sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

“UMA ESPADA TE TRANSPASSARÁ A ALMA”

=SAGRADA FAMÍLIA=
(Lc 2,22-40)
O

 que quer dizer o Simeão com essa frase: “uma espada te transpassará a alma” (v. 35)? A expressão “espada” exprime o castigo, a dor intensa, a guerra, a devastação e a morte violenta? Mais que tudo isso, a espada também simboliza, de modo particular, o dia a dia do real conflito geracional – e de gênero – dentro da família (e da Igreja) como sociedade em miniatura.
Na literatura bíblico-judaica, tanto quanto no Novo Testamento, a “espada” tem um significado simbólico da força da Palavra de YHWH-Adonai. Na Aliança Jesuânica, a eficácia, ou, a força da Palavra de Deus é identificada com a Palavra (ensinamentos) de Jesus Cristo (cf. Ap 1,16; 2,16; 19,15-21; Ef 6,17; Hb 4,12). Percebe-se a analogia entre Lucas 2,35 e Hebreus 4,12, sobre o significado figurado da vivacidade (dinamicidade) e da eficácia (a força) da Palavra de Deus como “espada de dois gumes” que penetra a alma, divide e “revela-perscruta” as razões do coração. Levando em consideração esse simbolismo, vir à tona a possibilidade da compreensão de que a espada para a qual o Simeão acena seja a figura da Palavra de Deus nos ditos e atos de Jesus de Nazaré.
Na realidade, todos os pais já sabem, consciente ou inconscientemente, que em cada nova geração que surge, carrega junto com ela, o novo espírito, a nova visão, o novo modo de ser, de compreender e de viver. E isso cria o desconforto no convívio relacional e provoca, consequentemente, o atrito, o confronto na medida em que quando a geração mais adulta (os pais) não toma logo a consciência disso. Não adianta e nem cabimento obrigar as novas gerações (os filhos) a repetir a experiência dos pais e avôs, por melhor que seja. Os pais – em particular – e os adultos ingênuos, imaturos, desequilibrados, maus preparados psicoemocional e afetivoespiritualmente, imprudentes e irresponsáveis se escandalizam com essa realidade nova trazida pela nova geração (pelos filhos e jovens) que, aparentemente, contraditória, mas na verdade enriquecedora e transformadora. As novas gerações geralmente foram tratadas como futuro promissor (pelo menos no discurso retórico), enquanto que na prática essa teoria não se aplica com facilidade, pois os pais e adultos sempre demonstram incompreensão, sempre dificultam com suas teorias ultrapassadas e visões defasadas, sempre foram, em certos pontos, intransigentes em relação com as novidades e inventam as fadigas imaginárias alegando-se vítimas delas. Em vez de aprender a conviver com as diferenças de modo mais harmonioso, dialogal e responsável, servindo-se, assim, de ponte para conduzir os novos para a “outra margem”, para que eles possam dialogar com o passado memorial dos adultos e o ideal futuro dos jovens para poder viver o presente com mais empenho e mais confiança, fazendo-se de vítimas por causa deles. Os filhos geralmente não esperam tanto dos seus pais a explicação de como viver e relacionar harmoniosamente para com eles e com todos, mas desejam, pelo contrário, a sua exemplificação de vida respeitosa, compreensiva e tolerante.
É preciso que os pais ter a consciência de que cada geração (ou, cada filho que nasce, cada jovem que chega) traz sempre consigo nova visão, novo espírito de vida, novo jeito de ser, de viver e de fazer. Por isso mesmo diz: “Ninguém rasga um retalho de uma roupa nova para colocá-lo numa roupa velha; e ninguém põe vinho novo em odres velhos” (5,36-37). Infelizmente temos vivido, até hoje – na família, na política, na religião e até nas comunidades religiosas carismáticas – a cultura colonizadora, feudal e opressora desrespeitando e ignorando a forma cultural mais sadia e humanizadora do mútuo respeito, do convívio dialogal, da partilha recíproca e enriquecedora como expressão do verdadeiro ser da humanidade-imagem e semelhança de Deus. A fala de Simeão e Ana, como símbolo vivo da sabedoria madura e equilibrada, não é de uma previsão do que vai acontecer, mas, sim, da própria experiência vivida que serve de alerta e/ou de chamada de atenção para a responsabilidade dos pais em relação aos filhos. Os pais (e adultos) devem procurar estabelecer um relacionamento convivencial de co-aprendiz com seus filhos (com os jovens) e não de superioridade e de tirania, cobrando e obrigando para a obediência cega, estéril e suicida.
O futuro dos filhos (e dos jovens) não consiste propriamente no que os pais (e adultos) pensam, mas no que eles percebem do mais valioso nos filhos (e nos jovens) para ser estimulado, investido e desenvolvido, isto é os dons e talentos que o Senhor Deus tem inserido nas fibras de cada indivíduo desde o seio materno. O papel dos pais na educação dos filhos consiste, exatamente, em acompanhar com atenção e zelo de cuidado para descobrir o dom e talento ou carisma que tem de cada filho, e estimulá-lo a desenvolver como forma de prepará-lo para o futuro da vida diferente. Na linguagem mais teológica e espiritual dizemos que, “como Maria e José fizeram com Jesus, os pais (os adultos) devem levar também seus filhos (devem conduzir os jovens) ao templo – de Jerusalém, afim de apresentá-lo ao Senhor” (v. 22). Nesse espaço e tempo entre Casa-Templo (Galileia-Judeia) que os pais devem buscar um modo de educação mais dialogal e mais correspondente entre a formação psicoafetivo-emocional-familiar-e-cultural e ética-e-moral-espiritual-e-religiosa para a vida de seus filhos. Para Lucas, a casa e o templo são o protótipo da sociedade, os lugares de convivência inclusiva entre gênero e gerações, são a escola de vida e amor, espaço-modelo em que se aprende a exercer o direito, o respeito, a justiça, a liberdade responsável, a cooperação, o diálogo, o lugar privilagiado do encontro afetivo-efetivo da humanidade entre si e com Deus. Por isso mesmo que a apresentação do menino Jesus no templo – de Jerusalém – é, para Lucas, a meta final de sua Boa Nova da infância. Dessa forma que faz com o filho cresce e amadurece, de modo saudável, equilibrado e maduro, dotado de sabedoria e graça diante de Deus e dos homens.
Como a experiência do povo de Israel, a palavra de Deus colocada no coração e na boca dos filhos (do Cristo) era causa do espanto e do encanto, do cair e do levantar, da morte e ressurreição. Também, para Maria, analogicamente, comportava dor e alegria feita espada transpassa a alma e divide o coração. Contudo, ela não se entrega no medo e desespero, pelo contrário se mantenha firme na fé em Deus amor compassivo e misericordioso, Deus fiel e justo. Que o espírito da vida e do amor da Sagrada Família ilumine os pais para que eles possam transformar seus lares a escola de vida e amor afetivo-efetivo, de justiça e solidariedade, de direito e mútuo respeito.

