a preocupação de Deus que trabalha sem parar por amor do seu povo (cf. Jo 5,17).
Essa atitude de Jesus (a preocupação constante com a necessidade interna do grupo tanto quanto a do povo todo e disponibilidade de se doar) nos desafia diariamente. De que maneira nós nos organizamos nossa vida internamente? Temos coragem e humildade de revisar e re-planejar nossa maneira de liderança? Estamos abertos a aceitar críticas dos outros, ou sentimos ofendidos e humilhados? Estamos dispostos a aprender a escutar a aspiração de todos no trabalho de liderança ou escutar artificialmente impondo as próprias ideias achando como se fosse melhor e mais importante? Uma vida em comum, contudo, governado por uma única pessoa sem a participação dos demais é, sem dúvida, uma ditadura, tirania, feudalismo fora da época.
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BH., 04/02-2012
Lukas Betekeneng

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A AUTORIDADE CENTRADA NA PESSOA

“No mais simples gotinha está contido o imenso poder do oceano”
(Mc 1,21-28)
P

odemos dividir o nosso texto de reflexão em três partes; a primeira, aparece a cena de entrada de Jesus na sinagoga, em Cafarnaum, num dia de sábado, juntamente com os demais pessoas (vv. 21-22); a segunda, o autor mostra a cena do confronto entre o bem e o mau, representado por Jesus de Nazaré, (do lado do bem) e o possesso (do lado do mau) com a vitória do bem (vv. 23-26); o ponto alto dessa parte é o reconhecimento da identidade originária de Jesus como o digno enviado autorizado: “Tu és o Santo de Deus” (v. 24). A arrogância e a cegueira espiritual acabam impedindo a visão do coração das autoridades para poder reconhecer, em Jesus de Nazaré, a presença salvadora de Deus. E a terceira, sobre o influxo, produzido pelo confronto entre o bem e o mal, nos corações dos ouvintes (vv. 27-28).
O comportamento solidário e os ditos coerentes revelam sua diferença, e o ato humanizador confirma a qualidade do “ser” de Jesus (vv. 22. 27). A pessoa humana, para o Jesus de Marcos, está acima de tudo, é o centro preferencial, qualquer atividade deve estar a serviço do bem-estar integral da pessoa humana e não o contrário (cf. 2,28). Para que haja a diferença e que o novo também possa surgir é necessário que tenha a coragem e a capacidade de reinventar e renovar, tenha a vontade de transformar e não de repetição e/ou imitação cegamente sem produtividade nem novidade. Isto é, a maturidade e a criatividade na fidelidade, é a responsabilidade.
Primeira parte (vv. 21-22). O sábado é, conforme a tradição farisaica do templo, o dia de descanso religioso obrigatório dos judeus (cf. Ex. 20,8-11). Nesse dia, também, é proibido trabalhar, proibido andar até mais de seis estádios (+ 1.390 metros). É o dia reservado especialmente para a oração e estudo da Lei. A própria Lei do sábado foi criada a partir da experiência babilônica do exílio da qual os judeus foram obrigados à corveia (trabalho penoso prestado ao soberano) sete dias por semanas. Cafarnaum (+ 35 km de Nazaré) é o centro de atividade de Jesus, segundo os sinóticos (cf. Mt 4,13; 9,1; Lc 4,31). A expressão: “ensinar como quem tem autoridade”, pode ser entendida como ensinar com creatividade, franqueza, com liberdade. É nesse ponto que consiste a novidade do ensinamento de Jesus.
Comparando com os mestres e doutores da Lei, o ensinamento de Jesus de Marcos demonstra o crédito da confiabilidade de uma autoridade que faz vibrar os corações de todos os ouvintes e dar-lhes a vida nova, o ânimo, o entusiasmo (v. 22). Ou seja, o Jesus de Nazaré, segundo a comunidade-Igreja de Marcos, é a autoridade legítima que merece o crédito de fidelidade. Assim, uma autoridade que não respeita o direito, a liberdade e a dignidade, não protege nem defende o bem-estar dos seus membros e não promove a justiça para todos, não merece respeito, portanto, deve ser questionada, negada e desodedecida.
Segunda parte (vv. 23-26). O autor da comunidade marqueana apresenta seu Jesus, não só como o mais Forte dos fortes (1,7; 3,27) que vence o poder tirânico dos adversários que oprime e coloniza o povo, mas também o Santo de Deus (v. 24), o Enviado divino, a NOVIDADE de Deus em operação. Nesses versículos, o autor mostra a diferença entre a autoridade dos líderes religiosos e políticos e a de Jesus Cristo. Em vez de cuidar, de proteger, de promover a liberdade, de oferecer a segurança, de garantir a integridade física e psicoemocional e espiritual, violentam o povo com sua brutalidade feito o demônio. Ao passo que Jesus de Nazaré demonstra a sua autoridade na atitude de cuidado, de promover a liberdade e libertação, de exercitar a justiça, de proteger e garantir o bem-estar integral das pessoas. A atitude libertadora de Jesus demonstra sua consciência de liberdade e de superioridade em relação às leis, às tradições e aos costumes religiosos. Isto significa que, o ser humano é o mais importante, ele é o centro de toda a atividade sociocultural, política, econômica e religiosa. A religião é para o homem e não o homem para a religião. O Filho do homem é o senhor da Lei (cf. Mt 12,8). Com seus atos Jesus revela que, no mais simples de um homem nele está escondida a força de Deus. Essa força do Espírito de Deus em nós deve ser pregada para salvar a vida de toda a criação e não para subjugar e destruir.
A terceira parte (vv. 27-28). A atitude diferente de Jesus confirma a legitimidade de sua autoridade. A fidelidade farisaica de selar a lei pela lei, para Marcos, é a forma de traição contra Lei de Deus. Ser fiel, na perspectiva de Jesus, é ser criativo para reinventar e dar a vida nova à tradição, é inovar, é transformar. Jesus que é um simples homem do interior, filho de um carpinteiro com uma simples dona de casa, que não faz parte da classe nobre da sociedade, que não é da família sacerdotal e que não tem título de honraria como mestre e/ou doutor da Lei, mas demonstra com convicção a novidade na maneira de ensinar como quem tem autoridade, revelando o crédito de seu ensinamento novo dado com legitimidade, isto é, com criatividade e coerência, capaz de superar as forças dos espíritos maus que ameaçam a tranquilidade e a integridade das pessoas.
Todos nós, homens e mulheres, somos chamados a revelar o rosto de Deus compassivo, amoroso e misericordioso de Deus de Jesus de Nazaré, o nosso Cristo-irmão, através dos nossos ditos sinceros e atos efetivos. Lembre-se que nem tudo que se fala com a Bíblia, a Bíblia fala o mesmo; e nem tudo que se faz em nome de Deus, o Deus aprova tudo aquilo que se faz. É preciso ser prudente e ter cuidado, ser fiel ao amor de Deus pelo amor ao próximo.
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Lukas Betekeneng