domingo, 20 de novembro de 2011

DO JESUS HISTÓRICO E CRISTO DA FÉ AO REI DO UNIVERSO

(Mt 25,31-46)
A

 Igreja encerra, neste domingo, o seu ano litúrgico com a celebração solene de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo. Com essa festa abre, então, o tempo de Advento (que neste ano começa no dia 27 de novembro), que é a preparação para a solenidade do nascimento de Jesus, o Natal.  Mas o que quer dizer, Jesus Cristo Rei do universo? Será que Jesus foi, de fato, um rei em algum lugar na Palestina ou em outros territórios próximos do Oriente Médio? De onde vem essa ideia de Jesus rei? Há mensagem evangélica que menciona Jesus como rei? Tem fundamento teológico a respeito desse título? Quando começou a instituição, historicamente, dessa celebração de Cristo como Rei?
Um pouquinho de memória.
A celebração de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo foi anunciada e instituída pelo Papa Pio XI no ano 1922 e promulgada através da Encíclica papal Quas Primas, a 11 de dezembro de 1925, na ocasião de comemoração aos 16º centenário de proclamação conciliar do dogma da Consubstancialidade de Jesus Cristo ao Pai, verdade legada pelo I Concílio de Nicéia – da Bitínia, atual Iznik da Turquia (20 de maio a 25 de julho de 325). A instituição da festa Cristo Rei do universo pelo Papa Pio XI foi em um contexto de cristandade europeia, exatamente na época em que o mundo político passava pela situação pós-guerra mundial, a primeira (1914-1918)[1]. A situação do mundo pós-guerra marcado pelo fascismo italiano, nazismo alemão comunismo russo, marxismo-ateu, pela dificuldade econômica que atinge a Europa, fruto desse conflito bélico, pelos governos ditatoriais que solapavam toda Europa, pela perseguição religiosa de maneira popular e sistemática, pelo liberalismo e outros mais que empurravam o mundo e o povo a distanciar-se da religião e de Deus. Toda essa realidade contribuiu, sem dúvida, para a explosão da segunda Grande Guerra (1939-1945)[2].
A intenção do Papa era para conscientizar ou mesmo para despertar nos corações desses governos ditatoriais sobre o sentido e valor da vida humana, isto é, para que todas as coisas culminassem na plenitude em Jesus de Nazaré, o Cristo e Senhor da vida que venceu a morte pela entrega da sua própria vida, conforme anuncia o João: “Eu sou o Alfa e o Ômega, Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem, o Todo Poderoso” (Ap 1,8). Mesmo usando justificava bíblica, o anúncio é de cunho político e não teológico. O próprio Jesus superou esse apego do poder e proporcionou um novo modo de ser e viver dos cristãos: e fraternidade crística (cf. Mt 23,8). Esse é o terceiro e último patamar da experiência da vida de fé e amor que Jesus tem feito para com seus discípulos e seguidores, para todos os cristãos, para com toda a humanidade que crê em Deus da vida. Esse é o caminho, a verdade e a vida a ser seguido. Mas o problema é que a própria Igreja se apega ao poder, consagra o poder e apodera o poder exibindo de modo simbolicamente através das vestimentas, das construções como torres, igrejas ou catedrais, e muitos outros edifícios suntuosos. A própria leitura do evangelho, se fosse lida e contemplada criticamente sua mensagem, não corresponde com a festa de Cristo rei, aliás, não existe Evangelho correspondente a essa festa.
Realidade bíblica do AT
O atributo “rei” dado a Jesus de Nazaré e Cristo-irmão misericordioso da fé é mais político do que teológico. É uma idéia de “teologia do poder” desenvolvida na Igreja. Essa ideia tem sua raiz na “teologia da Aliança” que a teologia política do Antigo Testamento, uma vez que o povo judeu distingue entre a política e religião, porém, não separa excluindo-as como nós fazemos no Ocidente. O sonho hebreu de rei e reinado embrionariamente já começo desde que o povo fugiu do Egito liderado pelo Moisés. Esse sonho real de Israel se realizou esplendidamente, no nível sociopolítico/cultural tanto quanto econômico e religioso no reinado davídico[3] (cf. 2Sm 7). Esse fato pode ser percebido em alguns dos salmos reais, destinado especialmente em homenagem ao sucesso do rei Davi (cf. Sl 2; 20; 21; 72; 89; 101; 110).
O termo teológico equivalente da palavra rei seria messias (do hbr. mashyach = o ungido), e que foi traduzido em grego khristos e em latim christus e, enfim, em nosso bom português, cristo que significa o libertador. Em alguns textos bíblicos, o termo messianismo tem significado incerto, por exemplo, em Hab 3,13 é destinado a nação e o Salmo 105,15 e 1Cr 16,22, para os patriarcas e profetas. Com a decadência do reino davídico (após a sua morte) e Israel como presa fácil nas mãos dos poderes estrangeiros, o sonho de um messias ganhou força cada vez mais, até o nascimento de Jesus.
Novo Testamento