________&&&________ BH., 30/12-2011
Lukas Betekeneng

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A GANÂNCIA DO PODER TRANSFORMA O SER HUMANO EM ANIMAL SELVAGEM

(Mt 2,13-18)
Q

ual é a intenção do autor fazer a releitura da história de Moisés, no Egito, nesse relato sobre Jesus de Nazaré (cf. Ex 2,15)? Conforme o texto apresentado, qual é o tipo do ser humano segundo Mateus? Qual é a mensagem que o autor quer nos passar através desse relato? Para facilitar nossa reflexão, podemos dividir nosso texto em duas partes: 1ª parte, vv. 13-15, que relata sobre a fuga para o Egito; e a 2ª parte, vv. 16-18, que fala do massacre contra vida dos inocentes em Belém.
Primeira: a fuga para o Egito (vv. 13-15)
Ao reler a história de Moisés (Ex 2,15), o autor da comunidade-Igreja de Mateus quer mostrar o seu Jesus a sua comunidade como um Novo Moisés para o novo povo de Deus.  Assim, como Moisés, que é o mago da água, foi chamado por Deus para libertar o povo de Israel das mãos dos faraós, do Egito, e conduzindo-o à terra prometida atravessando o mar vermelho e deserto do Sinai, também Jesus de Nazaré, que é o mago da terra, foi chamado por Deus para libertar o novo Israel da morte e conduzindo-o para a vida em plenitude. Mas o autor também inseriu um novo elemento que mostra o significado do seu Jesus personificado: “Do Egito chamei meu filho” (Os 11,1). Jesus é, nesse contexto, além de ser o Filho de Deus, é um Novo Moisés, também é a personificação do novo povo eleito do Senhor (os cristãos). Como Moisés foi chamado e enviado por Deus para criar o povo da outrora, Deus também chama Jesus do Egito para criar um novo povo eleito (cf. Mt 21,41-43). Como Moisés deu aos seus a Torá, o Novo Moisés também deu aos cristãos o Evangelho. A fuga para o Egito serve como pano de fundo histórico da reconstituição do novo Israel (o cristianismo) sob a liderança do Novo Moisés, o Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão compassivo e misericordioso. Jesus, na concepção do autor, refaz o caminho do primeiro povo bíblico de Deus. Assim, o autor percebe na vida de Jesus Cristo a concretização da ação libertadora análoga de Deus. Jesus de Nazaré é, segundo o autor, o Novo Moisés para o novo povo eleito de YHWH-Adonai.
Segunda: massacre dos meninos de Belém (vv. 16-18)
Mesmo que o autor da comunidade-Igreja de Mateus relata um acontecimento de crueldade sem medida contra meninos inocentes de até dois anos de idade, praticado pelo Herodes para defender sua pose, não se encontra o registro oficial desse fato impiedoso em nenhuma fonte extra bíblica. Esse relato pode ser uma releitura que o autor faz da história dos antepassados de Israel quando o faraó perseguiu contra os filhos dos hebreus (cf. Ex 1,15-16). A citação da profecia de Jeremias (Jr 31,15) encontra-se em Ramá, lugar cerca de nove quilômetros ao norte de Jerusalém, nas fronteiras de Benjamin (Js 18,25; Ne 11,33). Ramá (ou, Ramah, em hebraico = altura) é a região onde se encontra a sepultura de Raquel, a esposa de Jacó (1Sm 10,2). Jesus é aquele povo que escapou da espada da crueldade (cf. Jr 31,7). Herodes é, para o autor, o novo faraó em Belém. Isto é, onde há violência, lá tem sempre o faraó. Herodes e faraó são o símbolo da crueldade e/ou a brutalidade contra vida, contra o direito, a liberdade e a dignidade das pessoas, símbolo da ganância, da tirania do poder. Esse faraó e esse Herodes também estão dentro de cada um/uma de nós, homens e mulheres de hoje, nas nossas famílias, nas nossas instituições estatais e religiosas. A prática de crueldade contra crianças inocentes de Belém em vista da defesa do trono revela, inegavelmente, a incompetência da autoridade em todas as gerações da humanidade, em todos os sentidos e níveis.
As vítimas da ganância do poder hoje
Continuamos vivendo em um mundo de contraste: mundo de muita racionalidade e pouca sensibilidade, de muita religião e pouca salvação, de muitos líderes sem liderança, ou de muitos governos e poucas governanças, de muitos códigos de justiça e poucas práticas justas, de muita religiosidade e pouca mística e espiritualidade humanas e salvíficas, de muitos pais e mães e carência de paternidade e maternidade, de muitas explicações com eloquência sobre a fraternidade e falta as exemplificações eficazes da mesma. A brutalidade contra vida em geral, e a das crianças em particular, não só permanece até os dias atuais, mas também se endurece a cada dia. As formas de massacre crescem, endurecem e se sofisticam cada vez mais em nossos dias em nome do poder, do prestígio e da posse camuflado atrás da bandeira de democracia, das leis (constituições), de direito, de carisma, de saúde, de justiça e outros mais (veja imagens).

Essas realidades revelam que o ser humano não conseguiu tornar-se humano salvífico, não conseguiu revelar o rosto de seu Deus-amor compassivo e misericordioso. Ele ainda vive mergulhado na sua miséria de animalidade sóltica (do solo) e empoeirada, ainda não conseguiu ingressar na sua essência angélica e celestial como imagem e semelhança do Criador, como Filho de Deus da vida e do amor. Que o sopro de vida e do amor de Deus, neste tempo de Natal e ano novo, toca a sensibilidade dos homens e das mulheres de hoje.
________&&&________ BH., 28/12-2011
Lukas Betekeneng

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

NATAL: O NASCIMENTO DE DEUS EM FORMA HUMANA PARA QUE A HUMANIDADE POSSA RENASCER, VIVER, CRESCER E AMADURECER NO ESPÍRITO DE DEUS

Refletindo mais um pouco sobre a mensagem do Natal
(Lc 2,1-14)
Q

ual é a mensagem mais profunda de natal para a vida da humanidade hoje? Percebe-se que Lucas faz a sequência de promessa-cumprimento (a dupla dimensão de realismo e de fé) do seu evangelho, ritmada entre a maior dinamicidade: Judeia-Galileia-Judeia, templo-casa-templo, público-privada-público, centro-periferia-centro, masculino-feminino-masculino, divinal-hominal-animal, passado-presente-passado. Tudo isso feito em vista de um amanhã de vida diferente, mais renovada e mais salvífica. Assim, percebe-se que o mais importante é o que está no centro, ele serve de baliza para os dois pólos, e que aponta para o futuro. É uma característica típica da metodologia evangélica da comunidade-Igreja lucana. Isso não é uma crônica do autor com pretensão de ressaltar a devoção sentimental, muito pelo contrário, é um acontecimento real lido à luz da fé crística.
 O sentido do nascimento de Jesus, nesse relato lucano, é dado pelo anúncio do anjo de Deus aos pastores, revelando, dessa forma, o destinatário da “Boa Notícia” de Deus sobre a chegada do Messias prometido e esperado: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um salvador, que é o messias senhor” (v.11). O esquema do anúncio do anjo aos pastores segue o habitual típico de aparições celestiais de Lucas: a glória radiante, o espanto (dos pastores), o encorajamento (do anjo), as palavras de alegre mensagem, o sinal. Após esse anúncio, ressoa no céu um canto litúrgico da glória a Deus: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados” (v.14). Percebe-se, que há duas palavras de destaque: a “glória” que se refere a Deus e a “paz” que se refere aos homens. Isto é, a paz na vida da humanidade, isso mesmo, somente a paz verdadeira e profunda na vida da humanidade que revela a glória de Deus. Essas duas palavras se baseiam em um fundamento sólido que serve como razão do porque somente a paz na vida do ser humano que revela a glória de Deus: o amor. O ser humano é o objeto do amor de Deus, ou melhor, é o amor de Deus em pessoa na terra, por isso quando a vida de um só ser humano é atormentada, desrespeitada e destruída oculta a glória de Deus, pois o ser humano é a própria imagem do Criador Deus no mundo.
Assim, nos faz entender do porque Deus tomou essa atitude radical de deixar o céu e se encarnar na realidade do ser humano, tornando-se um de nós e habitou no nosso meio. O nascimento de Deus em forma humana, não tem outra razão a não ser para que o ser humano pode renascer, viver, crescer e amadurecer no Espírito de vida e amor de Deus através da humanização de sua própria realidade humana cada vez mais humana salvífica.  Deus vem aprender conosco na nossa fragilidade para nos proporcionar a possibilidade de poder aprender com ele na sua capacidade de superação. Se não fosse assim, o natal que se celebra hoje não teria sentido e a vida continua do mesmo jeito. O nascimento de Deus revela o quanto o ser humano é importante. Assim, o ser humano deve aceitar seu próprio ser para revelar, por sua vez, a glória de Deus como o princípio e fim de sua existência. Que esse tempo de natal seja o tempo de renovação do espírito de vida, de redimensionamento da própria vida, do amor afetivo-efetivo e do relacionamento convivencial do dia a dia.
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Lukas Betekeneng

