(Pr 31,10-13.19-20.30-31; 1Tes 5,1-6; Mt 25,14-30)
Q |
uem é essa mulher que os sábios estão falando (1ª Leitura)? Por que Deus não deu o aviso sobre o dia e a hora de sua chegada (2ª Leitura)? Quem é esse juiz que deu sentença tão dura contra o terceiro servo nesse julgamento final de vida (Evangelho)?
Na primeira leitura, o sábio fala de características de mulher virtuosa: mulher de fé, caridosa, creativa, humilde e serena, prudente, madura, equilibrada e responsável que atrai as bênçãos de Deus para a sua própria vida e a de todos aqueles que convivem com ela. Essa mulher é o sonho de todas as almas, o símbolo da beleza interior, fonte de esperança e confiança de todos os espíritos, razão da busca de todos os gostos humanos, motivo de alegria para toda a humanidade. Mulher assim será capaz de afastar qualquer perigo que ameaça a união comunial, de anular todo o tipo de desconfiança, de neutralizar qualquer medo de infelicidade. É a maneira de viver a vida numa vigilância constante sem exagero, e que não se apega ao ilusório e nem se ilude com a aparência, muito pelo contrário, uma mulher sábia procura sempre o essencial com maturidade, equilíbrio, creatividade e, acima de tudo, com a responsabilidade. A mulher com essas descrições raramente se encontra no mundo de hoje. Quem é, afinal, essa mulher?
Aqui, o autor não está falando de mulher qualquer, pois é uma linguagem poética e espiritual, portanto a mulher aqui tem sentido figurado. Como sabemos que na mística e espiritualidade dos judeus, a mulher-modelo e amante-esposa é associada ao povo de Israel tendo o próprio Senhor Iahweh como seu amado-esposo, seu refúgio e protetor. A mulher que o autor fala nesse texto é, portanto, o próprio povo de Israel. Seria como mulher-modelo de vida e de fé para todas as nações que crer em Deus.
Através de sua carta aos cristãos Tessalonicenses, o apóstolo Paulo nos exige uma vida de sempre em prontidão para não ser surpreendido com a chegada do dia do Senhor, pois ninguém sabe nem o dia nem a hora, mas será como ladrão de noite (v. 2). Essa é a característica da vigilância cristã: uma vida de vigilância permanente. Isso só é possível na medida em que se reconhecer como filho da luz que vem do “alto”. Assim, quem é da luz procura viver na luz e quem é da noite prefere ficar no escuro. O Apóstolo define os cristãos como filhos da luz e do dia, por isso devem permanecer na luz, isto é, sempre procurar viver de acordo com a vontade de Deus: fazer acontecer a justiça, promover a paz e a liberdade, preservar a dignidade da vida, própria, do próximo e a dos demais; respeitar o direito dos outros, trabalhar para a união de todos os filhos de Deus, divulgar o amor-caridade para com toda a humanidade. Deus não quer que o ser humano leve uma vida receosa, vive contando minutos de sua vida; ele quer os seus filhos sejam felizes e tranqüilos. Mas para isso, precisa de serenidade, de prudência, de cuidado, de fidelidade, de responsabilidade e maturidade.
O texto da comunidade mateana nos apresenta um relato-parábola sobre o modo de vida vigilante creativo. É esse viver creativo que serve de advogado quer de acusação quer de defesa no julgamento final de nossa vida existencial. Ou seja, a nossa própria consciência, do bem e/ou do mal, que nos afasta ou nos aproxima da face amorosa e misericordiosa de Deus no juízo final. O amor de Deus está dado, a decisão agora é toda nossa: aceitar ou recusar essa oferta, tudo depende de nossa livre opção, de nossa responsabilidade.
Deus nos colocou neste mundo já com “equipamentos” prontos para ser operado: um pedaço de cérebro para raciocinar o intelecto e um coração para sensibilizar o afeto e um par de rins para nos mobilizar de forças de vontade para ser, viver e agir. Nesses três centros humanos que estão guardados todos os Dons divinos necessários para serem desenvolvidos em prol da felicidade de vida, própria e a dos outros. Assim, Deus nos criou como um ser tricêntrico: centro racional, centro afetivo e vontade. O coração onde reside o espírito de Deus é o centro peneirante para a vida e ações, segundo a mística dos sábios orientais. Esses três centros humanos que, também, representam o conjunto de equilíbrios humanos, internos e externos.
O assunto principal nesse texto que nos chama a atenção não é tanto sobre os dois primeiros servos, mas sobre o terceiro. O texto também carregado de simbolismo que também merece a atenção. Por exemplo, em relação aos números. Quem são as pessoas comparadas com a mentalidade do terceiro servo nessa parábola? Os três servos que receberam a confiança do seu Senhor talvez sejam as três categorias de povos: os simples fiéis (os proletários), as nobrezas ou, que responsáveis pela Torá (os escribas, os levitas, os saduceus e fariseus) e, por fim, os novos membros dos demais povos (os “pagãos”). Os cinco talentos podem representar os cinco rolos da lei de Moisés; os dois talentos representariam as duas tábuas de pedra e, por fim, um talento representaria a fé no Deus único de Israel.
O terceiro servo que guardou o bem a ele confiado representa a classe nobre da sociedade judaica: os escribas, fariseus, saduceus e levitas. E os dois primeiros são os simples fiéis e os pagãos. São eles que reconheceram Jesus como Messias, acolherem seus ensinamentos e o seguiram no seu caminho. Enquanto que os líderes religiosos se fecharam no tradicionalismo estéril, gelado e frio sem vida nem creatividade. Essa realidade também é um desafio concreto, hoje, para a nossa Igreja, as nossas comunidades religiosas, nossas famílias e sociedade como um todo. Não vale a pena levar uma vida seguindo a tradição pela tradição e a lei pela lei sem nenhuma abertura para as novas perspectivas e nem o desenvolvimento das capacidades creativas para a renovação e/ou a adaptação.
Todo o conservadorismo, tradicionalismo e radicalismo são, do ponto de vista da mística e espiritualidade, a pior traição consciente que existe na vida em todos os sentidos e níveis, a calosidade, o empobrecimento, o enfraquecimento, a desidratação, o envelhecimento, o processo certo rumo a morte definitiva. Melhor errar na creatividade da contínua busca do novo para enriquecer, renovar, atualizar e rejuvenescer do que ter medo de tentar. O tradicionalismo, o conservadorismo e o radicalismo são viroses que atacam as células e destroem as potencialidades do desenvolvimento creativo dos dons e talentos, tanto na sociedade, nas famílias, nas políticas quanto nas religiões em geral e nas igrejas cristãs em particular e, principalmente nas congregações e comunidades religiosas.
Seja creativo, corajoso, sereno, inventivo, humilde, confiante, maduro e equilibrado, na vida e no trabalho, aqui dentro e lá fora. Seja fiel, não no sentido de guardar e proteger toda herança de vida do passado repetir o mesmo como tal e qual quando foi dado por toda a vida até a vinda do dia do Senhor, mas na coragem de inventar e reinventar creativamente em cada momento, atualizando e adaptando conforme a necessidade em vista da sobrevivência e da continuidade do carisma fundacional de vida e do amor salvífico.
________&&&________ BH, 13/11-2011
Lukas Betekeneng
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