Jesus nunca foi nem príncipe nem rei em lugar nenhum. E nem ele próprio aceitou esse poderoso título de nobreza real (cf. Mt 27,11). O que ele declarou foi como irmão e amigo para com seus discípulos e seguidores (cf Mt 23,8; Jo 15,15). Na linguagem dos evangelistas, o termo rei tem outra conotação, isto é, usado como ironia aos reis colonizadores que praticavam todo o tipo de crimes e violências cruéis – político, econômico, social e cultural/religioso – contra o povo da terra. No meio dessas práticas desumanas que faz com que alguns grupos judeus queriam que Jesus fosse entronizado como rei dos judeus. A coroa de espinho colocada na cabeça de Jesus revela duas coisas: de um lado, o desprezo pelo poder e, de outro, sinal de simplicidade serviçal e da fraternidade misericordiosa. A coroa de metal colocada na cabeça de Jesus no trono para mostrar que ele é rei, no meu ver, foi uma caricatura muito ridícula, horrorosa e de desrespeito, pois não corresponde com a realidade.    
Aprofundado o nosso texto
O texto dramatiza uma cena de julgamento final no céu, porém com característica típica de um tribunal de pena comum nos governos terrenos. Nesse julgamento, o juiz é apresentado com título apocalíptico do Filho do Homem do profeta Daniel (cf Dn 7,13-14). O julgamento é de caráter universal, isto é, para toda a humanidade de todas as gerações e religiões e crenças no planeta Terra.
No processo de julgamento, o rei-juiz começa a ler um texto de argumentos (ou, de acusação) como razão tanto para os que serão condenados quanto para os que serão premiados. Antes, o rei-juiz separa a humanidade em dois grupos, do bom do lado direito e do menos bom do lado esquerdo. A acusação é o mesmo para ambos os grupos e tem seis itens, contudo, se difere no fazer e não-fazer durante a sua vida terrena. Na leitura do texto de acusação o rei-juiz usou a primeira pessoa “eu” e que provocou os questionamentos dos dois grupos. E a resposta foi mais simples ainda.
A primeira leitura foi dos motivos de premiação do grupo do lado direito, dizendo: “vinde benditos do meu Pai! Recebei como herança o reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo!” Aí, segue os motivos: “Pois, eu estava com fome e me destes de comer; com sede e me destes de beber; estrangeiro e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar” (vv. 35-36). Enquanto para o grupo do lado esquerdo se diz: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos”. Aí, segue os motivos: “Pois eu estava com fome e não me destes de comer; com sede e não me destes de beber; estrangeiro e não me recebestes em casa; eu estava nu e não me vestistes; estava doente e na prisão e não fostes me visitar” (vv. 42-43).
Cada grupo tem momento de réplica, em forma de pergunta, após a leitura e tréplica como resposta do rei-juiz. Os dois grupos fizeram o mesmo questionamento dizendo que nunca tinham visto o rei-juiz nessas situações. Se tivessem o visto em algum lugar nessas realidades o teriam feito, certamente, alguma coisa conforme a necessidade (vv. 37-39. 44). O questionamento do primeiro grupo foi de caráter confirmativa pelo prêmio recebido e o do segundo foi de cunho defensivo em vista de anulação da condenação. A resposta do rei-juiz foi de modo enfático, dizendo que: “Todas as vezes que fizestes ou não a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (vv. 40. 45). A resposta reafirma a unidade indivisível entre a humanidade e divindade, entre Criador e criatura: “Eu e meu Pai somos um” (cf. Jo 10,39).
Na realidade todas essas coisas – o fazer e/ou o não fazer o bem criativo para com o próximo durante a vida terrena – são formas de vida de vigilância operante e responsável durante o tempo de espera da vinda do dia do Senhor. É o sinal de maturidade e fidelidade criativa e responsável do homem e mulher de fé madura e equilibrada.
Todas essas práticas são modos de fazer transparecer o luminoso rosto de Deus amoroso, compassivo e misericordioso para com o próximo. Essa é a nossa missão como sua imagem e semelhança e filhos no Filho. Fazer o bem ao próximo é a uma das conseqüências do seguimento de Jesus Cristo que “andava por toda parte fazendo o bem para com todos sem exclusão” (cf. At 10,38) a ponto de entregar sua própria vida por amor pela vida de toda a humanidade (Jo. 15,13) que ele mesmo declarou como seu irmão e irmã e amigo e amiga do mesmo Pai que está no Céu, e nos pede para que nós possamos fazer o mesmo como ele nos fez (cf. Jo 15,12-13). É o amor a Deus e pelo próximo que nos justifica e premia e/ou julga e condena. 
 Esse imaginário de tribunal de julgamento final é uma metodologia típica oriental e semítica usada pelo autor para chamar a atenção e conscientizar os cristãos para viverem comprometidamente sua vida cristã com a realidade social e política da sociedade. Uma vez que a Igreja não está fora do mundo, mas no mundo, e a esse mundo que ele foi chamada e enviada para ser instrumento de salvação: ser sal para condimentar a putrefação ética e moral, e ser fermento para levedar o amor.
Seja mais solidário, caridoso, compassivo e misericordioso para com todos. Procure amar a Deus nos próximos e em toda a criatura e amar o próximo em Deus sem discriminação e exclusão. Que a sua caridade seja serena e justa, construtiva e libertadora. Procure fazer o bem, não para receber a gratificação nem para comprar a alguém para a sua Igreja, mas por puro ato de amor pela pessoa como tal.
________&&&________ BH., 20/11-2011
Lukas Betekeneng