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

NATAL


MENSAGEM
Natal é vida nova: reencontro, reconciliação, resgate, recuperação, renovação, reconstrução e revigoramento do amor afetivo e efetivo.
É transformação, redimensionamento, revisão, é um mo mento de paz e do amor reconquistados e reconstruídos...

É um momento de revisão e conversão: rever as atitudes de poucas amigas (as groseiras) no passado, as relações poucas amigáveis de ontem, o esfriamento do clima de convivência nos dias anteriores...

Deixem que as alegrias, a esperança e a paz natalinas invadam seus corações, que o calor e a luz do amor do menino Jesus aquecem e iluminam suas vidas e suas relações convivenciais....

É um momento de abrir o coração e dizer o que sente para com os outros em um espírito de confiança mútua e sem medo, momento de confessar as falhas e concertar os erros, de reconstruir o que foi destruído e de reatar os laços que foram cortados...

É o momento de revelar o arrependimento, de abrir a mão e dar abraços, de cobrir os rostos com dóceis beijos de reconciliação e renovação de compromissos e comprometimentos...

É o momento de dizer e/ou redizer: eu te amo, sim, de todo o coração porque você é especial para mim...

                                         Desejo a todos e todas um
FELIZ NATAL-2011 E PRÓPERO ANO NOVO 2012.
Lukas Betekeneng

sábado, 10 de dezembro de 2011

A HUMILDADE: A MARCA DA SABEDORIA DO AMOR MADURO E EQUILIBRADO

“A humildade é a base e o fundamento de todas as virtudes e sem ela não há nenhuma que o seja”[1].
3º Domingo do Advento, 11/12-2011
C
(Jo 1,6-8.19-28)
omo outros evangelistas, o autor da comunidade-Igreja joanina apresenta, igualmente, o Batista como testemunha ocular da humildade e da cordialidade na sua relação com Jesus de Nazaré. Assim, na sua programação de “semana teológica”, o autor apresenta a confissão de fé, vida e missão do Batista. Diante de uma comissão investigadora, enviada pelos levitas, fariseus e saduceus, João Batista deu seu testemunho de fé e vida, sem medo, sobre Jesus de Nazaré em um tom bem irônico e acusatório, dizendo: “Eu não sou nem Messias, nem Elias (o profeta que prega a fidelidade à Lei de Moisés) e nem profeta. Sou a voz que grita no deserto. Eu batizo com a água (reconhecimento de si); mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis (ironia e acusação) e que vem depois de mim. (agora, vem o testemunho de humildade e, ao mesmo tempo, mais ironia contra os sacerdotes, os levitas, os saduceus, os doutores da lei e os anciões em geral) Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias” (vv. 20.21.23. 26.27). João Batista é, segundo o autor, o fiel portador da modéstia, da cordialidade, do respeito, da simplicidade, da honestidade, da passividade e da humildade. É esse testemunho joanino que faz nascer a fé do discipulado crístico (v. 7). É o ato de promover a vida pela vida futura esperançosa e transformadora. A missão específica de Batista, segundo o autor, é endireitar o caminho de vida e fé em Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão misericordioso.
Através de sua resposta negativa: “eu não sou”, revela o conteúdo de seu ensinamento: ele ensina a ser fiel ao amor de deus, e não para obedecer a Lei de Moisés, representada pelo Elias ou um outro profeta; isso porque acreditaram que, com a prática de obediência a Lei, haveria de surgir um novo profeta como Moisés (cf. Dt 18,15.18) A pergunta: “Quem é você” (v.19), revela o pano de fundo da situação: o conflito e/ou a crise de identidade e de valores, de liderança e de maturidade, de equilíbrio e de relações entre gerações, crise de esperança de vida e de fé. Deve lembrar que esse autor tem sua característica típica, usando os termos de oposição, como: céu x terra; de dentro x de fora; saber x não saber; espiritual x profano, conhecer x não conhecer; ver x não ver; filhos da luz x filhos das trevas; anjos x satanás (aquele que separa; desune).
A palavra “humildade” é de origem latina – humus – que quer dizer, filhos da terra. Refere-se à qualidade daqueles que não tentam se projetar sobre as outras pessoas e nem mostrar-se superior a elas. Essa é a qualidade de João Batista que o autor pretende mostrar aos seus adversários. Assim, o termo que o Batista adotou: “eu não sou” como forma simbólica que serve de chave para abrir o caminho para Jesus que vai se revelar como “Eu sou” ao longo de sua missão. O termo “eu sou” adotado pelo autor, revela a fidelidade ao Deus-amor e não à lei. Por isso diz: “A Lei foi dada ao por Moisés, mas o amor e fidelidade vieram através de Jesus Cristo” (1,17).
Quando o Batista diz que não merece tirar as sandálias (a “lei do cunhado”) nos pés de Jesus, ele, na realidade, está revelando o Jesus Cristo como o “esposo” da humanidade, por isso confessa que não tem nem merecimento nem poder e nem direito para desamarrá-las. E quando se apresenta como a “voz no deserto”, relembra a voz de Deus que chama o povo do Egito caminhando pelo deserto rumo à terra prometida, terra de liberdade e de vida. João diz também que batiza com água, isso ele quer relembrar a travessia do povo no mar vermelho, liderado pelo Moisés; e afirma que Jesus batiza com Espírito Santo, significa que o Cristo-esposo, com sua prática de fidelidade e amor pela vida, vai liderar o povo-esposa nessa travessia rumo à vida em plenitude.
Nessa crise de vida atual, estamos atentos aos sinais dos tempos? Somos capazes de ouvir a voz de Deus? Quais os testemunhos que devemos dar para fazer nascer a fé e amor nos nossos ouvintes? Qual a nossa atitude diante das novas gerações, de confiança ou de desconfiança? Quais as nossas práticas que entortam o caminho de Cristo em relação para com os jovens?
________&&&_______ 11/12-2011
Lukas Betekeneng


[1] Miguel de Cervantes Saavedra de Alcala Henares ou, Miguel Cervantes (1547 - 1616) é o célebre poeta espanhol.