[1] A primeira guerra mundial – também conhecida como Grande Guerra – foi um choque bélico mundial que se iniciou na Europa, ocorrido entre 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918. O conflito ocorreu entre a Tríplice Entente (liderado pelo Império Britânico, França e Império Russo) até 1917 e os Estados Unidos (a partir de 1917) que derrotou as potências centrais, que também, um outro Tríplice Entente (formado pelo Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano) o conflito provocou uma  mudança radical do mapa geo-político da Europa e do Médio Oriente.
[2] Como na primeira Grande Guerra, a segunda também se iniciou na Europa e se espalhou rapidamente pela África e Ásia. O motivo dessa guerra como já foi mencionado anteriormente: o espírito expansionista dos governos fascistas da Itália, Alemanha e do Japão que formaram, chamada Potência Central (ou, conhecido também como eixo Alemanha, Itália, Japão). A guerra terminou com uma ação política e militarmente vergonhosa, desnecessária e desumana dos Estados Unidos jogando bomba atômica sobre cidades japonesas de Nagazaki e Hiroshima, matando milhares e milhares dos civis inocentes.
[3] Segundo o arqueólogo americano, Edwin Thiele, o rei Davi nasceu por volta do ano 1040 a.C e faleceu por volta do ano 970 a.C. Conforme a Bíblia hebraica, Davi foi o segundo monarca do reino unificado, Israel e Judéia (1003 a.C -970 a.C).

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