sábado, 3 de dezembro de 2011

RECONHECER-SE E RECONHECER OS OUTROS É A ATITUDE LOUVÁVEL DO HOMEM MADURO, SÁBIO, EQUILIBRADO E RESPONSÁVEL

A idade não forma o equilíbrio e também não serve nem como sinônimo e nem como garantia da maturidade de uma pessoa; a experiência é o verdadeiro mestre que conduz cada indivíduo pelo caminho da paciência e perseverança rumo à maturidade segura, equilibrada e responsável”.
2º Domingo do Advento
(Mc 1,1-8)
E

sse anúncio marqueano de Jesus como Filho de Deus não é uma introdução de uma obra literária espiritual qualquer, é o começo principal e a maturação histórica de um fato decisivo para a existência histórica de vida de toda a humanidade. Essa abertura que o autor faz é, na realidade, a conclusão histórica da trajetória de vida de Jesus na comunidade-Igreja de Marcos: “Ele é, de fato, o Filho de Deus” (15,39). A palavra que sai da boca do centurião é, para o autor, decisiva para o conhecimento e reconhecimento capitular de Jesus como o Messias enviado de Deus. Essa é a pedagogia da evangelização, própria do autor, de colocar a trajetória histórica de vida existencial do Jesus de Marcos entre os ecos do conhecimento prévio e do reconhecimento definitivo, da afirmação inaugural e da confirmação conclusiva.
O Jesus de Marcos é o “Forte dos mais fortes da casa” (3,27) por isso é o Filho de Deus (v.1), e essa é a Notícia Alegre que o autor prefere anunciar aos membros de sua comunidade-Igreja. Por ser Forte dos fortes, por isso não precisa temer com nada, pois Jesus é a garantia segura daqueles que depositam sua esperança e apostam na sua fidelidade. E assim, Marcos, com esse anúncio inaugural, dá aos seus companheiros, amigos e irmãos de fé da comunidade-Igreja um indício do fim e propósito do seu anúncio crístico sobre o Nazareno: esse Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão misericordioso é o Filho de Deus. Só nele se encontra o lugar seguro para a fé, por isso pode apostar sua confiança, pode ser seu companheiro de viagem nessa travessia de vida, pois é o Forte dos fortes, portanto, será como garantia de uma travessia bem segura. Os pingos das ondas das dificuldades de vida não serão transformados em oceano agitado que impede a viagem e nem afunda a barca. Esse é o convite permanente de Marcos para se fidelizar ao seu Cristo de fé e segui-lo no seu caminho de serviço de vida, a Deus pelo próximo. Jesus de Nazaré, para esse autor, é a própria Notícia Alegre (o Evangelho) de Deus em pessoa que traz ao mundo a esperança de vida nova transformada, sugerindo a harmonia no convívio relacional entre os diferentes, anunciando o tempo novo da paz e salvação para toda a humanidade, divulgando o reinado do amor de Deus como já foi anunciado pelo profeta Isaías (cf. Is 52,7).
O profeta Isaías serve, para o autor, como autoridade de peso histórico da promessa messiânica de Deus para a entrada de Batista na cena da apresentação de Jesus como o Evangelho vivo de Deus no mundo. A função do Batista no Evangelho de Marcos é como a voz que ecoa no deserto da vida chamando a atenção das pessoas para Jesus, revelando-o como Messias prometido que vem trazer a novidade e a alegria para a vida da humanidade.
A roupa (os pelos de camelo) usada pelo Batista e a comida (o gafanhoto) e a bebida (o mel) simbolizam a aridez-doce, a amargura alegre, a solidão acompanhada, o deserto fértil de vida, isto é, o desafio e oportunidade, a crise profunda e o crescimento maduro da vida de fé e amor. É essa experiência vivida na paciência e perseverança que faz a vida crescer, amadurecer e se equilibrar na sabedoria e na responsabilidade da convivência entre os gêneros e as gerações.
Marcos mostra o seu Batista como um homem maduro, humilde, um sábio equilibrado e responsável, aquele que sabe o momento certo e a hora certa de ceder o lugar ao outro, capaz de reconhecer o outro como diferente, como digno portador do novo, por isso declara: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias” (v.7). Essa sábia atitude de João Batista é como chave marqueana de abertura para permitir que a novo aconteça e logo para já no aqui e agora. A mudança da própria atitude só é possível na medida em que uma pessoa mais madura, com o espírito de bom senso e de humildade, capaz de se indignar com sua própria realidade de limitação e inadequação e que proporciona a abertura interior para o auto-reconhecimento de sua própria invalidade. Somente assim que se abre, enfim, a visão para reconhecer o outro e sua capacidade e cedê-lo o lugar para que a mudança possa acontecer. Se não for assim, a vida não tem mais sentido e nem a atração, será de uma parada mortal e, portando, será de grande desânimo e desinteresse, a vida não será nem quente nem frio, é plastificada, tem brilho aparente, porém, sem vida nem aroma. A vida assim não merece ser vivida. E esse é o sinal dos tempos atuais que está acontecendo todo o dia entre nós, nas nossas instituições religiosas e comunidades de vida de fé, tanto quanto nas instituições políticas e familiares, que precisa ser lido com sabedoria crística e maturidade evangélica.
Essa é a crítica do Batista de Marcos aos anciões e líderes religiosos e políticos que não reconheceram as novas gerações representadas por Jesus de Nazaré e nem querem cedê-lo o lugar de forma alguma. Pelo contrário, querem eliminá-lo logo do meio deles. Mesmo que seus modos de vida não servem mais para nada nem como referência alguma e nem suas idéias e pensamentos como inspiração para a animação de vida de esperança.
Mas essa crítica de Batista é serve também, e principalmente, para nossa vida de hoje, tanto a vida na Igreja, nas congregações religiosas, nas comunidades de fé quanto na vida de nossas famílias e instituições políticas. De fato, se os velhos não “desaparecerem” na cena, o novo nada surgirá em lugar algum, e a mudança esperada, consequentemente, não acontecerá, e assim, a vida morre aos poucos. Percebe-se que em maioria das nossas instituições religiosas e comunidades são lideradas pelas pessoas de idade bem avançada e com ideias e pensamentos muito defasados. São como odres velhos que tentam, em todas as formas, assegurar a pressão das forças do vinho novo da vida, mesmo sabendo que os odres velhos não servem mais nada para o vinho novo (cf. 2,22). Como diz o saudoso falecido José Comblin: “as lideranças nas nossas Igrejas e comunidades religiosas são muito gerentocrática”. Essa profecia de Batista marqueano é, para nós hoje, uma chamada à renovação, à transformação, chamada à humildade e à maturidade. Exatamente nesse tempo de advento que é o tempo propício para repensar e examinar nossa vida, para promover a mudança e transformar o antigo em novo; para reconhecer-se que não á mais adequado e reconhecer o outro como digno do novo, dando-lhe, assim, o legado e confiança para fazer novas todas as coisas. É o tempo de se transformar a antiga água batismal em espírito novo e dinamizador para a vida mais esperançosa e alegre, a vida que aponta para o futuro diferente, e que começa já no hoje salvífico (cf. Lc 19,9), no aqui e agora da hora crística da glorificação de Deus no seu Filho e o nosso irmão (cf. Jo 12,23).
_________&&&________ BH., 03/12-2011
Lukas Betekeneng

sábado, 26 de novembro de 2011

CUIDADO! FICAI ATENTOS! VIGIAI!

 “Elegância é a arte de não fazer notar, aliada ao cuidado sutil de se deixar distinguir”
(Amborise-Paul-Toussant-Jules Valéry)[1]
1º domingo do Advento
(Is 63,16-17.19; 64,2-7; 1Cor 1,3-9; Mc 13,33-37)
O

 tom do discurso marqueano do Evangelho com essas três palavras de maneira sucessiva, cria em nós uma sensação ou, clima – psicoemocional tanto quanto moral e espiritualmente  – meio tenso e apreensivo. Além disso, também nos faz imaginar o quanto a situação do convívio político e social na comunidade-Igreja de Marcos naquele exato momento. Faz-nos, igualmente, imaginar a cena de uma sociedade vigiada, insegura onde as pessoas vivem correndo contra tempo, todo mundo anda com pressa, uma vida de verdadeira corrida onde a rua é de todos, mas cada um por si, ninguém pára para cumprimentar a ninguém, todo mundo desconfia de todo mundo, todo mundo correndo atrás de alguma coisa. A vida está de alerta máxima, de sobreaviso: cuidado! Ficai atentos! Vigiai! Mas por que a razão de o autor insiste tanto na vigia e no cuidado?
A razão da insistência do autor sobre a vigilância, o cuidado e o estar sempre em prontidão é a certeza da incerteza sobre a vinda de Jesus Cristo (vv. 33.35), em uma perspectiva escatológica ou, a parusia. Os termos adotados pelo autor serve, na realidade, como alerta para uma atitude de prudência como forma de se cuidar e preparar a própria vida diante dos desafios, de modo especial o desafio em relação com a salvação da própria existência. É o momento de se cuidar da própria ação convivencial, de se vigiar e sempre atentos aos sinais dos tempos. Cuidar dos pensamentos que se revelam nas palavras; cuidar das palavras que se imprimem nas ações; cuidar das ações que se perpetuam como hábitos; cuidar dos hábitos que formam o caráter; e cuidar, enfim, o caráter que dirige o seu destino final de vida.
Tanto a primeira quanto a segunda leitura e o Evangelho de hoje nos chamam a atenção para a vida de cuidado e de vigilância permanente para não ser surpreendido. Assim, de modo especial nesse tempo de advento, que é o tempo de preparação de vida para a celebração do dia natalício de Jesus Cristo, o Emanuel. Mas, preparar o que e para que? É importante, sim, a preparação do físico-material, mas mais importante ainda é a preparação integral do nosso ser – físico, psicológico, ético e moral social e espiritual – como pessoa humana-imagem-e-semelhança do Criador divino. O Advento é o tempo de re-nova-açao (renovação) do jeito de ser, de conviver e de agir, o tempo de reconciliar, de perdoar e amar, é tempo oportuno de transformação de vida cada vez mais humana e salvífica, é o tempo de voltar ao caminho de Deus da vida (metanoia).
É esse modo de vida vigilante, prudente e de cuidado que nos difere dos demais, é a marca de vida do discipulado crístico. Só o homem e a mulher sábios, afetuosos, maduros, responsáveis e equilibrados que sabem o que significa viver dessa forma. Os cristãos todos são chamados para ficar de sobreaviso, de vigilância permanente, de cuidado contínuo, pois ninguém sabe, nem o dia e nem a hora, da chegada do Senhor (vv. 32-33.35.37). Para Marcos, é óbvio que os discípulos e seguidores de Jesus devem ser missionários atentos dessa Boa Nova de Deus, no aqui e agora, pois o anúncio da vinda do Filho do Homem na sua glória foi lhes confiado. “O que vos digo, digo a todos: vigiai” (v. 37). Há duas intenções da celebração do tempo advental: primeiro, é o tempo de preparação para a celebração da vinda de Deus em forma de um ser humano fragilizado: o Jesus de Nazaré; e o segundo, é a preparação para a segunda vinda do dia do Senhor de cada um e cada uma de nós para nos buscar de volta à casa celeste.
“Que o vosso amor seja sincero e sem hipocrisia, detestando o mal e apegando ao bem” (Rm 12,9). Se o seu amor fica limitado no nível do ouvir da Bíblia, do discurso homilético, da oração programática e do sacrifício ritual, e quando amar se limita aos amigos, parentes e conhecidos, essa prática de amor é pura hipocrisia. Procure fazer o bem para com todos sem discriminação, isto é, para além dos conhecidos: os desvinculados, desconhecidos e os estrangeiros, fazer o bem até para com os inimigos (cf. Lc 6,27). Pois “tudo e qualquer que fizestes a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (cf. Mt 25,40). “Se fazeis o bem aos que vo-lo fazem, que graça alcançais? Pois os pecadores também agem assim” (Lc 6,33). Como estamos vivendo a nossa vida de oração? E como estamos rezando da nossa experiência de vida? Se a vida de oração não fosse vivida concretamente no dia a dia, a própria oração seria uma farsa, um simples balbuciar sem força nem sentido; e se a própria experiência cotidiana de vida não se transforma em frases e versos de oração, a própria vida seria como a flor de plástico que mostra apenas o brilho aparente, no entanto, não oferece nem aroma e nem a vida.
Desejo um Bom Advento para todos! E que a luz do amor de Deus acompanhe cada uma e cada um no seu contínuo esforço de vida vigilante, atenta e prudente, no decorrer de seu preparo até a chegada do dia do Senhor.
_______&&&_______ BH., 25/11-2011
Lukas Betekeneng


[1] Amborise-Paul-Toussant-Jules Valéry ou, conhecido e chamado como Paul Valéry (1871-1945) é um filósofo, escritor e poeta francês da escola simbolista. Suas obras são reconhecidas (em 1917) pela originalidade e pela variedade de temas elaborados, como arquitetura, artes plásticas, músicas e dança entre outras. Mas sua obra mais conhecida popularmente foi quando ele lançou seu poema cujo título “A jovem Parca”, em 1917. Por causa de um amor não correspondido, por Madame Rovira, que fez com que o Paul Valéry se voltou para a reflexão filosófica. Algumas obras filosóficas publicadas em um período de crise foram: “A introdução ao método de Leonardo da Vinci” (1895) e “Monsieur Teste” (1926).

SOB A ÁGUA

                                (Uma reflexão poética)
Sob a água do céu da minha cabeça, e sob as águas no quarto do meu banho, na cama da minha alma, pingando, fluindo na janela do meu quarto...
Sob a água e sobre o fluxo das águas nascentes, da fonte..., fluindo rumo à foz..., do rio poluído..., fluido calado...,
Sobre o fluxo e os refluxos do fluxo da Água das águas da vida – da Água vem a Vida do vivente..., presente, alegando-se inocente
Do fluxo e os refluxos, perplexo-reflexo, na cama da minha alma, na janela do meu quarto, sob a água e sobre o fluxo das águas na escama do inseto..., exceto na palma da minha mão, o rio poluído, fluído..., calado...
Molhado na minha cama, após o banho do meu quarto, após o sonho do meu sono, após as idéias plebéias, após o café com fé...
Despido sob a água do céu da minha cabeça..., e sob as águas do quarto do meu banho, na cama da minha alma, todo molhado, despido no berço, embalado na manjedoura..., que ninguém adora...
Despido sob a água do céu e sobre as águas do rio..., fluido..., na palma da minha mão, poluído..., calado..., molhando todo o meu corpo..., nu...
Despidos todos – somos – loucos – eu – ELE – você!

_______&&&_______ BH., 25/11-2011
Lukas Betekeneng

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A FIDELIDADE “CREATIVA” E A ESPERANÇA PERSEVERANTE: BASE FORTE PARA UMA VIDA DE FÉ E AMOR RESISTENTE

(Lc 21, 12-19)
“Quando se ama, a fidelidade não custa nada”
P
(Henry de Montherlant)[1]
ercebe-se que o discurso lucano do evangelho dirigido aos cristãos de sua comunidade-Igreja remonta, na realidade, ao fato do Jesus de Nazaré, o Cristo-irmãos misericordioso da fé, todavia, foi influenciado pela própria experiência cristã recém-nascida do testemunho de queda de Jesrusalém (vista e interpretada como julgamento divino por causa de sua infidelidade ao amor de Deus, seu descuido e sua imprudência) e da perseguição sistemática e popular dos primeiros mártires, como: Estêvão, Pedro, João, Tiago e Paulo, e muitos outros. Essa real experiência de vida serve, portanto, como exemplo e estímulo para todos os discípulos e seguidores: a coragem no testemunho da verdade de fé, a humildade e prudência no convívio interrelacional com os diferentes, a fidelidade ao amor incondicional de Deus anunciado e testemunhado por Jesus Cristo, a firmeza na esperança viva e ativa da graça protetora e salvadora e a confiança plena no Espírito salvífico do Pai celeste.
Entre todos os autores do Evanglho, Lucas é um evangelista diferenciado ao escrever sua Boa-Nova de Deus, em Cristo, estruturando em três tempos: o tempo profético da promessa esperançosa; o tempo crístico da revelação e realização efetiva da promessa messiânica; e, porfim, o tempo eclesiológico da mundialização do testemunho do amor fraterno. Em todos esses três tempos de economia da salvação divina, foram e serão sempre marcados pela perseguição e martírio, aqui e acolá, de uma e/ou de outra forma. Essas realidades desafiadoras são o preço do amor pela verdade de vida e seu sentido e que também já foi e será sempre pago pela outra vida para, mais tarde, poder reté-la de volta, no momento de sua plenitude (9,24), por essa confiança, diz: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida” (v. 19).
A própria presença de Jesus serva como luz reveladora que clareia o passado improdutivo, defasado e caduco e aponta para um caminho novo transformador do futuro a ser seguido. Ou seja, a presença reveladora de Jesus já é o próprio tempo de regeneração, de pro-vocar-ação (provocação), de refundação ou, de refontização, de redirecionamento, de re-nova-açao (renovação), é o tempo de crise e de crascimento, de auto-re-parturição de vida (cf. Jo 3,3), de aprender a reaprender a conviver e amar e ser fiel com o entusiasmo de uma criança (cf. Mt 18,3).
O tom assombroso do discurso do autor não é, contudo, para amedrontar o entusiasmo dos fiéis no seu testemunho, mas também não para hesitar o seu espírito de chicoteamento moral/espiritual e psicoenocional em nome do amor pela verdade nem para ascender a chama do ânimo descontrolado. Muito pelo contrário, serva de alerta ou prevenção – baseada na própria experiência – para ter mais consciência da realidade e a prudência na hora de agir, ter mais coragem e, ao mesmo tempo, humildade, mais fidelidade e firmeza, mais confiança, amor e esperança. Os discípulos e seguidores de Jesus, por causa dessa realidade, não podem ficar nem temeroso, nem ansioso e nem frenético sobre as perseguições que vão se encontrar pela frente. Todos eles, claro, terão oportunidade de dar seu testemunho (cf. At 3,15; 4,20). Contudo, não precisam preocupar em nada nem mesmo com o que irão dizer no momento do julgamento, pois, garante o autor, o próprio Espírito do Ressuscitado vai atuar com eficiência e eficácia no momento certo e na hora certa, de tal modo que nenhum de seu adversário poderá resistir ou rebater (v. 14).
Tudo isso, segundo o autor, é para demonstrar o tamanho de seu amor por um “nome”. O nome desse que eles têm acolhido, crido e depositado sua confiança e esperança: o Jesus de Nazaré, o Emanuel que se tornou o Cristo-irmão misericordioso. O nome, para nós no Ocidente, não diz quase nada, mas para o Oriente, ter um “nome” significa a síntese do “ser” alguém na vida e na missão. Meu nome é minha missão. O nome é a porta de entrada do ser. Tudo o que vivo e faço externamente tem a ver com aquele que sou internamente. Assim, quando mudar de nome de alguém significa mudança de sua missão. Para o autor, os discípulos e seguidores têm de mostrar seu amor per esse “nome” apostando tudo o possível. Porém, não devemos esquecer que a fidelidade serena e a confiabilidade plena só existem realmente para quem ama verdadeiramente. Mas, em que, afinal, consiste esse amor eternal por causa da importância desse “nome” que se exprime na fidelidade e confiabilidade?
Amar sempre é um arriscar-se consciente, corajoso, confiante e “creativo” de sua própria vida e felicidade, apostando nos dias melhores. O amor é a força mística de vida que sempre está em busca de união comunial com outra vida, que não é outra coisa senão a própria vida de Deus em nós. Quem ama de verdade, sempre disposto a se “desaparecer” no outro ou na outra por amor, com amor e no amor. Assim, o Deus, por causa de tanto amor por nós, se entregou totalmente através da fusão de seu Espírito desde o princípio da criação do nosso ser existencial. Mas, de tal perfeita essa entrega que faz com que se desapareceu por completo em nós para nos dar a vida. Como se isso ainda não bastasse, tomou uma atitude ainda mais radical para demonstrar seu amor sem limites, se tornou um de nós, assumindo totalmente a nossa natureza humana, se acampou no meio de nós e se entregou na dor e experimentou a morte na lenha da cruz por nossa causa, entrou no seio da terra para nos tirar da boca do túmulo de nosso próprio egoísmo e egocentrismo.
O amor eternal consiste, portanto, na disposição espontânea de aceitação do outro como outro inigualável, de tão profundamente desigual que nos torna, por isso, ainda mais radicalmente semelhante, e por isso mesmo esse outro ou essa outra é importante para o meu “eu”; consiste também no espírito de tolerância e de mútuo respeito pelas diversidades, em todos os sentidos e níveis, diversidades essas que são tidas e cridas como riqueza incomparável, como fonte inesgotável e graça derradeira que Deus tem concedido para a nossa felicidade.
A consolação psicoemocional e moral/espiritual contida nas duas frases finais sobre a realidade do fim: “Vós não perdereis um só fio de cabelo da cabeça. É permanecendo firmas que ireis ganhar a vida” (vv. 18-19), não é uma visão triunfalista, mas é um convite claro à atenção e à reflexão no hoje de vida.
Como estamos vivendo a nossa fidelidade? Estamos tendo creatividade para superar a nossa dificuldade ou simplesmente deixamos como era e continuamos o nosso ritmo de sempre como se não tivesse nada? E a nossa esperança, está acompanhada do espírito de perseverança operante ou de sempre repetente? É necessário derrubar o medo e abandonar o tradicionalismo e narcisismo de vida adâmica para implantar o novo modo de ser, viver e agir como homem novo na sua maturidade em Cristo Jesus.
______&&&______ BH., 23/11-2011
Lukas Betekeneng


[1] Henry de Montherlant (1896-1972) é um escritor ensaísta e novelista francês.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A FÉ AMPLIA TRANSFORMANDO A RELAÇÃO DE PARENTESCO EM COMUNIDADE DE IRMÃOS EM DEUS

(Mt 12,46-50)
D

iante dos desafios que a comunidade-Igreja recém-criada enfrenta no começo de sua vida, a pergunta que está na cabeça de todo o mundo seria essa: o que é que nos difere com os outros povos e crenças? Ou seja, qual é a marca típica de nossa identidade como seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré, o Cristo-irmão misericordioso? Como aconteceu na comunidade marqueana e lucana, assim também na comunidade mateana do Evangelho: a busca constante de identidade própria de vida do discipulado crístico. A busca do novo jeito de ser, de viver e de agir.
Como maior desafio da comunidade-Igreja de Mateus é o conservadorismo e/ou tradicionalismo judaico dentro da própria comunidade-Igreja, o movimento cristão precisa de uma identidade clara, de uma espiritualidade própria e de uma compreensão diferente de ser, de viver e agir como homem e mulher de fé. Precisa de uma luz clarificadora do interior capaz de identificar uns e outros e unificar o grupo em torno de um objetivo comum: procurar ser, viver e agir de acordo com a vontade de Deus que está no céu através da escuta de sua Palavra-Vida e a põe em prática salvífica, para consigo e com o próximo (v. 50; Mc 3,35; Lc 8,21). É esse objetivo comum que serve como vínculo que estabelece o inter-relacionamento lógico ou de interdependência afetiva-efetiva entre os membros.
Por desconhecimento (ou, até por causa de parcialidade e/ou precariedade das informações) cultural do povo oriental em geral e do Médio Oriente em particular e mais especificamente da cultura semítica que faz com que alguns chegaram a afirmar – e ainda continuam afirmando – de modo equivocadamente que Jesus tem rompido seu vínculo com sua família sanguínea para viver isoladamente com seu grupo reduzindo, dessa forma, em uma simples coexistência. Essa interpretação, no meu modo de ver é muito sintomática, interesseira e manipuladora e, portanto, insalubre para a vida mística e espiritualidade cristã. Mesmo porque a compreensão de família e de familiaridade cultural oriental é bem diferente do Ocidente. A formação de uma família, na cultura oriental, se baseia em uma concepção da aliança sagrada, profunda e indissolúvel, indivisível e inviolável, pois é o centro gerador e formador e transformador da vida, e não de uma concepção de contrato. E a familiaridade vista e crida como fruto dessa graça da aliança estabelecida que restabeleça um novo vínculo interno ampliado, e que ultrapassa a concepção sanguínea de familiaridade. Assim, torna uma pequena família em “Grande Família”.
Jesus tem se distanciado de sua família natural para se dedicar à missão salvífica e libertadora de Deus, e esse distanciamento é a consequência, mas nunca a abandou no sentido de rompimento do seu vínculo familiar. Se fosse, seria mais uma especulação do intelecto racionalizado que a racionalidade do real sentido da experiência vivida.
O evangelista – assim como Marcos e Lucas – mostrou o seu Jesus tentando superar a tradicional compreensão judaica de irmão (ou, de família e familiaridade). Antes, a compreensão de irmão gira em torno de cinco possibilidades: irmão de sangue (do mesmo pai e da mesma mãe), irmão pelo parentesco tribal, pela circuncisão, pela localidade residencial e, por fim, pela descendência abraâmica. Jesus supera, por sua vez, a compreensão de irmão pela fé em um e único Deus que está no céu como Pai de toda a humanidade e todos somos irmãos e irmãs.
Para Jesus, agora é o momento de sair da toca aprisionadora para se lançar no horizonte de vida fazendo todos e todas a irmã e o irmão no mesmo e único amor misericordioso do Pai celeste, “concidadão dos santos e membros da família de Deus” (Ef 2,19). E a identidade dessa nova “Grande Família” é a fidelidade operante da vontade de Deus: “Quem quer que faça a vontade do meu Pai celeste este é meu irmão, minha irmã, minha mãe” (v. 50). Essa é a marca de vida dos discípulos e seguidores de cristo: escutar atentamente a Palavra de Deus, buscar sem cessar a sua vontade e põe em prática com criatividade na fidelidade (cf. Lc 8,21). Os cristãos, segundo o evangelista, são os procuradores e fazedores da vontade de Deus. As congregações religiosas na Igreja, hoje, são tentativas da realização desse projeto crístico de “Grande Família” de fraternidade e irmandade (ou, de familiaridade) baseada na fé. Como estamos vivendo a nossa “Grande Família” de fé? Em outras palavras, para onde está indo e onde quer chegar a nossa “Grande Família” de fé, eclesial e congregacional?
________&&&_______ BH., 21/11-2011
Lukas Betekeneng

domingo, 20 de novembro de 2011

DO JESUS HISTÓRICO E CRISTO DA FÉ AO REI DO UNIVERSO

(Mt 25,31-46)
A

 Igreja encerra, neste domingo, o seu ano litúrgico com a celebração solene de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo. Com essa festa abre, então, o tempo de Advento (que neste ano começa no dia 27 de novembro), que é a preparação para a solenidade do nascimento de Jesus, o Natal.  Mas o que quer dizer, Jesus Cristo Rei do universo? Será que Jesus foi, de fato, um rei em algum lugar na Palestina ou em outros territórios próximos do Oriente Médio? De onde vem essa ideia de Jesus rei? Há mensagem evangélica que menciona Jesus como rei? Tem fundamento teológico a respeito desse título? Quando começou a instituição, historicamente, dessa celebração de Cristo como Rei?
Um pouquinho de memória.
A celebração de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo foi anunciada e instituída pelo Papa Pio XI no ano 1922 e promulgada através da Encíclica papal Quas Primas, a 11 de dezembro de 1925, na ocasião de comemoração aos 16º centenário de proclamação conciliar do dogma da Consubstancialidade de Jesus Cristo ao Pai, verdade legada pelo I Concílio de Nicéia – da Bitínia, atual Iznik da Turquia (20 de maio a 25 de julho de 325). A instituição da festa Cristo Rei do universo pelo Papa Pio XI foi em um contexto de cristandade europeia, exatamente na época em que o mundo político passava pela situação pós-guerra mundial, a primeira (1914-1918)[1]. A situação do mundo pós-guerra marcado pelo fascismo italiano, nazismo alemão comunismo russo, marxismo-ateu, pela dificuldade econômica que atinge a Europa, fruto desse conflito bélico, pelos governos ditatoriais que solapavam toda Europa, pela perseguição religiosa de maneira popular e sistemática, pelo liberalismo e outros mais que empurravam o mundo e o povo a distanciar-se da religião e de Deus. Toda essa realidade contribuiu, sem dúvida, para a explosão da segunda Grande Guerra (1939-1945)[2].
A intenção do Papa era para conscientizar ou mesmo para despertar nos corações desses governos ditatoriais sobre o sentido e valor da vida humana, isto é, para que todas as coisas culminassem na plenitude em Jesus de Nazaré, o Cristo e Senhor da vida que venceu a morte pela entrega da sua própria vida, conforme anuncia o João: “Eu sou o Alfa e o Ômega, Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem, o Todo Poderoso” (Ap 1,8). Mesmo usando justificava bíblica, o anúncio é de cunho político e não teológico. O próprio Jesus superou esse apego do poder e proporcionou um novo modo de ser e viver dos cristãos: e fraternidade crística (cf. Mt 23,8). Esse é o terceiro e último patamar da experiência da vida de fé e amor que Jesus tem feito para com seus discípulos e seguidores, para todos os cristãos, para com toda a humanidade que crê em Deus da vida. Esse é o caminho, a verdade e a vida a ser seguido. Mas o problema é que a própria Igreja se apega ao poder, consagra o poder e apodera o poder exibindo de modo simbolicamente através das vestimentas, das construções como torres, igrejas ou catedrais, e muitos outros edifícios suntuosos. A própria leitura do evangelho, se fosse lida e contemplada criticamente sua mensagem, não corresponde com a festa de Cristo rei, aliás, não existe Evangelho correspondente a essa festa.
Realidade bíblica do AT
O atributo “rei” dado a Jesus de Nazaré e Cristo-irmão misericordioso da fé é mais político do que teológico. É uma idéia de “teologia do poder” desenvolvida na Igreja. Essa ideia tem sua raiz na “teologia da Aliança” que a teologia política do Antigo Testamento, uma vez que o povo judeu distingue entre a política e religião, porém, não separa excluindo-as como nós fazemos no Ocidente. O sonho hebreu de rei e reinado embrionariamente já começo desde que o povo fugiu do Egito liderado pelo Moisés. Esse sonho real de Israel se realizou esplendidamente, no nível sociopolítico/cultural tanto quanto econômico e religioso no reinado davídico[3] (cf. 2Sm 7). Esse fato pode ser percebido em alguns dos salmos reais, destinado especialmente em homenagem ao sucesso do rei Davi (cf. Sl 2; 20; 21; 72; 89; 101; 110).
O termo teológico equivalente da palavra rei seria messias (do hbr. mashyach = o ungido), e que foi traduzido em grego khristos e em latim christus e, enfim, em nosso bom português, cristo que significa o libertador. Em alguns textos bíblicos, o termo messianismo tem significado incerto, por exemplo, em Hab 3,13 é destinado a nação e o Salmo 105,15 e 1Cr 16,22, para os patriarcas e profetas. Com a decadência do reino davídico (após a sua morte) e Israel como presa fácil nas mãos dos poderes estrangeiros, o sonho de um messias ganhou força cada vez mais, até o nascimento de Jesus.
Novo Testamento
Jesus nunca foi nem príncipe nem rei em lugar nenhum. E nem ele próprio aceitou esse poderoso título de nobreza real (cf. Mt 27,11). O que ele declarou foi como irmão e amigo para com seus discípulos e seguidores (cf Mt 23,8; Jo 15,15). Na linguagem dos evangelistas, o termo rei tem outra conotação, isto é, usado como ironia aos reis colonizadores que praticavam todo o tipo de crimes e violências cruéis – político, econômico, social e cultural/religioso – contra o povo da terra. No meio dessas práticas desumanas que faz com que alguns grupos judeus queriam que Jesus fosse entronizado como rei dos judeus. A coroa de espinho colocada na cabeça de Jesus revela duas coisas: de um lado, o desprezo pelo poder e, de outro, sinal de simplicidade serviçal e da fraternidade misericordiosa. A coroa de metal colocada na cabeça de Jesus no trono para mostrar que ele é rei, no meu ver, foi uma caricatura muito ridícula, horrorosa e de desrespeito, pois não corresponde com a realidade.    
Aprofundado o nosso texto
O texto dramatiza uma cena de julgamento final no céu, porém com característica típica de um tribunal de pena comum nos governos terrenos. Nesse julgamento, o juiz é apresentado com título apocalíptico do Filho do Homem do profeta Daniel (cf Dn 7,13-14). O julgamento é de caráter universal, isto é, para toda a humanidade de todas as gerações e religiões e crenças no planeta Terra.
No processo de julgamento, o rei-juiz começa a ler um texto de argumentos (ou, de acusação) como razão tanto para os que serão condenados quanto para os que serão premiados. Antes, o rei-juiz separa a humanidade em dois grupos, do bom do lado direito e do menos bom do lado esquerdo. A acusação é o mesmo para ambos os grupos e tem seis itens, contudo, se difere no fazer e não-fazer durante a sua vida terrena. Na leitura do texto de acusação o rei-juiz usou a primeira pessoa “eu” e que provocou os questionamentos dos dois grupos. E a resposta foi mais simples ainda.
A primeira leitura foi dos motivos de premiação do grupo do lado direito, dizendo: “vinde benditos do meu Pai! Recebei como herança o reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo!” Aí, segue os motivos: “Pois, eu estava com fome e me destes de comer; com sede e me destes de beber; estrangeiro e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar” (vv. 35-36). Enquanto para o grupo do lado esquerdo se diz: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos”. Aí, segue os motivos: “Pois eu estava com fome e não me destes de comer; com sede e não me destes de beber; estrangeiro e não me recebestes em casa; eu estava nu e não me vestistes; estava doente e na prisão e não fostes me visitar” (vv. 42-43).
Cada grupo tem momento de réplica, em forma de pergunta, após a leitura e tréplica como resposta do rei-juiz. Os dois grupos fizeram o mesmo questionamento dizendo que nunca tinham visto o rei-juiz nessas situações. Se tivessem o visto em algum lugar nessas realidades o teriam feito, certamente, alguma coisa conforme a necessidade (vv. 37-39. 44). O questionamento do primeiro grupo foi de caráter confirmativa pelo prêmio recebido e o do segundo foi de cunho defensivo em vista de anulação da condenação. A resposta do rei-juiz foi de modo enfático, dizendo que: “Todas as vezes que fizestes ou não a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (vv. 40. 45). A resposta reafirma a unidade indivisível entre a humanidade e divindade, entre Criador e criatura: “Eu e meu Pai somos um” (cf. Jo 10,39).
Na realidade todas essas coisas – o fazer e/ou o não fazer o bem criativo para com o próximo durante a vida terrena – são formas de vida de vigilância operante e responsável durante o tempo de espera da vinda do dia do Senhor. É o sinal de maturidade e fidelidade criativa e responsável do homem e mulher de fé madura e equilibrada.
Todas essas práticas são modos de fazer transparecer o luminoso rosto de Deus amoroso, compassivo e misericordioso para com o próximo. Essa é a nossa missão como sua imagem e semelhança e filhos no Filho. Fazer o bem ao próximo é a uma das conseqüências do seguimento de Jesus Cristo que “andava por toda parte fazendo o bem para com todos sem exclusão” (cf. At 10,38) a ponto de entregar sua própria vida por amor pela vida de toda a humanidade (Jo. 15,13) que ele mesmo declarou como seu irmão e irmã e amigo e amiga do mesmo Pai que está no Céu, e nos pede para que nós possamos fazer o mesmo como ele nos fez (cf. Jo 15,12-13). É o amor a Deus e pelo próximo que nos justifica e premia e/ou julga e condena. 
 Esse imaginário de tribunal de julgamento final é uma metodologia típica oriental e semítica usada pelo autor para chamar a atenção e conscientizar os cristãos para viverem comprometidamente sua vida cristã com a realidade social e política da sociedade. Uma vez que a Igreja não está fora do mundo, mas no mundo, e a esse mundo que ele foi chamada e enviada para ser instrumento de salvação: ser sal para condimentar a putrefação ética e moral, e ser fermento para levedar o amor.
Seja mais solidário, caridoso, compassivo e misericordioso para com todos. Procure amar a Deus nos próximos e em toda a criatura e amar o próximo em Deus sem discriminação e exclusão. Que a sua caridade seja serena e justa, construtiva e libertadora. Procure fazer o bem, não para receber a gratificação nem para comprar a alguém para a sua Igreja, mas por puro ato de amor pela pessoa como tal.
________&&&________ BH., 20/11-2011
Lukas Betekeneng


[1] A primeira guerra mundial – também conhecida como Grande Guerra – foi um choque bélico mundial que se iniciou na Europa, ocorrido entre 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918. O conflito ocorreu entre a Tríplice Entente (liderado pelo Império Britânico, França e Império Russo) até 1917 e os Estados Unidos (a partir de 1917) que derrotou as potências centrais, que também, um outro Tríplice Entente (formado pelo Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano) o conflito provocou uma  mudança radical do mapa geo-político da Europa e do Médio Oriente.
[2] Como na primeira Grande Guerra, a segunda também se iniciou na Europa e se espalhou rapidamente pela África e Ásia. O motivo dessa guerra como já foi mencionado anteriormente: o espírito expansionista dos governos fascistas da Itália, Alemanha e do Japão que formaram, chamada Potência Central (ou, conhecido também como eixo Alemanha, Itália, Japão). A guerra terminou com uma ação política e militarmente vergonhosa, desnecessária e desumana dos Estados Unidos jogando bomba atômica sobre cidades japonesas de Nagazaki e Hiroshima, matando milhares e milhares dos civis inocentes.
[3] Segundo o arqueólogo americano, Edwin Thiele, o rei Davi nasceu por volta do ano 1040 a.C e faleceu por volta do ano 970 a.C. Conforme a Bíblia hebraica, Davi foi o segundo monarca do reino unificado, Israel e Judéia (1003 a.C -970 a.C).